O que diz José Renato Baptista…

O Haiti sempre parece um labirinto com muitos caminhos para andar e se perder. Entender o que acontece ali, sobretudo suas relações com o passado, é tarefa difícil. No mundo, alguns poucos tem se debruçado sobre isso. Venho publicando os comentários de alguns nesta série “O que disse…”. E navegando pela internet, conheci o blog do antropólogo brasileiro José Renato Baptista, uma ótima referência se você quiser ler (em português) o diário de alguém que vive por lá. Doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), seu blog Aytian Nuvels é um belo registro de um pesquisador em sua apuração de campo. Deixo abaixo alguns de suas histórias, que, em seu blog, são entremeadas por cômicas análises futebolísticas e expressões em creole. É, sem dúvida, um dos principais depoimentos do que acontece no Haiti de hoje, fora das discussões das forças da ONU e da geopolítica americana. E, sim, sobre o Haiti das ruas, do seu povo, de sua miséria e riqueza.

(…) entre as classes populares de Port au Prince é muito comum encontrar gente que apóia claramente o presidente deposto Jean Bertrand Aristide. Em Jacmel, não se vê tanta gente que apóie Aristide, mas na capital é interessante notar a força que este ainda exerce tanto sobre seus partidários mais inflamados, quanto para a gente comum das ruas. Consideram que Aristide tinha uma preocupação particular com os problemas das classes populares, e que sua queda beneficiou apenas determinada parte da burguesia nacional. Entre estes, mas, sobretudo, entre uma grande parcela dos intelectuais, Aristide é quase como um conjuro, um espírito maligno, algo a ser extirpado e exorcizado do país. Não há espaço para ponderações, a conversa começa a partir do ponto de que Aristide é um inimigo do país, um ilusionista perverso, que criou, tanto perante a população local, quanto perante uma boa parcela da comunidade internacional, a imagem de um líder popular, de líder progressista.

Cada vez que converso com um haitiano que encontro pelo caminho das minhas pesquisas sobre o vodu, tenho a impressão de que muitos haitianos crêem que seu país sofre de algum tipo de maldição proferida por Deus ou pelos deuses. (…) a cosmologia de certa parcela dos intelectuais daqui pode ser enquadrada nos mesmos marcos que as explicações nativas sobre um suposto mal de raiz, uma “natureza” dos haitianos voltada para o mal, apoiadas nas crenças religiosas de católicos, voduissants e protestantes. Para estes, o mal de raiz viria exatamente do ato de nascença do Haiti: o Sacrifício de Bois Caiman. Tido como o ato que deflagrou a luta de independência na região norte do país, que uniu os escravos e eclodiu a revolta nas fazendas da região, Bois Caiman é um mito de origem nacional que faz uma associação perfeita entre construção nacional e vodu. Para quem não conhece a história do Haiti, Bois Caiman foi o local onde se realizou uma grande cerimônia vodu, liderada pelo jamaicano Boukman, que organizou os escravos e deu início à luta de independência, onde teria sido sacrificado um porco ou cem porcos às divindades vodu.