Renovação da missão da ONU no Haiti

Aqui, abaixo, texto do site Opera Mundi sobre a renovação da missão das Nações Unidas no Haiti. A autora é a Kivia Costa, que conversou comigo por telefone.haiti cerimônia

A Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), renovada no mês passado até o final de 2010, deve permanecer no país caribenho por mais um ano depois disso, segundo o oficial de comunicação social do exército brasileiro, coronel Gerson Pinheiro Gomes.

Para o porta-voz, a missão de controlar militarmente o Haiti vem sendo passada para a polícia local, mas a segurança dificilmente será mantida a curto prazo sem a ajuda da Minustah. “No interior até conseguiríamos [fazer a transição], mas na capital a situação é mais complicada”, explicou em recente entrevista coletiva em São Paulo.

Na avaliação do jornalista Aloísio Milani, que escreve um livro-reportagem sobre a presença de tropas estrangeiras no Haiti, a permanência da missão brasileira já era esperada. “Quando o Brasil entrou na missão, em julho em 2004, ele já tinha uma perspectiva de longo prazo”.

Para ele, a renovação feita pelas Nações Unidas foi uma mera formalidade, pois não a condicionou a um plano de saída do país. Conforme explica Milani, “a ONU tem grande medo de fracassar no Haiti, como aconteceu nas últimas quatro vezes, mas, ao mesmo tempo, não dá as condições para o país se desenvolver sozinho”.

No entender do jornalista, grandes alterações só devem acontecer a partir de 2011, quando haverá eleição presidencial no Haiti, a segunda desde a criação da Minustah. “Vários membros do governo brasileiro e de outros países já deram declarações dizendo que o formato da Minustah deve continuar até 2011.”

O coronel Pinheiro confirma que a configuração das tropas brasileiras deve ser mantida até aquele ano. Segundo ele, a infantaria deve encolher e o contingente de engenheiros militares e pessoal de apoio deve aumentar, mas o novo presidente dirá se quer ou não manter as tropas estrangeiras.

Segundo Pinheiro, hoje, só a polícia haitiana pode fazer prisões. Ela também seria responsável por controlar as manifestações populares. “A TV haitiana não coloca no ar nada com tropas estrangeiras. Hoje, o importante é mostrar que a policia local paulatinamente dá conta da situação.”

Jogo político

O coronel não esconde que o Brasil tem interesses diplomáticos com a ação no Haiti, como conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança na ONU. Segundo ele, o Brasil “não está no Haiti por uma estratégia militar, mas por uma estratégia de governo. Essa é uma decisão política”.

De acordo com o coronel, haveria um entendimento por parte da ONU de que a presença brasileira no Haiti atrapalharia a participação de outros países da América do Sul. “É a primeira vez que tem uma missão com forte presença de países do sul e poucos países desenvolvidos”, ele destacou.

Os maiores contingentes militares no Haiti vêm de países em desenvolvimento. O Brasil é a nação que mais soldados enviou (1.282), seguido pelo Uruguai (1.135) e pelo Nepal (1.075). Países europeus e norte-americanos têm um contingente ínfimo na Minustah. “A prioridade dos Estados Unidos e do Canadá é hoje o Afeganistão”, comentou o coronel Pinheiro.

O que disse Kai Michael Kenkel

Na retomada que faço de publicação de posts, escrevo aqui algumas considerações do professor assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Kai Michael Kenkel, que tem refletido sobre a presença do Brasil na missão das Nações Unidas no Haiti. Pelo currículo lates dele, dá para perceber que ele já escreveu artigos sobre o assunto, orientou teses de graduação e orienta teses de pós-graduação. Deixo aqui algumas coisas que li dele:

Em contraste com o Canadá, o envolvimento do Brasil na manutenção da paz está em consonância com seus objetivos geopolíticos ao invés de um sentimento de obrigação moral. As tropas brasileiras têm realizado a sua missão com profissionalismo e sucesso, uma integração sem precedentes nas metas da política externa com aplicação militar. (…) Embora não totalmente desprovido de um componente moral, as motivações do Brasil não se enquadram na mesma categoria de altruísmo explícito que, tradicionalmente, constitui a singularidade da política externa canadense.

Como sou estrangeiro, acho que não me cabe fazer certas avaliações dos fatores que motivam a política externa brasileira. Fala-se muito que um dos objetivos era ganhar pontos para a campanha por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Outro seria o Brasil ganhar um perfil de líder na América Latina. Acho que esse esforço de começar a aprender a trabalhar bem com os outros está indo bem. Mas, para o objetivo do Conselho de Segurança, a participação em missões de paz não é a melhor maneira de ganhar espaço. Quem contribui com tropas senta à mesa de negociações com mais seriedade quando se discute a missão em questão. Mas só isso. Não é um modo particularmente eficiente de ganhar um perfil para integrar o Conselho de Segurança. Por exemplo, 45% das tropas em missões da ONU hoje são do subcontinente indiano: Bangladesh, Paquistão, Índia e Nepal. Exceto a Índia, esses países não têm perfil para integrar o Conselho de Segurança.

Acho que já chegou o momento de pensar em uma estratégia de retirada para os brasileiros. A ideia de toda operação de paz é ser pontual, limitada no tempo, pelo menos uma operação baseada no Capítulo VII. A ONU, em relatório recente, estabeleceu o que chamou de critérios anuais a serem cumpridos em cada setor da missão. E o planejamento deles acaba em 2011. Para o Brasil, chegou o momento de pensar em uma estratégia de saída. Sobretudo porque no Haiti já há uma muito forte presença da ONU fora da Minustah. Além disso, para a missão deixar um marco positivo, a transição para uma equipe de haitianos tem de ser preparada já.

Nobel de Obama! Vitória dos negros?

Barack Obama

A concessão do Prêmio Nobel para o presidente norte-americano Barack Obama mostra que há algo errado nessa pós-nova ordem mundial. Se o fato de derrotar um republicano nos Estados Unidos, vira motivo para a concessão do símbolo da paz mundial, precisamos nos preocupar. Quando Obama venceu as eleições – fica aqui o registro – negros do mundo inteiro, inclusive no Haiti, comemoraram um momento único: a possibilidade de o império ver os excluídos da globalização de um novo jeito. Se Obama, tivesse usado uma pequena porcentagem de seus bilhões de dólares para a pobreza (como no cancelamento de dívidas dos países pobres) ao invés de abastecer os dutos contra a crise e a manutenção da máquina militar no Iraque e Afeganistão, talvez aí merecessem algo. Os negros ainda têm pouco a comemorar… Ah, em tempo, talvez a grande reportagem não feita sobre o Nobel da Paz seja os relatos dos bastidores dessa decisão…

Update 19 de outubro: belo texto da Naomi Klein sobre a influência negativa de Obama. “…emerge adotando o padrão claro: nas áreas em que outros países ricos estavam oscilando entre a ação baseada em princípios e a negligência, as ações dos Estados Unidos as fizeram inclinar-se para a negligência. Se esta é a nova era de multilateralismo, não é nada digno de premiação”.

A vida na nuvem…. de tags

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o amigo rodrigo savazoni indicou o wordle e eu achei muito bom para brincar de coisa séria. uma boa metáfora da vida recentemente, uma nuvem… de tags. coloquei lá um trecho do haitiano Dany Laferrière. e  virou isso aí: um concretismo haitiano, forjado e remixado na net.  escrevo hoje para contar que há tempos não escrevia por aqui. o final de 2008 e toda esta década dos primeiros meses de 2009 foram tempos de muitas mudanças. no mundo, obama foi eleito e tomou posse.  o haiti comemorou. contudo, pouco mudou para aqueles negros de lá.  a crise se aprofundou imensamente. e isso muito mudou para eles. bilhões de dólares foram gastos pelo mundo contra a quebra de empresas e das bolsas. se uma pequena parte tivesse sido usada para os pobres haitianos, a discussão em julho agora seria outra. mas o mundo não gira assim. nem a onu. ah… colaborei com a revista on-line terra magazine neste primeiro semestre de 2009. muita gente deu pitacos e petelecos bons por lá.  dei os meus também.  mas no segundo semestre os vôos serão outros. vou falando, vou falando…

Columbia analisa missão no Haiti

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A Columbia’s School of International and Public Affairs selecionou sete alunos para realizar estudos de campo no Haiti. O grupo vai se preparar até o final do ano e fará a viagem em janeiro de 2009. Os custos serão financiados pela universidades e pela ONU. O planejamento inclui entrevistas com autoridades da ONU, com o governo haitiano, com ONGs e com a população. Os resultados serão apresentados numa conferência no próximo semestre. O blog Morningside Post, um fórum estudantil da escola, divulgará áudios e vídeos da experiência.

Missão da ONU no Haiti é renovada até fim de 2009

A bola estava cantada. O Conselho de Segurança das Nações Unidas renovou a permanência da força de paz no Haiti por mais um ano, incluindo planos de ação pelo menos até a posse do novo presidente em 2011. Ou seja, a decisão foi tornada oficial hoje, mas, na prática, é uma formalidade das rotinas burocráticas da diplomacia. O que interessa é que a nova resolução não traz nenhuma mudança formal na configuração dos trabalhos. Mais de um ano e meio depois de relativa tranquilidade no país, passada a etapa das ações militares em Cité Soleil, o número de soldados permanece o mesmo sob o argumento que de a segurança ainda é frágil. Nada indica que o modelo de missão de paz da ONU vá apresentar resultados mais concretos para os verdadeiros problemas do povo haitiano – pobreza, falta de saúde, educação e emprego.

A resolução apresentada hoje mantém o Haiti como região de conflito, mantendo as regras de engajamento militar, com a observação de que a segurança é necessária em situações como os protestos da população em abril diante da inflação dos alimentos. Além, claro, após a devastação brutal causada pelos quatro furacões recentes (Hanna, Gustav, Ike e Fay), que, segundo o diplomata Luiz Carlos da Costa, assessor do secretário-geral da ONU no Haiti, atrasará em cerca de um ano a “estabilização” do Haiti. “A resolução reconhece a necessidade de uma conferência de doadores de alto nível para apoiar a estratégia nacional de crescimento e redução da pobreza no Haiti. Nesse sentido, pede ao governo haitiano e à comunidade internacional de doadores a implementar um sistema eficiente de coordenação de ajuda”, diz a ONU.

Esse anseio por mudança está há tempos na cabeça de entidades civis haitianas (leia matéria de 2005), na dos próprios militares (leia general Heleno em 2004) e dos diplomatas – recentemente o embaixador Igor Kipman falou sobre disso. “Eu continuo defendendo que o Brasil, nesse próximo contingente [que será o décimo] ou no outro, mande menos combatentes e mais uma companhia de saúde, mais pessoal de educação”, indicou na Agência Brasil. Depois, ao jornal O Estado de S.Paulo, foi mais explícito. Ao falar sobre a prorrogação sob os mesmo “moldes”, o diplomata disse que vai atuar por mudanças no composição das tropas e na manutenção do Capítulo 7 da Carta da ONU, que autoriza o uso da força. “Não precisamos de combatentes para ensinar criança a escovar os dentes. Temos 900 combatentes fazendo ações cívico-sociais, como distribuição de alimentos e construção de latrinas.”

Nesta última reportagem, inclusive, feita pelo jornalista João Paulo Charleaux, há uma ótima análise sobre o fracasso do braço civil da Minustah, a área da missão responsável pela atuação policial, por novos projetos humanitários e pela articulação de trabalhos das agências da ONU. Entre os argumentos do texto, está um dado que consta no balanço do último ano da missão. Elaborado pelo chefe da Minustah, Hedi Annabi, o relatório cita que a produção nacional de alimentos e ajuda humanitária que recebe não cobrem a metade das necessidades da população. “O Haití importa 52% do restante de seus alimentos (o que inclui mais de 80% do seu arroz) e todo o seu combustível”, registra. Ou seja, sem mexer na estrutura econômica do país qualquer ação militar será um processo “enxuga-gelo”.

Biógrafo e biografado retratam Cuba

Continuo aqui a recuperar alguns textos que fiz em algum momento do passado. Aqui vale registrar uma entrevista com o poeta, artista e agitador cultural Félix Contreras, o cubano que veio ao Brasil em 2003 para lançar a tradução em português de seu livro “Eu conheci Benny Moré” – biografia do gênio da música cubana, um multi-instrumentista e cantor que viveu o auge das melodias latinas. O livro era o gancho para se discutir a cultura de um país que sabia a dor e o prazer de ser revolucionário e autoritário. O texto foi publicado na editoria de Cultura do site Ciranda Brasil, saudosa e sensacional experiência que contou com a participação dos amigos Rodrigo Savazoni, Leonardo Sakamoto, Daniel Merli, Antonio Martins, Rafael Evangelista e Antonio Biondi. Segue sem mais delongas…

Benny Moré, o gênio da música cubana
O escritor e poeta Felix Contreras lança no Brasil a biografia do cantor

Os cantores cubanos mais populares no Brasil são com certeza Compay Segundo, Ibrahim Ferrer e a turma mostrada em Buena Vista Social Club, de Win Wenders. Porém, chega ao Brasil pela editora Hedra, a biografia de um dos maiores cantores da história de Cuba: Benny Moré. Um fenômeno. E, mesmo que a metáfora brasileira seja forçada, muitos o comparam a uma mistura de Orlando Silva e Pixinguinha.

O escritor, poeta e pesquisador de música cubana Félix Contreras está no Brasil para o lançamento da tradução de Yo conocí a Benny Moré (Eu conheci Benny Moré). O livro é uma coletânea de artigos e depoimentos que mostram como a vida do guajiro de Santa Isabel de las Lajas transformou-se no gênio musical. A tradução foi feita por Lucio Lisboa, José Luiz de la Hoz e Alexandre Barbosa.

Ex-guerrilheiro e amante da Revolução, Contreras concedeu entrevista exclusiva à Ciranda Brasil. Como escreveu em La música cubana – una cuestión personal, o pesquisador reafirmou que sua obra conta a história da música a partir de seus protagonistas. Falou da influência do jazz e sua particular discussão com o crítico musical José Ramos Tinhorão.

Extremamente humilde, Contreras revelou que somente com o dinheiro da edição brasileira é que poderá comprar um computador para escrever. Fumante exagerado de charutos, o escritor nos deu também sua opinião sobre o atual momento cubano. Tempos em que o presidente George W. Bush discursa contra Fidel, dizendo que “não há mais espaço para ditaduras nas Américas”.

O senhor descreveu Benny como o expoente máximo da música popular cubana. Quais os elementos que o diferenciam? Como surgiu esse grande nome?
Em primeiro lugar, é um homem privilegiado pela natureza, tinha o dom para música. Se tivesse ficado apenas em seu povoado, sua história poderia ter sido outra. Mas, Benny tinha intuição também. E a intuição aguda é própria das pessoas especiais, dos eleitos da natureza. Benny tentou se estabelecer na capital Havana, sabendo que teria dom para o canto. O início do sucesso de Benny começa na emissora de rádio Mil Diez. Acredito, pelas minhas pesquisas, que não havia em 1941, nenhuma rádio parecida em toda América Latina. A Mil Diez transmitia a melhor música do mundo, não somente a de Cuba. Eram convidados os melhores músicos eruditos e populares. Privilegiou a música de um modo extraordinário. E Benny Moré era rato da Mil Diez, acompanhava dia e noite os ensaios e a programação da rádio, embora ainda morasse na rua. Até que Mozo Borgellá, grande músico e responsável pela revelaçãode Benny, convidou-o para um dueto. Começa o mito Benny Moré.

É nesse momento que ele faz sucesso no México?
Miguel Matamoros, criador do trio mais importante de Cuba (Trio Matamoros), precisava de um cantor para uma excursão ao México. Ouviu dizer que exisitia “um grande cantante” em Havana e foi ouvi-lo. Benny exibiu-se maravilhosamente. “Ele é melhor que eu”, exclamava Matamoros. Foram para o México, onde adotou seu nome artístico “Benny”, já que Bartolo, como era chamado em Cuba, significava “burro” nas gírias. México proporcionou o desenvolvimento musical de Benny. E por lá fez grande sucesso.

Cuba sofreu claramente a influência do jazz. Aqui, o crítico José Ramos Tinhorão rejeita essa mistura na música popular brasileira. O senhor concorda com esse purismo?
O jazz chegou na música cubana na década de 20, bem antes que surgisse a bossa-nova aqui. A entrada do jazz está ligada a burguesia compretida com o capital financeiro norte-americano. Isso foi bom para a música cubana. Para mim, assimilar novas culturas não é traumático nunca. A cultura que só vê a si mesma é pobre, um paradigma muito estreito da cultura. Eu conheço o Tinhorão e somos amigos. Ele foi até Cuba um ano atrás, mas brigamos feio, porque é muito dogmático. Uma pena porque é um pesquisador muito bom. Mas não dá para negar o valor da bossa-nova, dizer que é somente o fruto do imperialismo.

Há propostas brasileiras para novas traduções?
Agora, penso na biogradia do Bola di Nieve como um segundo lançamento. É uma figura mais conhecida aqui. Está na moda. Até um documentário sobre ele foi exibido no festival É tudo verdade. Bola di Nieve gravou músicas brasileiras. “O quindim de Yayá”, de Ary Barroso, por exemplo.

Qual sua visão do regime cubano hoje?
Aguardo sempre essa pergunta. Comentei com você, que só com o dinheiro da edição brasileira de Eu conheci Benny Moré é que comprarei um computador. Não temos dólares em Cuba. Nossa moeda não tem resposta comercial nenhuma. Nós vivemos heroicamente. Mas, de qualquer maneira, a minha opinião não coincide com a da maioria. Sou um caso especial. Meu compromisso com o regime cubano tem um elemento singular.

Eu vivia numa favela antes da Revolução. Tinha 20 anos. Sem pai e mãe. Minha mãe me abandonou. Era analfabeto. Minha família materna era muito ignorante, muito explorada e muito maltratada por um capitalismo cubano que era totalmente dependente dos Estados Unidos. Quando se diz que Cuba era uma colônia dos Estados Unidos, não é um exagero. Tenho um compromisso esse regime. Nem gosto de falar “esse governo”. Gosto de dizer “meu governo”.

O senhor foi guerrilheiro?
Sim. Sou um garoto que estava a vinte anos esperando e sonhando ir à escola, ter roupa, ter sapato, trabalhar minha inteligência. E um dia, para minha surpresa, veio um governo e me deu roupas, sonhos e uma bolsa para estudar na melhor escola de Havana. Então isso me dá uma outra visão da Revolução. Eu participei da guerrilha, porém não recebi nenhum privilégio por ter sido guerrilheiro. Nada. De qualquer modo, sou um homem muito beneficiado por esse governo. Não sou socialista pelos livros. Não conheço a Revolução Cubana por uma aula, por uma história. Sou socialista porque vivi os benefícios da Revolução.

Para mim, não há capitalismo que convença a substituição do socialismo em Cuba. Apesar de que precisamos adotar muitas posições complicadas (um pouco de economia americana, um turismo que não gostamos, que banalizou muitos artistas), mas meu passado e o meu governo não vou negar. Estamos em um momento difícil, a posição da dissidência política interna chegou a um ponto complicado. Os fuzilamentos foram um golpe muito grande para mim, um ato extremo, tomado num contexto político internacional, que está muito mais difícil. Mas, foi como a política, um mal necessário.

Ação no Haiti inocula parte do plano de defesa do Brasil

Está para sair do forno o Plano Nacional de Defesa, formulado em conjunto entre Ministério da Defesa, Secretaria de Assuntos Estratégicos e Forças Armadas. Nos bastidores, o presidente Lula já aprovou as propostas do plano, mas ainda precisa passar pelo Conselho de Defesa Nacional, o que deve acontecer ainda neste mês de outubro. Três eixos do plano merecem destaque: a reestruturação das Forças Armadas, a reorganização do Serviço Militar Obrigatório e o reequipamento da indústria bélica brasileira.

Dentro desse documento de ações programáticas aparecerá a proposta de mudança da legislação que permite a ação das Forças Armadas em situações de segurança pública, conhecidas como ações de garantia de lei e ordem (GLO). Um sonho antigo dos militares para esclarecer a situação jurídica. Esse anseio já foi apresentado diversas vezes pelo ministro Nelson Jobim na comparação com a ação no Haiti e aqui neste blog na série “Haiti e Rio de Janeiro, campos militares brasileiros“. A proposta terá que tramitar no Congresso.

O foco das mudanças para a ação GLO está no artigo 144º, da Constituição Federal e seus dispositivos infraconstitucionais, como a Lei Complementar 97. O tema ganhou mais força depois que o episódio desastroso do Exército no Morro da Providência evidenciou esses limites jurídicos e a fragilidade do sistema diante do uso político de seu emprego. Na caserna, os documentos de planejamento já mostravam a confusão há anos. A vontade dos militares também é usar o treinamento humano adquirido no Haiti para o uso interno.

Há outros dois pontos do plano que também tangenciam a nossa atuação no Caribe. O Brasil ainda precisa mudar sua legislação para permitir o envio de tropas militares para operações de paz regidas sob o capítulo 7 da Carta das Nações Unidas, como é a do caso haitiano. Hoje, nossas leis apenas permitem o uso militar para a própria defesa. E o plano também escolhe a França, aliada na intervenção no Haiti, como principal parceiro no plano militar para as próximas décadas para compra de equipamentos.

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Militares do Exército que serviram na força de paz da ONU no Haiti, durante desfile de Sete de Setembro de 2007, em Brasília (Fábio Pozzebom Rodrigues/ABr)

Protestos contra as tropas no Haiti

A última rodada crítica de instabilidade política no Haiti vai completar cinco anos no começo de 2009. Em fevereiro de 2004, pouco depois do país cravar 200 anos de independência da França, o mundo assistiu mais um presidente eleito cair por um golpe de Estado, pressionado por países estrangeiros e assistir a nova entrada de tropas militares em seu território. Desde então, há demonstrações políticas de apoio às ações internacionais por lá (que a maioria dos jornais sul-americanos repercute), mas também uma série de protestos e questionamentos (uma minoria ocupada nas páginas dos noticiários).

É possível diferenciar a etimologia política das declarações de oposição contra as tropas militares no Haiti em duas etapas. O primeiro momento é derivado da ação franco-americana que instaurou o governo provisório. Principalmente por discordarem da polêmica saída de Aristide, que era cogitada nos bastidores da diplomacia francesa e norte-americana desde o início da marcha do grupo armado de Guy Phillipe, opositor explícito do governo do partido Lavalas. O resumo do primeiro argumento seria então o da não-intervenção na política interna de um país, sendo ele governado por qualquer um.

O segundo movimento está mais identificado com a chegada das tropas das Nações Unidas, aí lideradas pelas Forças Armadas do Brasil. A oposição se colocava mais sobre o perfil da ação da ONU, de que poderia ser, desde o começo, prioritariamente ligada à ajuda humanitária, aos programas sociais, à melhoria da precária economia haitiana. Esse movimento se concretizou afirmativamente no relatório final da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade ao Povo Haitiano, que contou com a participação do nobel da paz argentino Adolfo Perez Esquivel.

A partir daí, esses olhares se moldaram aos argumentos e fatos que surgiram nesses quatro anos e meio: os diversos relatos de violência da Polícia Nacional do Haiti, os casos de inabilidade das tropas jordanianas, as denúncias de abusos sexuais pela tropa do Sri Lanka, a inabilidade para um desarmamento em larga escala da população, os passos pachorrentos da burocracia da ONU para implementar projetos civis e a demora da convocação de novas eleições. Tudo isso foi jogado no ventilador por quem questionava a ação militar em um país empobrecido política e economicamente.

Aqui, no Brasil, quero registrar dois movimentos de oposição à presença de tropas militares no Haiti. Um primeiro que teve ações concentradas na Conlutas, a partir da articulação de integrantes do PSTU e do P-Sol. Eles organizaram uma missão de movimentos sociais e criticam a presença brasileira como reprodutora da violência contra da soberania haitiana. Também trouxeram para cá integrantes da organização sindical Batay Ouvriye para dar visibilidade ao protesto.

Outro movimento foi a ação da corrente O Trabalho, do PT – o próprio partido do presidente Lula -, que trouxe o advogado haitiano David Josue para denunciar assassinatos que teriam acontecido em ações da ONU. Como munição de suas críticas trouxe o vídeo “What’s going on in Haiti?” (parte 1 e parte 2), do jornalista Kevin Pina, que traz duras críticas ao trabalho das tropas militares lideradas pelo Brasil. O material chegou na Comissão de Relações Exteriores do Senado e gerou até uma missão para averiguar as denúncias.

Em território haitiano, a missão chefiada pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI) conversou com o chefe da MInustah, o Hédi Annabi. Reproduzo aqui um trecho de um texto da Agência Senado sobre esse encontro. “Hédi Annabi informou já ter visto o filme, mas que se trata de uma montagem. ‘A ONG que divulgou esse filme não tem credibilidade nem aqui nem no exterior. Asseguro que se a tropa da ONU tivesse matado civis haveria um escândalo internacional’, garantiu.”

“Após ouvir o secretário, Heráclito concluiu que o filme mostrado na comissão é “propaganda enganosa”. O presidente da CRE perguntou ainda ao presidente do Senado haitiano, Kely Bastien, se conhecia a denúncia. Bastien também desacreditou a denúncia. ‘Há pessoas que são hostis à estabilidade, que lucram com a instabilidade, e querem que as forças de paz deixem o país’, disse Bastien.”

Ah… tanto a articulação da Conlutas quanto a do PT protocolaram na Presidência da República do Brasil cartas de denúncia com pedidos públicos de explicação do presidente Lula. Mas nunca houve um pronunciamento oficial sobre elas. A desclassificação dos interlocutores foi a estratégia. Coisas do discurso político. O que só distancia o público do debate aprofundado sobre a realidade do Haiti.

Haiti e a roleta da crise financeira

Sinceramente, não tenho idéia qual é o tamanho do mercado de ações no Haiti. Nem tenho a mínima idéia do tamanho do impacto da tensão nas bolsas dos últimos dias nos leilões das ações das empresas de capital aberto por lá. O que quero aqui é lançar um desafio sobre como o mundo especulativo do mercado financeiro é contraditório com a vida de populações pobres. Alguém aí tem a medida ou a noção de quanto significa US$ 700 bilhões do pacote anticrise de Bush?

A quantia é quase o total de toda a produção de riquezas do Brasil durante seis meses. Isso para aliviar a gestão de empresas que venderam crédito a torto e a direito, e que, logicamente, fizeram a economia dos Estados Unidos como refém neste momento. Porque a falências das empresas levará junto a superpotência, não tenham dúvida. Mas a comparação que merece ser feita é entre o pacote anticrise dos Estados Unidos e a dívida externa haitiana.

O Haiti, um país pobre cujo endividamento começou de maneira moralmente indefensável pela ex-metrópole França, que queria indenização pelos escravos perdidos na independência. A dívida externa é de US$ 1,6 bilhões, pouco diante do pacote de Bush mas que impõe um ajuste fiscal brutal sobre o já baixo orçamento público comprometido com o pagamento de juros, que não param de crescer.

A Papda lançou novo apelo contra essa contradição após a devastação dos furacões – tragédia humanamente pior do que a das bolsas. Só com o pagamento dos serviçõs da dívida, estimados entre US$ 60 ou US$ 80 milhões anuais, daria para aliviar a situação das vítimas e ajudar na reconstrução do país. O governo haitiano mantém o pagamento dos juros e libera proporcionamente seis vezes menos dinheiro para a reconstrução do país.

Quem tem medo de uma moratória? E por que os credores não perdoam as dívidas como forma de ajudar a economia haitiana? O que vale mais agora: ajuda vidas ou manter os juros? Sobre isso há um imenso silêncio dos governos…

Ajuda internacional e o destino do dinheiro

Enquanto tenta ajudar desabrigados e contar seus mortos por quatro tempestades tropicais, o Haiti também discute sobre o destino do que ajuda para prevenir novas tragédias. Na temporada de furacões, um novo temporal pode chegar a qualquer momento. Então, além de discutir a ajuda humanitária com medicamentos, comida e água, o país precisa começar a pensar como usar possíveis doações internacionais que estão prometidas dos Estados Unidos, Espanha, Brasil e outros países.

Um exemplo… a cidade mais atingida pelos furacões, Gonaives está localizada no norte do país numa área costeira que tem até um nível pouco abaixo do mar. Nas encostas das montanhas que circundam a cidade, quase toda a vegetação foi desmatada para a produção de lenha. A água barrenta então desce e se liga ao mar. Ajudar a resolver a vulnerabilidade do Haiti a furacões é planejar também investimentos por reflorestamento, diques e saneamento básico.

No HaitiAnalysis.com, um editorial escrito por Wadner Pierre que cobra o destino do dinheiro internacional que chegou ao governo provisório após a passagem do furacão Jeanne, em 2004, quando mais de 3 mil pessoas morreram só em Goinaives. A seguir um trecho:

O furacão Jeanne devastou o Haiti em 2004 oito meses após o golpe que derrubou Jean-Bertrand Aristide. Gerard Latortue [o primeiro ministro do governo provisório], o cabeça da ditadura da ONU e natural de Gonaives, recebeu dinheiro de todo o mundo para ajudar a reconstruir a cidade. Infelizmente, as vítimas receberam poucos benefícios deste dinheiro. Gonaives situa-se abaixo do nível do mar, mas diques nunca foram construídos; muitas estradas ainda sequer foram reparadas. Os poucos resultados obtidos com dinheiro da ajuda internacional só traz a convicção de que, em Gonaives, os amigos de Latortue e ONG’s corruptas simplesmente embolsaram o dinheiro. (…)

O presidente René Préval, um nativo do estado de Artibonite [onde Gonaives é a capital], apelou à comunidade internacional para ajudar. The uproar over his latest nomination for Prime Minister has ended. O tumulto sobre sua última indicação para primeiro-ministro terminou. O Senado aprovou Michele Duvivier Pierre-Louis como primeiro-ministra. Auxílio dinheiro vai chegar. A questão é que irá se beneficiar com ele. O povo de Gonaives está compreensivelmente pessimista após a experiência com o furacão Jeanne.

O que disse Michèle Pierre-Louis

Aproveitei a confirmação da nova primeira-ministra haitiana, Michèle Pierre-Louis, para destacar algumas frases suas – faz parte da série que publico frequentemente aqui com intelectuais, diplomatas, lideranças e políticos. Para aguardar sua posse teve até que agüentar desencontros e boicotes, como descreveu essa reportagem do Miami Herald. A economista era diretora-executiva da ONG Fondation Konesans ak Libète (Fokal), que trabalha com projetos sócio-educativos. Seu financiamento parte de entidades da União Européia e também do “ex-megaespeculador” George Soros.

Ela é professora de “Ciências da Cultura do Caribe” e “Grandes Civilizações”, na Universidade Quisqueya, em Porto Príncipe. Nasceu em Jérémie (sudoeste do Haiti) em outubro de 1947. Nos anos 1980, foi uma das líderes da campanha da Missão Alpha de alfabetização da Igreja Católica no Haiti. A nova primiera-ministra, assim como René Préval, também fez parte do primeiro governo de Jean Bertrand Aristide. Em 1991, ela foi pertencia ao gabinete do líder do Lavalas.

Michèle dividirá com outras mulheres o primeiro staff do governo do presidente René Préval. Como Marie Laurence Jocelyn Lassegue, no ministério da Condição Feminina; Gabrielle Prévilon Beaudin, na pasta dos Assuntos Sociais, e Marie Josée Garnier, chefe do ministério do Comércio. Pierre-Louis também colaborou na revista “Chemins Critiques” e, como escritora, ganhou um prêmio por um romance em 2001. Essa biografia chegou via EFE e AlterPress.

Vejam alguns pensamentos dela citados em seu discurso de governo, lido em francês e creoule aos deputados e senadores. Aqui, numa tradução livre minha:

Hoje, nosso país passa por um momento difícil. As grandes decisões impostas à nação nem sempre repetem os mesmos problemas. É preciso coragem individual e espírito coletivo para escrever um novo capítulo e refletir sobre um novo curso após a crise que vive o Haiti, sua história, sua cultura, o seu futuro, o seu povo; e ser um coletivo que nos una para o centro das preocupações do Estado e da sociedade. E, agora, mais de quatro meses que manifestantes ganharam as ruas de Cayes, Port-au-Prince, Gonaives e outras cidades para protestar contra o aumento do custo de vida e para manifestar a sua preocupação face a esta situação geral país. Há alguns meses atrás, elevou-se a angústia do país diante à subida dos preços de produtos básicos: arroz, milho, ervilha, farinha, bananas, inhames, batatas etc., que a maioria dos haitianos come todos os dias e estava cada vez mais difícil de adquirir. Apesar dos esforços desenvolvidos no governo anterior, a população ainda aguarda as ações que podem mudar as suas condições de vida, criar empregos e incluir todos os cidadãos, todos os cidadãos na vida nacional.

E, quando aceitei a escolha do presidente, eu disse a mim mesma que gostaria de me envolver em uma primeira batalha de valores: solidariedade, honestidade, responsabilidade, superação, respeito, todos estes valores combinados com uma idéia de país, uma idéia de que este país também tem sofrido em sua história, e ainda sofre muito. Eu pensava que era a hora de pôr de lado preconceitos e práticas guardadas em nós mesmos. Esta é a batalha de valores, na qual o povo do Haiti também se dedica, que está na base da luta contra a negação do acesso, contra a corrupção, contra as manobras políticas, a luta pela educação, saúde, trabalho, justiça para todos, a luta pelas crianças e jovens deste país. Para que eu possa executar plenamente a luta contra o que eu acabei de referir, acredito que eu não tenha acabado de superar obstáculos. As negociações não são fáceis. Concordo em fazer compromissos necessários nesta situação difícil. Também faz parte da política. Mas, hoje, a coisa importante para mim é colocar-me a trabalhar desde que obtenha o voto de confiança de ambas as Casas (Senado e Câmara), contando com um governante solidário, empenhado, disposto a trabalhar com o Parlamento e com todos os parceiros: sindicatos, associações e grupos populares, os agentes locais, o sector empresarial privado, os partidos políticos e a comunidade internacional.

AGRICULTURA
“A agricultura é um importante vetor de crescimento e de combate à crise de alimentos que vimos em abril de 2008.Mas vamos começar com uma observação: a agricultura contribui com 25% do Produto Interno Bruto haitiano, enquanto que fornece 50% dos postos de trabalho em geral, e 80% postos de trabalho nas zonas rurais. Isto significa que o nível de produtividade é muito baixo e a área também é pouco competitiva. Ao mesmo tempo, uma população rural jovem, que espera empregos e oportunidades em nichos de mercado para além da agricultura. Isto significa também que não há necessariamente correspondência entre as oportunidades e aspirações. Por isso, temos de fazer a nossa agricultura mais atraente, mais eficiente e mais competitiva.”

EDUCAÇÃO
“Para falar de educação, optei por começar com as crianças. Com efeito, qualquer mudança começa na primeira etapa das crianças. Educar uma criança é programar uma futura geração, é com a criança que se inicia a mudança de uma sociedade. (…) Em nosso plano de combate à pobreza (DSNCRP), o capítulo sobre educação é o mais rico em estatísticas e indicadores quantitativos. Mas, acima de tudo, os interesses maiores nesta área são o da qualidade. E aqui também há uma profunda desigualdade na distribuição de qualidade da educação e a oferta escolar. As conseqüências desta situação são também sentidas no desempenho acadêmico. Os êxitos são diferenciados por fatores como moradia e padrão de vida. E, depois, o pobre sente uma diferença significativa na comparação com aquele que pode pagar.”

SAÚDE
“O setor da saúde é o segundo eixo do plano dedicado ao desenvolvimento humano. Abordando a questão da saúde estamos falando sobre a importância da vida. Se for verdade que é importante realizar reformas sérias na área da saúde, que os governos anteriores comprometeram-se em diferentes graus, é igualmente importante também a trabalhar para a melhoria do acesso aos serviços sociais básicos: o acesso à água potável, principalmente, que tem um impacto positivo e mensurável sobre a saúde da população. No setor da saúde, os principais indicadores utilizados são: a redução da mortalidade infantil (atualmente 57 por mil), a redução da mortalidade materna (630 a cada 100 mil) e à luta contra as grandes pandemias (HIV, malária, tuberculose), sem esquecer a luta contra o câncer de mama e colo de útero. Para avançar nestes objetivos, a ênfase será colocada na melhoria dos serviços, na intensificação dos programas de prevenção concentrados na água e no saneamento básico, em conjunto com outros órgãos interessados (prefeituras, estados, ministérios e outros).”

Enfim nomeada a nova premier haitiana

O vácuo de um executivo no cargo de primeiro-ministro no Haiti vinha desde abril, quando o Congresso havia dado um voto de censura contra Jacques Edouar Alexis, acusando-o de não saber lidar com a crise dos alimentos. Desde então, René Préval indicou outros dois nomes, Eric Pierre e Robert Manuel, também rejeitados. A terceira indicação, a da economista Michele Pierre Louis, encarou um périplo na Câmara e no Senado para ser aprovada. O nome foi ratificado finalmente na madrugada de hoje (5).

O nome foi aprovado por 16 votos favoráveis e uma abstenção. O número exato de votos necessários. Numa prévia da votação, os senadores lhe dariam 15 votos e duas abstenções. Mas uma articulação política mudou um voto e conseguiu aprovar unanimidade necessária para o nome da economista. Sua indicação foi turbulenta. Até acusações e preconceitos contra sua sexualidade foram colocados em público. Ela discursou durante uma hora nesta madrugada para falar sobre seu programa de governo.

A oficialização de Pierre-Louis também acontece após a passagem de dois fortes furacões pelo Haiti, que, juntos, mataram pelo menos 150 pessoas e afundaram novamente a cidade de Gonaïves, uma das principais do interior.

A fragmentação política do Haiti

No final de julho, o Congresso aprovou o nome da nova primeira-ministra do Haiti, Michéle Pierre-Louis. O fato parece ser um acalanto para a última instabilidade política do país. Após as manifestações contra a inflação cavalar dos alimentos no Haiti, o ex-primeiro ministro recebeu voto de censura do Congresso (pois o sistema é parlamentarista) e uma série de novos nomes indicados pelo presidente René Préval foram recusados. Isso aconteceu exatamente porque a distribuição partidária do país é extremamente fragmentada, com muitos partidos e de difícil coalizão.

O fato de a última eleição geral, em 2006, ter registrado mais de 30 candidatos na disputa reflete essa fragilidade da recente democracia do país. Há um analista independente da ONU, Louis Joinet, que já fez ponderações nesse sentido. Para ele, essa fragilidade é uma das origens da própria instabilidade institucional. E citou a aprovação da moção de censura, com participação da base governista no Congresso, e que acabou por derrubar o primeiro-ministro durante os protestos pela inflação dos alimentos. Joinet cita que não existe uma disciplina partidária, nem uma discussão mais aprofundada de fidelidade a um programa partidário.

É claro que o René Préval ainda tem a legitimidade por ter sido um presidente eleito, mas precisa enfrentar a confusão do jogo político, nem sempre coerente, coeso e simples de dialogar, sobretudo, quando estão em jogo interesses pessoais dos parlamentares.  Aproveito aqui também para repercutir um post do antropólogo e blogueiro José Renato, que reflete a queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide – incluindo, as pressões políticas contra ele e sua ajuda para armar seus seguidores. O título do post é provocativo: “Fabricando ditadores?“.

Debate sobre atuação dos militares na segurança pública

Atirando para cima os impulsos ideológicos contra e favor do Exército brasileiro, o caso do assassinato dos três jovens no Morro da Providência acende uma fagulha para começar um debate mais profundo sobre a possível atuação das Forças Armadas na segurança pública do Brasil. A proposta, de longa data reivindicada nas opiniões dos cariocas, ganhou força com os relatos da atuação brasileira na força de paz das Nações Unidas no Haiti (Minustah). Contudo, a morte dos três jovens coloca novo capítulo nesse debate, como podemos acompanhar a repercussão com os parlamentares nesta quinta-feira (19), em Brasília.

Na Câmara dos Deputados, a avaliação do Projeto de Decreto Legislativo 515/2008, que amplia em 100 engenheiros o contingente brasileiro na força de paz no Haiti, se tornou uma ladainha sobre o cuidado do uso das tropas militares. Aprovado por unanimidade pelas declarações das lideranças partidárias (PSDB, PT, DEM, PMDB e bloco PSB/PDT/PCdoB/PMN e PRB), a mensagem presidencial virou mote para retomar o caso do assassinato dos jovens, encontrados no Lixão do Gramacho. As lideranças do DEM, PSDB e do PSB fizeram ponderações sobre o assunto.

“Não obstante, no bojo dessa discussão, é indispensável refletirmos sobre o papel do Exército Brasileiro, em especial em função do trágico e abominável episódio do Rio de Janeiro”, falou o tucano Otavio Leite (RJ). O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) deu um relato triste de sua visita ao Rio de Janeiro. Durante o encontro com as famílias dos jovens no Rio, ouviu de uma das mães que abriu o caixão e não reconheceu o rosto do filho morto. As 46 perfurações foram contabilizadas pelos médicos legistas do IML (Instituto Médico Legal) de Duque de Caxias (Baixada Fluminense).

Jungmann disse que, além da questão explícita dos direitos humanos, o caso do Morro da Providência levanta uma “questão política”. “Em primeiro lugar, a matriz desse e de outros erros advém do fato que até hoje a chamada garantia da lei e da ordem (GLO), que são atribuições subsidiárias das Forças Armadas, não foram regulamentadas, passados são 10 anos que tivemos nossa nova Constituição”, disse. Esse tema discuti aqui no blog no post “O Exército pronto para atuar. O que diz a lei?

O deputado pernambucano ainda comunicou em plenário que a Comissão de Segurança decidiu criar duas subcomissões. Uma para acompanhar a investigação sobre o Morro da Providência e a segunda para aprofundar para discutir um projeto de lei complementar que regulamente a GLO, “que é imprescindível porque quando se trata de instituições nacionais permanentes como Exército [não pode haver] a sua utilização casuística, a sua utilização pontual, e sua eventual politização”, enfatizou.

O teor do projeto é o mesmo que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, tem prometido para o final do ano. A mesma discussão tinha sido bloqueada no peito pelo ex-ministro Waldir Pires, que discordava da atuação das Forças Armadas nas cidades brasileiras, apesar dos sucessivos pedidos do governador Sérgio Cabral. A subcomissão precisa se abastecer nos inúmeros estudos do Ministério da Defesa, do Exército e de organizações não-governamentais para avaliar o impacto de mudanças na legislação para ações da garantia da lei e da ordem. Qual o tamanho do mandado que o Exército pode ter nesses momentos?

Com toda a discussão, o projeto do governo, apoiado pelas Forças Armadas, de ampliar a companhia de engenharia brasileira na força de paz das Nações Unidas no Haiti (Minustah) foi aprovada na Câmara dos Deputados. Segue agora para o aval do Senado Federal, depois, da sanção do presidente Lula. Para comentar rapidamente o estágio atual a missão de paz, a decisão não deixa de significar também um pleito antigo dos haitianos para ajudar as necessidades básicas da população. E um passo, pelo jeito a longo prazo, para começar a mudar o perfil da atuação das tropas.

MP da TV pública segue para caneta de Lula

Passou… A votação da medida provisória que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) terminou no Senado com um polêmico desfecho. Manobras da base aliada para aprová-la, sob o coro de “o troco do fim da CPMF”, e protestos da oposição, que deixou o plenário durante a votação. Não houve alteração do texto aprovado pela Câmara dos Deputados, então o texto segue direito para sanção presidencial. Foi um drible, já disse o André Deak. Lá, sobrou discussão e faltou debate substantivo sobre o tema.

Na verdade, a MP chegou no Senado como projeto de lei de conversão (PLV 02/2008), como na Câmara foi proposto. “O processo de votação [no Senado] só não varou a madrugada por conta de uma manobra do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que recomendou à base aliada que rejeitasse a Medida Provisória (MP) 397, (…) por já existir, na Câmara, proposta semelhante. Os parlamentares do PSDB e do Democratas, em reação à iniciativa do líder do governo, se retiraram do plenário”, relata a matéria do repórter Marcos Chagas, da Agência Brasil.

A base aliada saiu com gosto de vingança sobre o fim da CPMF mesmo não tendo como recuperar a arrecadação perdida. “Isso foi o troco da CPMF”, afirmou o líder do PTB, Epitácio Cafeteira (MA), aquele da tropa de choque de Renan Calheiros durante sua via crusis de acusações. A oposição promete esbravejar no orçamento. “Nunca mais haverá um acordo nesta Casa. Amanhã não passa nada nas comissões, vamos pedir vistas de tudo. O comportamento será assim, inclusive no orçamento”, grita Arthur Virgílio (PSDB-AM).

Agência Brasil

O balanço das principais alterações na medida provisória é o seguinte:
– aporte do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel);
– proibição de veicular propaganda de produtos e serviços;
– nova redação para “apoio cultural” e “publicidade institucional”;
– criação de uma ouvidoria na EBC;
– a sede e o foro da EBC foram transferidos para Brasília;
– elaboração de relatórios públicos de funcionários;

Clique aqui para ler a íntegra do projeto de lei de conversão. Temas importantíssimos ficaram de fora da discussão. O relator Renato Casagrande (PSB-ES) prometeu enviar as sugestões ao governo. Aí é esperar que ele (o governo) tenha interesse e faça um projeto de lei para novas alterações. De acordo com o texto da Tela Viva, as sugestões são:

– a cota de produção independente que será veiculada;
– regras para os canais públicos nas TVs por assinatura;
– o método de nomeação dos diretores;
– a obrigação de repasse da transmissão de jogos desportivos.

Obs.: escrevo sobre o tema também a partir da demanda dos leitores, porque um post meu sobre as emendas da MP, escrito pouco depois de minha saída da Radiobrás, é até hoje o primeiro resultado no Google.

MP da TV pública, a caminho da votação

Ninguém arrisca bater o martelo na fácil solução (rejeição ou aprovação) da Medida Provisória 398, que uniu duas estruturas de comunicação (Radiobrás e Acerp) para gerar a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). O fim da CPMF está quentinho ainda do forno, mas o tema “comunicação pública” não tem mostrado lá tanto o interesse para os parlamentares. A votação deve ser na próxima semana e o relatório do texto foi apresentado com algumas mudanças sobre as emendas apresentadas.

Aqui, alguns textos sobre o tema:

TV Brasil terá cotas e receita de R$ 150 milhões via tributos
Uma Radiobrás sem ”eira”?
TV pública, os méritos de uma MP
Relator propõe contribuição para financiar TV pública
Sociedade civil pede a aprovação da MP que cria a TV Brasil

Cartão coorporativo e a esquerda de Sísifo

Aqui o link para a íntegra do comentário que fiz no post do blog do Rodrigo Savazoni em relação à acalourada discussão da postura da imprensa e do governo Lula nas denúncias dos cartões coorporativos do governo federal.

Ninguém em sã consciência descarta o poder de manipulação (e oposição) da imprensa brasileira. O problema é que esse argumento serve para justificar inclusive os erros cometidos pelo governo, seja ele qual for.

Estamos criticando um fato que se encerra em si. O argumento da relativização serve à democracia na maioria das vezes, mas também é papel de quem precisa se agarrar em algo para defender o governo numa hora em que os fatos o sufocam.

obs.: na segunda-feira, o tema continua na mídia com a entrevista do ministro da CGU, Jorge Hage, no programa Roda Viva, da TV Cultura.

Pelo cancelamento da dívida do Haiti

O ZNet reproduziu um bom artigo de Joe Emersberger and Jeb Sprague, para o Haitianalysis.com, sobre a dívida do Haiti. Os autores mostram o debate sobre o cancelamento total da dívida haitiana como alternativa para o desenvolvimento. E citam um estudo da CEPR sobre o assunto.

O país provavelmente não atingirá as condições necessárias para entrar no programa do FMI de países altamente envididados até setembro de 2008. O que tratá mais custos para o país, cerca de US$ 49 milhões, ou melhor, 26% de tudo o que o país gasta com saúde pública atualmente.

O argumento do cancelado é bem parecido com o que entidades brasileiras defendem, como é o caso da Rede Brasil em conjunto com a Jubileu Sul – quem me explicou isso foi a coordenadora Fabrina Furtado na reportagem que fiz para a Rolling Stone, no ano passado.

A caveira mostra a cara…

Há tempos tenho lido e ouvido argumentos que apontam um desejo velado de acionar as forças especiais das policiais militares e até Forças Armadas para combater o narcotráfico e a violência urbana. Quanto ao objetivo da garantia da ordem não faço objeções. Minha discussão é quanto aos métodos.

O Estado, por conceito, não pode agir com base no terrorismo, na chantagem, no autoritarismo e na violação das regras democráticas que o legitimam. Mas a ação e a reação à violência, na maioria das vezes, vem carregada desses ingredientes. Foi assim que Tropa de Elite fez sucesso. Mas há tempos eu não via uma declaração tão clara desse pensamento como a entrevista do coronel Emir Laranjeira no blog Santa Bárbara e Rebouças. Vejam o naipe:

o caminho é o enfrentamento sistemático e com o uso de força superior à dos bandidos até a erradicação dos narcoguerrilheiros favelados. É claro que isto não erradicará o tráfico, mas pelo menos o tornará passível de coerção policial. Hoje o aparato policial estadual apenas engarrafa fumaça ou enxuga gelo em relação ao tráfico…

Sete crises políticas da era Lula

Chegou hoje às bancas (pelo menos aqui em São Paulo) a edição de janeiro da revista Rolling Stone. Na edição passada, como anotei aqui, tinha feito uma reportagem sobre a má gestão de recursos públicos no país. A capa era a da Rita Lee. Agora, a capa é da Alessandra Ambrósio, uma modelo lindíssima que eu, sinceramente, desconhecia. Mas não escrevo para falar dela…

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Deixo aqui a indicação para a leitura de um artigo que escrevi com uma retrospectiva das crises políticas da era Lula. No site deles há apenas dois parágrafos, mas deixo a indicação para quem quiser ler. Ah… o André Deak fez um texto também sobre a relação do governo Lula com a América Latina.

O que você poderia saber antes sobre Haiti

Não gosto de cabotinismo, mas blog também serve para dizer o que estamos fazendo. Em dezembro agora, o Senado Federal aprovou o nome do diplomata Igor Kipman para ser o novo embaixador do Brasil no Haiti. O país mais pobre das Américas é um dos focos principais da política externa brasileira. E Kipman sabe disso há tempos.

Na época da Agência Brasil, ao contrário do que dizia do professor Bernardo Kucinsck, que, dentro e fora do governo, adorava criticar nossa cobertura do tema, nossas reportagens mostravam essa realidade. Fiz uma entrevista com Kipman, um dos maiores conhecedores da realidade haitiana. Explico o porquê…

Qualquer jornalista que procurasse um diplomata para explicar o tema no início da missão de paz da ONU, se deparava com os clichês dos mais variados. “Solidariedade”, “liderança regional”, “contraponto ao modelo dos EUA”, tudo vinha. Os problemas do Haiti, ninguém explicava. Kipman, como poucos do Itamaraty, sabia o que dizia mesmo aqui no trabalho de escritório de Brasília.

Deixo aqui os links (texto 1, texto 2, texto 3) para os interessados na primeira matéria na imprensa brasileira que explicava a situação das futuras eleições no Haiti após a queda de Jean Bertrand Aristide, em 2004. Kipman foi observador do governo brasileiro nas eleições junto com o então embaixador Paulo Cordeiro.

O que Noam Chomsky falou…

Um dos meus desafios de reportagem sobre o Haiti é discutir o passado e o futuro do país (sem desgrudar os olhos do presente) a partir de uma lista de sociológos, cientistas políticos, economistas, historiadores, diplomatas, sobretudo latino-americanos e de colorações ideológicas distintas…

Buscarei isso, embora as entrevistas insistam em mostrar um certo deja vu no trinômio “subdesenvolvimento”, “violência” e “dependência”. Quero, claro, fugir da redundância analítica. Para começar essa série, deixo aqui um comentário do professor norte-americano Noam Chomsky. Encontrei esses trechos no site pessoal dele.

Aqueles que têm alguma preocupação pelo Haiti irão naturalmente querem compreender como evoluiu a sua mais recente tragédia. E para aqueles que tiveram o privilégio de qualquer contato com o povo desta torturada terra, isso não é apenas natural, mas impossível de se fugir. No entanto, nós cometemos um grave erro se nos concentrarmos demasiadamente sobre os acontecimentos do passado recente, ou mesmo sobre o Haiti por si só. A questão crucial para nós é o que deve ser feito sobre o que está ocorrendo. (…) O curso dessa terrível história era previsível há anos – e nós falhamos em evitá-lo. As lições são claras, e tão importantes que elas seriam o tema-do-dia das primeiras páginas de uma imprensa livre. (…)


(…) Em detalhes, o que tem acontecido é bem similar à derrubada do primeiro governo democrático em 1991. O governo Aristide, mais uma vez, foi prejudicado pelos comandantes dos Estados Unidos, que compreenderam, sob Clinton, que a ameaça da democracia pode ser superada se a soberania econômica é eliminada. E conseqüentemente também compreenderam que o desenvolvimento econômico será uma tênue esperança em tais condições, uma das melhores lições confirmadas pela história econômica. Os comandantes de Bush II são ainda mais dedicados a minar a democracia e a independência.

(US-Haiti, March 9, 2004)

MP da TV pública, 131 emendas a discutir (ou não)

Está em tramitação no Congresso Nacional a Medida Provisória 398, que criou a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), unindo o patrimônio, os serviços e os funcionários da antiga Radiobrás e da Acerp. O tema da comunicação pública promete ter discussão acalorada. Ainda mais se tirarmos por base as falas de alguns parlamentares contra a decisão de discutir o assunto via MP, pelos questionamentos da possibilidade de interferência política dos governantes, ou pelo atropelo da discussão da CPMF.

A profundidade desse debate vai depender, claro, do momento político e do interesse dos parlamentares em levá-las à frente. Do total de emendas apresentadas (132), somente uma não foi considerada válida. As demais são propostas de alteração na redação original, acréscimo de artigos ou até de supressão total do conteúdo da MP. É o caso da emenda 01 do senador tucano Álvaro Dias, que considera que a medida provisória não cumpre o requisito constitucional de urgência.

O deputado Flávio Dino (PCdoB/MA) foi quem apresentou o maior número de alterações na MP – 17 emendas -, seguido pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS) com 15. Quando ainda estava em Brasília, passei no Congresso Nacional e tive acesso a um caderno de todas as emendas. A seguir, alguns destaques que fiz a partir da leitura de todas elas durante uma viagem entre Brasília-Rio de Janeiro (ufa!).

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Pelo menos 20 delas apresentam mudanças no formato e composição do Conselho Curador da EBC, orgão de participação social que será responsável pelas diretrizes da entidade. Destaque para a emenda 82, da deputada Maria do Carmo Lara (PT/MG), que prevê a escolha direta da sociedade de sete conselheiros. E da emenda 83, de Flávio Dino, que acrescenta a possibilidade de perda do mandato de conselheiro.

Pelo menos oito emendas tratam exclusivamente da natureza do financiamento e da forma de contratação de serviços da nova empresa. Várias delas, como as emendas 32 e 34, do senador Pedro Simon (PMDB/RS) e do deputado Paulo Renato (PSDB/SP) respectivamente, criticam o artigo que dispensa licitações para contratos entre a EBC e entidades públicas e privadas. Vai ser outro embate forte, porque aí estaria uma importante fonte de recursos da nova empresa na visão do governo.

Vale destacar a briga que também será a tentativa do governo de garantir espaço nas prestadoras de TV a cabo para os canais públicos. Nove emendas tratam do assunto, a maioria pedindo o fim dessa exigência sob o argumento de que as operadoras terão prejuízo. Destaque para a emenda 118, do deputado Cícero Lucena (PSDB/PB), que pede uma “compensação financeira” para as prestadoras de serviço garantirem esse espaço.

Mais eleitores do que gente

Em 50 cidades brasileiras têm. Reproduzo aqui uma ótima reportagem de Sabrina Craide e Eurico Tavares, da Agência Brasil, sobre os municípios que possuem mais eleitores que população. A matéria saiu de um cruzamento da última contagem populacional do IBGE com os dados de eleitores atualizado em setembro. Até aí, beleza, porque a legislação eleitoral exige a revisão dos títulos nesses casos. Mas o ponto dessa matéria é a apuração de que a revisão em curso pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contempla menos municípios do que o necessário pelos dados atuais.

O cruzamento de dados entre a contagem populacional do IBGE deste ano e o eleitorado de setembro de 2007 concluiu que 1.379 cidades têm um número de eleitores superior a 80% da população. O TSE revista o eleitorado em 1.128. Ou seja, pelo menos 24 outros municípios não estão na conta do tribunal. Também existem 512 cidades que terão a revisão do número de eleitores, mas, pelos dados atuais, não precisariam constar na lista do TSE. Vale ler…

Lei de Crimes Hediondos mudou após casos de comoção nacional, mostram estudos

Por Aloisio Milani
Da Agência Brasil

Brasília – Alterações na legislação que trata de crimes hediondos – que significam repulsivos e horríveis, pelo dicionário – são realizadas em momentos posteriores a crimes de grande repercussão nacional. Segundo um parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária de 2005 e um estudo do advogado catarinense Rafael Antonio Piazzon, as mudanças foram feitas como respostas a essas demandas.

A análise mostra que a maior parte das mudanças se deu após casos como os seqüestros dos empresários Abílio Diniz e Roberto Medina, em 1990, o assassinato da atriz Daniela Perez, em 1992, e a veiculação de cenas de tortura e assassinato por policiais na Favela Naval, em Diadema, Grande São Paulo, em 1997.

A Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, estabelece quais são os crimes hediondos e determina aqueles que não poderão ter benefício ou anistia, regulamentando o inciso 43 do artigo 5º da Constituição Federal. Entre os crimes hediondos, estão homicídio qualificado, estupro e seqüestro. Os tipos de crimes foram adicionados à lei aprovada em 1990 de acordo com reações da sociedade. Diversos juristas, entre eles o próprio ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, se pronunciaram sobre problemas gerados pelo que chamam de “legislação do pânico”.

No estudo “A Progressão de Regime em Crime Hediondo”, o advogado Rafael Antonio Piazzon explica que a aprovação da lei, em 1990, foi impulsionada pelo caso do seqüestro de Roberto Medina e Abílio Diniz. “Os trabalhos no Congresso se adiantaram de tal forma que em 15 dias após o seqüestro de Medina estava aprovada a lei”, registra. Contudo, a rapidez na aprovação da proposta deixou de fora o homicídio entre esses crimes. “Mas outra vez foi graças à influência dos meios de comunicação que o mesmo foi incluído, pois foi com o assassinato da atriz Daniela Perez, filha da escritora de novelas Glória Perez, que o homicídio foi incluído no rol dos crimes hediondos”, lembra no artigo.

Já a tortura entrou na lei em 1997, com a definição legal como crime. “Novamente houve um grande apelo popular para que a lei fosse aprovada, e dessa vez o que serviu de mote foi o escândalo numa favela de São Paulo, aquele do policial Rambo”, explica o advogado em referência às cenas de tortura na Favela Naval. O advogado conclui que essa relação é importante para entender a criação dessas leis. “É necessário reconhecer que a opinião pública pensa exatamente o contrário e reivindica penas criminais e tratamento prisional ainda mais severos. Por isso é difícil esperar um posicionamento do Congresso Nacional, que é sensível aos apelos da população.”

Segundo um parecer do conselheiro Carlos Weis, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, os conceitos que geraram a Lei de Crimes Hediondos são vistos como contraditórios em relação aos “princípios elementares do direito penal”, sobretudo o princípio da humanidade e o da ressocialização da pena (que prevê a reinserção gradual do detento na sociedade).

O conselheiro cita o trabalho do jurista César Barros Leal como forma de demonstrar a reação primeira da sociedade a essa lei: “mergulhada no espiral da violência e manipulada pelos meios de comunicação social e pelos movimentos de lei e ordem (law and order), a sociedade, atemorizada, em pânico, sem saber o que fazer, é induzida a não pensar nas raízes do problema, na possibilidade de enfrentá-lo em suas origens e simplesmente demandar mais repressão, novos tipos penais, mais prisão.”

Um levantamento do Núcleo de Estudos, da Violência da Universidade de São Paulo (USP), que pesquisou os debates sobre segurança pública de 1822 a 2005, concluiu que as políticas para a área no Brasil são pensadas sempre em caráter de emergência.

Agora, a Câmara dos Deputados colocou novamente na pauta dois projetos de lei (PLs) que alteram a Lei de Crimes Hediondos. O primeiro deles, o PL 6.793 de 2006, de autoria do Poder Executivo, torna mais rígida a progressão do regime prisional para os condenados por crimes hediondos. A alteração prevê o aumento do tempo mínimo da pena em regime fechado de um sexto para um terço do total – somente após esse período haveria espaço para mudar o regime. O PL 4.500 de 2001, do Senado, também exige essa mudança.

Obs.: texto publicado originalmente na Agência Brasil no dia 14 de fevereiro de 2007.

Em 64, diplomacia brasileira também foi interrompida

Aloisio Milani
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Além do projeto de nação desenvolvido pelo governo João Goulart, o golpe militar de 1964 também rompeu com o amadurecimento das relações exteriores do Brasil, desenvolvido na época no interior do Itamaraty. O Ministério das Relações Exteriores havia consolidado na época uma postura que livrava o país de seguir automaticamente qualquer um dos lados que dividiam a hegemonia mundial, Estados Unidos e União Soviética. O que não significava ausência de relações com nenhum deles. Essas orientações, iniciadas no governo Jânio Quadros, formaram a “política externa independente”, posteriormente interrompida e redirecionada pela ditadura.

Historiadores enxergam a política externa de 1961 a 1964 como mais um ingrediente que levou ao golpe. Em muito, causado pelo temor de que o Brasil seguisse os passos da revolução dos “barbudos” de Fidel Castro, em Cuba. Segundo o cientista político René Armand Dreifuss, em seu livro “A Internacional capitalista: estratégias e táticas do empresariado transnacional”, as “elites orgânicas articularam-se internacionalmente para desestabilizar o governo Goulart, cuja política exterior provocava aversão”.

Como a política internacional reflete na essência a própria política interna, os militares golpistas optaram, em primeiro lugar, por um desenvolvimento contrário ao que Jango propunha. “Mais do que um simples golpe, os militares optam por um modelo conservador de desenvolvimento em clara contraposição ao projeto reformista da esquerda”, diz o historiador Antonio José Barbosa, autor da tese “O Parlamento e a Política Externa Brasileira (1961-1967)”.

Os princípios da política externa independente (PEI) foram sistematizados essencialmente por três intelectuais que comandaram a chancelaria desde Jânio Quadros até a vitória do golpe. San Tiago Dantas, Araújo Castro e Afonso Arinos de Melo Franco. O primeiro deles publicou um livro pela editora Civilização Brasileira sobre as idéias da PEI no auge dos acontecimentos, em 1962.

As bases da PEI estabeleciam a recuperação dos princípios de “não-intervenção e autodeterminação”, a ampliação dos mercados para o país e o “apoio à descolonização e a auto-formulação de planos de desenvolvimento” de acordo com as regras democráticas internas. “A posição internacional de nosso país tem evoluído de forma consistente para uma atitude de independência em relação aos blocos político-militares existentes, que não deve ser confundida com outras atitudes comumente designadas de neutralismo ou terceira posição”, escreveu San Tiago em seu livro.

“Nessa época, houve um início de contato com algumas das mais importantes lideranças do mundo para se criar um pólo alternativo. Em 1961, como resultado da Conferência de Bandung, surgiu o movimento dos países não-alinhados com Josip Broz Tito (Iugoslávia), Gamal Abdel Nasser (Egito) e Jawaharlal Nehru (Índia). No Brasil, o governo Jânio Quadros se aproxima desses ideais”, explica Barbosa. A cidade de Bandung, na Indonésia, ficou conhecida em 1955 por receber representantes de 29 países da África e Ásia, unidos por um mesmo questionamento: qual seria o lugar do terceiro mundo diante da polarização entre norte-americanos e soviéticos?

O Itamaraty criou a divisão para assuntos da África, até então inexistente, aumentou suas representações diplomáticas e restabeleceu as relações com a União Soviética. No mesmo ano do encontro em Bandung, o ministro Arinos foi o primeiro a chamar a atenção na Organização das Nações Unidas (ONU) para outra “divisão do mundo” que não só norte-americanos versus soviéticos – a entre “ricos e pobres”.

O Brasil apoiou o processo independência da Argélia e de Angola, contrariou os Estados Unidos sobre o bloqueio e a possível intervenção em Cuba. Na Conferência de Punta Del Este, no início de 1962, o governo brasileiro deu sua cartada aos países da América. O ministro San Tiago Dantas declarou que o Brasil assumia uma postura não-alinhada aos norte-americanos. A derradeira para o desagrado das elites conservadoras.

No Congresso, parlamentares atacavam os ministros. Nas audiências de esclarecimento da política, os diplomatas eram questionados sobre a incompatibilidade de ser “subdesenvolvido” e “independente”, acusando-os de aproximação com a “ameaça vermelha”. O deputado Arruda Câmara, por exemplo, em sessão de agosto de 1962, acusou o governo brasileiro, na figura de San Tiago Dantas, de estar “distanciando dos sentimentos da maioria do povo brasileiro, que não aceita de bons olhos essa política de mão estendida” ao comunismo.

Dantas, em contrapartida, atacou: “Quanto a saber se o Ministro das Relações Exteriores pratica a política que quer o povo, peço licença para dizer que não considero que nenhum governo, que nenhum partido, que nenhum deputado isoladamente, possa irrogar-se o privilégio de representar os sentimentos do povo brasileiro”. Somente quem o pode fazer, para o ministro, é o Congresso Nacional.

Os discursos dos ministros se transformavam em manifestos em defesa de uma nova posição nos diversos assuntos do contexto mundial. Leia abaixo trechos dos pronunciamentos dos ministros Afonso Arinos (janeiro a setembro de 1961 e julho a setembro de 1962) e San Tiago Dantas (setembro de 1961 a julho de 1962) em sessões na Câmara dos Deputados. Os depoimentos foram reproduzidos das edições do Diário do Congresso Nacional:

Independência X subdesenvolvimento

“Acho que podemos ter uma atitude independente embora sejamos um país subdesenvolvido. É preciso firmarmos a nossa independência no campo internacional para possibilitar o nosso desenvolvimento. Essa deverá ser a nossa atitude. Entre as razões pelas quais procuramos fazer política independente está a necessidade de sairmos dessa etapa miseranda de subdesenvolvimento. Se formos esperar ser um país desenvolvimento para nos tornarmos independentes chegaremos à conclusão de que não alcançaremos nunca esse estágio. Nunca podermos usar nossa soberania em benefício do nosso desenvolvimento, partindo do princípio de que um país estrangeiro jamais tem atitude de caridade no sentido de desenvolver a economia de outro país (…)”
(Ministro Afonso Arinos, 1961)

Auto-formulação do desenvolvimento

“O que penso é que o Brasil vem mantendo o princípio de que não deseja dividir com nenhum país responsabilidades na orientação dos seus problemas de governo e na adoção de suas soluções, mas tem procurado ajustar condições de cooperação internacional bastante eficazes e em escala correspondente às nossas necessidades.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Política externa não se separa da interna

“Considero que a política externa não é separável do conjunto da política realizada num país. Por conseguinte, é indispensável que, ao mesmo tempo que afirmamos nossa independência na nossa vida econômica, [tenhamos] uma política que seja realmente de fomento da emancipação nacional. Acredito, entretanto, que a política externa nos dias de hoje tem em grande parte esse papel pioneiro, talvez porque a definição da posição dos povos vem em grande parte da sua posição no exterior.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Conferência de Punta Del Este

“É verdade que se discutiu muito, aqui em nosso país, se a política brasileira, sobretudo depois de Punta Del Este, era ou não era do agrado do Departamento de Estado (dos Estados Unidos). Confesso que não julguei jamais do que meu dever apurar o ponto, pois realmente só desejo saber se a política exterior do Brasil era do agrado da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Se ela é do agrado dessas entidades, ela aduz a opinião do povo brasileiro e será, pelo menos, cumprida a honra de dirigir o Itamaraty.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Auto-determinação

“O que é necessário é que não tomemos a posição indiferente e passiva de nos limitarmos a dar o nosso apoio às posições polêmicas em que uma das grandes potências nucleares se venha a colocar, e, sim, que ponhamos a nossa fé, o nosso espírito pacifista e a nossa capacidade de compreensão a serviço da única causa que verdadeiramente remunera: a causa da paz, aquela que nos conduz a encontrarmos, pouco a pouco, o caminho da segurança onde possa de fato florescer o mundo que desejamos viver.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Fonte: Agência Brasil (2004)
https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2004-04-05/em-64-diplomacia-brasileira-tambem-foi-interrompida