O país negro conseguirá ir à Copa da África?

Não, não é do Brasil que estou falando. É outro país negro: o Haiti. Eles só foram a uma Copa, a de 1974, na Alemanha. Na primeira fase tiveram três derrotas seguidas – Itália (3 a 1, de virada), Polônia (7 a 0, sem comentários), e Argentina (4 a 1, a pá de cal). Mas foi o maior feito da história de sua equipe, que voltou para casa ovacionada. Ainda era época da longa ditadura de “Papa Doc” e “Baby Doc”. Nunca mais conseguiram chegar à disputa mundial. Nas últimas eliminatórias, por exemplo, os haitianos foram desclassificados pelo time da Jamaica.

O time haitiano que foi à Copa de 1974

Imaginem o que seria para o Haiti ir para uma Copa na África do Sul? Como o país ama futebol, seria quase uma diáspora às avessas. No país caribenho, há vários times pequenos. Muitos jogadores atuam nos Estados Unidos. Seus campeonatos sofrem com a instabilidade política. Em 2004, por exemplo, quando houve a queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide e a missão de paz da ONU começou, o campeonato nacional foi cancelado por falta de segurança. A infra-estrutura é precária. Antes do jogo com a seleção brasileira, o estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe, estava em frangalhos.

Vou fazer minha análise futebolística (!). São três vagas certas e uma repescagem. E 35 países em disputa. Historicamente, as eliminatórias da América do Norte, Central e Caribe são dominadas por México e Estados Unidos. Haveria uma brecha para tentar disputar outras duas vagas, incluindo uma possível repescagem com times sul-americanos. Costa Rica e Jamaica têm evoluído um pouquinho (?), então Haiti teria que comer pelas beiradas. O problema é que os haitianos quase não treinam juntos. E a disputa começa por mata-mata. Se forçar, dá.

Em uma de minhas idas a Porto Príncipe, naquele jogo com a seleção brasileira em agosto de 2004, comprei minha camisa para torcer. É azul forte com um símbolo da confedereção entre dois coqueiros caribenhos. Os fanáticos como eu que passarem por este blog podem acompanhar os resultados pelo site da Concacaf. O primeiro jogo é Haiti contra o vencedor de Nicarágua e Antilhas Holandesas. Vai ferver, não?

Mais uma de vodu pela web

Minhas andanças pela web insistem em parar em fotos de vodu haitiano. Aqui está o link de uma produção do fotógrafo Jean-Claude Coutausse, da National Geographic, numa reportagem chamada “Dançando com espíritos”, de 1995. Também sobre o mesmo trabalho, achei o site pessoal do Coutausse com mais fotos. É uma boa amostra.

Jean-Claude Coutausse

Nação Palmares, hipervídeo de um povo

A Agência Brasil acabou de publicar o último especial multimídia que tínhamos quase finalizado antes de sair de lá há cerca de um mês. Foi ao mesmo tempo do Bon Bagay Haiti. É um hipervídeo, conceito a partir do qual o internauta pode navegar dentro de um vídeo principal. E clicar em outros vídeos, links e textos. É como ir abrindo pastas. Ou, na linguagem do Sérgio Gomes, jornalistão das antigas e de espírito jovem na Oboré, seria como ler um livro “com e sem” notas de rodapé. Ou o vídeo dentro do vídeo, algo assim – como ele me falou andando no centro de São Paulo.

quilombolas

Mais do que a filosofia e a inovação da linguagem multimídia, o conteúdo desse especial busca mostrar a luta dos quilombolas. Sem distorções. A grande reportagem foi elaborada por vários profissionais. A apuração in loco foi do Spensy Pimentel, o roteiro e edição foram trabalhados pelo André Deak e Rodrigo Savazoni. A Juliana Cézar Nunes também ajudou. Design e programação com Yasodara Córdova e Mário Marco. A trilha sonora está ótima. Nação Zumbi abre o especial.

Atualizaçã0 (26/11/2007): o André Deak fez um ótimo making off do trabalho no blog dele. O tamanho da descrição é diretamente proporcional ao trabalho dispensado. Até eu tive que refinar a edição de dois ou três vídeos. Mas nem se comprara ao trabalho dos demais.

Atualizaçã0 (05/12/2007): o Rodrigo Savazoni escreveu ontem a genealogia do Nação Palmares. Ou melhor, como foi a busca por novos formatos de narrativo no período em que estivemos na Agência Brasil. Vale para acompanhar a evolução do material multimídia produzido.

Vodu haitiano em imagens

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No blog do MediaStorm, há um link para o trabalho do The Digital Journalist sobre a religião vodu no Haiti. A apresentação da galeria do fotógrafo Les Stone diz: “A violência é apenas um dos aspectos [no Haiti]; a cultura e a forte dignidade dos haitianos é outra”. Como o candomblé no Brasil, a prática é uma das mais surpreendentes no contato com o cotidiano do país caribenho. Visitei um “terreiro” de vodu em minha primeira viagem ao Haiti, em agosto de 2004. Era o fundo de um terreno bem no alto de Porto Príncipe. Sobre fogueiras, grandes tachos de arroz com lentilhas e carne de porco – as oferendas. O clima era forte. O batuque me lembrava os sons do candomblé maranhense.

 

Resgate em Cité Soleil após furacão Noel

Tá publicado no You Tube um vídeo sobre a atuação do batalhão brasileiro no resgate de pessoas afetadas pelo furacão Noel, no bairro de Cité Soleil. O material está bem editado com os depoimentos dos militares. A edição é do pessoal do Viva Rio, organização não-governamental brasileira que também atua no Haiti e mantém um blog sobre o assunto.

O novo chefe da missão no Haiti

Esse é o rosto branquinho do novo chefe da missão de paz da ONU no Haiti. A partir de agora, o tunisiano Hedi Annabi passa a ser o responsável por todas as decisões no país caribenho. Investimentos, operações militares, atuação da polícia civil, ações humanitárias, relação com o governo etc.

Primeiro foi o chileno Juan Gabriel Valdez, que foi substituído pelo guatemalteco Edmond Mulet, e agora por Annabi. Uma de suas primeiras entrevistas à imprensa foi essa aqui à AP, reproduziada pelo jornal Miami Herald. Segundo ele, as tropas ainda vão ficar no Haiti “muitos anos”, porque o país ainda não consegue tomar conta de sua própria segurança.

“A situação de segurança é extremamente frágil. E se tivéssemos de reduzir drasticamente [a atuação das tropas], não haveria um vazio que seria imediatamente substituído pelas mesmas pessoas que estavam lá quando nós começamos”, afirmou Annabi enquanto falava sentado em seu escritório nas colinas da parte alta de Porto Príncipe.

Quando lhe perguntaram quanto tempo a criação da polícia própria haitiana pode demorar, Annabi disse: “Você não cria uma força de segurança, uma força policial, em dois ou três anos… leva 10, 15, 20 anos”. Ou seja, a perspectiva política da ONU no Haiti é longa.

É bom lembrar que, nos últimos 15 anos, já foram cinco missões de paz. Essa se alongará, pelo menos, até as próximas eleições lá. Até 2011. Não tenho dúvida.

Soldados da ONU e o abuso sexual

A história desse post começa em agosto de 2004, às vésperas do jogo entre a seleção brasileira e o time haitiano no que ficou conhecido como “jogo da paz”. Era minha primeira viagem ao Haiti. Entre minhas pautas estava a checagem da missão diante de seus objetivos (desarmamento, manutenção da segurança, organizar novas eleições etc). E também checar uma denúncia de tropas da ONU teriam abusado sexualmente de uma adolescente no Haiti.

Era uma notícia vaga, que envolveria soldados sul-americanos. Não havia fonte identificada, nem acusado formal da denúncia. Dificilmente conseguiria achar, em sete dias de trabalho, o rastro dessa história. Mas tentei. Fui checar se havia alguma investigação formal na ONU. Disseram que não. Fui checar numa delegacia de polícia. Nem sinal. Tentei contatar uma ONG de direitos da mulher. Disseram que ouviram falar, não tinham informações detalhadas. Não tinha notícia.

Nas posteriores visitas, confirmei que os soldados brasileiros saíam do Haiti e passeavam pela República Dominicana, onde, quem quisesse, podia “aliviar” a distância de casa e das mulheres brasileiras com a prostituição caribena. Soube também que havia uma adolescente de 16 anos, cuja denúncia de abuso sexual foi investigada três vezes pela ONU. Foi arquivada por “falta de provas”. A BBC noticiou o fato. Mas nenhuma notícia foi tão clara, arrebatadora e desmoralizante quando a deste mês de novembro.

Cento e oito capacetes-azuis do Sri Lanka foram repatriados após terem sido investigados por terem “pagado” por sexo no Haiti. O comunicado da ONU sobre o assunto é de uma burocracia diletante. O jornal The New York Times publicou as falas da porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas. Mas ninguém avançou em saber quais são as punições pela ONU e pela legislação do Sri Lanka. Procurar as haitianas envolvidas então, nem pensar.

Ninguém citou, por exemplo, que as leis do Sri Lanka podem condenar os soldados a trabalho forçado como pena máxima. No Brasil, só o jornal Folha de S.Paulo registrou o caso com uma matéria produzida a partir de agências internacionais. O silêncio da imprensa brasileira e sul-americana sobre esse caso é sinal de que ainda pouca gente acompanha a situação do Haiti, a não ser pelo olhar das tropas militares. Reproduzimos assim uma visão elitista no jeito de fazer jornalismo.

Norman Mailer, morto

NYTimes

O escritor Norman Mailer morreu. Aos 84 anos. Li seu obtuário hoje no The New York Times. Muitos escolhem filmes que marcaram suas primeiras impressões sobre a guerra. Há quem escolha Apocalipse Now, Band of Brothers e outros. Minha mais forte impressão de uma situação de guerra é justamente um livro de Mailer, a novela Os nus e os mortos, aqui no Brasil lançada em dois volumes. Li duas vezes. Página por página, em cada descrição detalhada da rotina de um pelotão na Segunda Guerra Mundial, você se sente num campo de batalha. Com seu pragmatismo desumano.

 

MP da TV pública, 131 emendas a discutir (ou não)

Está em tramitação no Congresso Nacional a Medida Provisória 398, que criou a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), unindo o patrimônio, os serviços e os funcionários da antiga Radiobrás e da Acerp. O tema da comunicação pública promete ter discussão acalorada. Ainda mais se tirarmos por base as falas de alguns parlamentares contra a decisão de discutir o assunto via MP, pelos questionamentos da possibilidade de interferência política dos governantes, ou pelo atropelo da discussão da CPMF.

A profundidade desse debate vai depender, claro, do momento político e do interesse dos parlamentares em levá-las à frente. Do total de emendas apresentadas (132), somente uma não foi considerada válida. As demais são propostas de alteração na redação original, acréscimo de artigos ou até de supressão total do conteúdo da MP. É o caso da emenda 01 do senador tucano Álvaro Dias, que considera que a medida provisória não cumpre o requisito constitucional de urgência.

O deputado Flávio Dino (PCdoB/MA) foi quem apresentou o maior número de alterações na MP – 17 emendas -, seguido pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS) com 15. Quando ainda estava em Brasília, passei no Congresso Nacional e tive acesso a um caderno de todas as emendas. A seguir, alguns destaques que fiz a partir da leitura de todas elas durante uma viagem entre Brasília-Rio de Janeiro (ufa!).

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Pelo menos 20 delas apresentam mudanças no formato e composição do Conselho Curador da EBC, orgão de participação social que será responsável pelas diretrizes da entidade. Destaque para a emenda 82, da deputada Maria do Carmo Lara (PT/MG), que prevê a escolha direta da sociedade de sete conselheiros. E da emenda 83, de Flávio Dino, que acrescenta a possibilidade de perda do mandato de conselheiro.

Pelo menos oito emendas tratam exclusivamente da natureza do financiamento e da forma de contratação de serviços da nova empresa. Várias delas, como as emendas 32 e 34, do senador Pedro Simon (PMDB/RS) e do deputado Paulo Renato (PSDB/SP) respectivamente, criticam o artigo que dispensa licitações para contratos entre a EBC e entidades públicas e privadas. Vai ser outro embate forte, porque aí estaria uma importante fonte de recursos da nova empresa na visão do governo.

Vale destacar a briga que também será a tentativa do governo de garantir espaço nas prestadoras de TV a cabo para os canais públicos. Nove emendas tratam do assunto, a maioria pedindo o fim dessa exigência sob o argumento de que as operadoras terão prejuízo. Destaque para a emenda 118, do deputado Cícero Lucena (PSDB/PB), que pede uma “compensação financeira” para as prestadoras de serviço garantirem esse espaço.

Bon Bagay em inglês e Global Voices

Escrevo para registrar que publicamos na semana passada a versão em inglês do web-documentário Bon Bagay Haiti. Na apresentação do especial há um link acima do título para acessar o conteúdo com legendas em inglês. Fizemos isso para tentar ampliar a “audiência” do vídeo fora do Brasil. A tradução foi feita pela repórter Paula Labossière, com revisão minha e do Deak. Depois de ter sido exibido na TV Nacional, o material deve passar na TV Brasil – Canal Integración, em espanhol. Aguardem…

Também vale destacar alguns blogs e sites que linkaram o especial em suas páginas. Destaque para o post do José Murilo no Global Voices, cujo título faz uma citação da música de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ele elenca inúmeras citações de blogs e sites que falam sobre o Haiti. Alguns mais recentes, como é o caso do Consciência.net e outros antigos, como o texto de Eduardo Galeano de 1996. “A história da prepotência contra o Haiti, que nos dias de hoje assume dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental”, disse o escritor uruguaio.

O “Bon Bagay” também voou pela rede. Está no Na Rua, no Webjornalismo, no Blog do Sakamoto, no Sobre Jornalismo, no Videoidéias, no Blog do Gjol, no Fractura.net, na Anacarmen.com, no Corpo 12, no Bem Paraná, no Haitiwebs.com, no Tock’s do Ock-Tock, no NovasM, NMídias, no Blog do Octavio Islas, no Blog do Lenoir, no JBOnline, no Nominuto.com, no Jornal da Mídia, no A Gazeta Online, no Paraíba Online, no TPA Internet, no Primeira Edição, no Portal JFMG, na Revista Fórum, Jornalistas & Cia, no Afromix.org, no Universo Tropical, LabWeb, Agência Subverta, entre outros. Além dos cerca de 500 views no You Tube até a noite de hoje. Avoa, passarim!