Aproveitei a confirmação da nova primeira-ministra haitiana, Michèle Pierre-Louis, para destacar algumas frases suas – faz parte da série que publico frequentemente aqui com intelectuais, diplomatas, lideranças e políticos. Para aguardar sua posse teve até que agüentar desencontros e boicotes, como descreveu essa reportagem do Miami Herald. A economista era diretora-executiva da ONG Fondation Konesans ak Libète (Fokal), que trabalha com projetos sócio-educativos. Seu financiamento parte de entidades da União Européia e também do “ex-megaespeculador” George Soros.
Ela é professora de “Ciências da Cultura do Caribe” e “Grandes Civilizações”, na Universidade Quisqueya, em Porto Príncipe. Nasceu em Jérémie (sudoeste do Haiti) em outubro de 1947. Nos anos 1980, foi uma das líderes da campanha da Missão Alpha de alfabetização da Igreja Católica no Haiti. A nova primiera-ministra, assim como René Préval, também fez parte do primeiro governo de Jean Bertrand Aristide. Em 1991, ela foi pertencia ao gabinete do líder do Lavalas.
Michèle dividirá com outras mulheres o primeiro staff do governo do presidente René Préval. Como Marie Laurence Jocelyn Lassegue, no ministério da Condição Feminina; Gabrielle Prévilon Beaudin, na pasta dos Assuntos Sociais, e Marie Josée Garnier, chefe do ministério do Comércio. Pierre-Louis também colaborou na revista “Chemins Critiques” e, como escritora, ganhou um prêmio por um romance em 2001. Essa biografia chegou via EFE e AlterPress.
Vejam alguns pensamentos dela citados em seu discurso de governo, lido em francês e creoule aos deputados e senadores. Aqui, numa tradução livre minha:
Hoje, nosso país passa por um momento difícil. As grandes decisões impostas à nação nem sempre repetem os mesmos problemas. É preciso coragem individual e espírito coletivo para escrever um novo capítulo e refletir sobre um novo curso após a crise que vive o Haiti, sua história, sua cultura, o seu futuro, o seu povo; e ser um coletivo que nos una para o centro das preocupações do Estado e da sociedade. E, agora, mais de quatro meses que manifestantes ganharam as ruas de Cayes, Port-au-Prince, Gonaives e outras cidades para protestar contra o aumento do custo de vida e para manifestar a sua preocupação face a esta situação geral país. Há alguns meses atrás, elevou-se a angústia do país diante à subida dos preços de produtos básicos: arroz, milho, ervilha, farinha, bananas, inhames, batatas etc., que a maioria dos haitianos come todos os dias e estava cada vez mais difícil de adquirir. Apesar dos esforços desenvolvidos no governo anterior, a população ainda aguarda as ações que podem mudar as suas condições de vida, criar empregos e incluir todos os cidadãos, todos os cidadãos na vida nacional.
E, quando aceitei a escolha do presidente, eu disse a mim mesma que gostaria de me envolver em uma primeira batalha de valores: solidariedade, honestidade, responsabilidade, superação, respeito, todos estes valores combinados com uma idéia de país, uma idéia de que este país também tem sofrido em sua história, e ainda sofre muito. Eu pensava que era a hora de pôr de lado preconceitos e práticas guardadas em nós mesmos. Esta é a batalha de valores, na qual o povo do Haiti também se dedica, que está na base da luta contra a negação do acesso, contra a corrupção, contra as manobras políticas, a luta pela educação, saúde, trabalho, justiça para todos, a luta pelas crianças e jovens deste país. Para que eu possa executar plenamente a luta contra o que eu acabei de referir, acredito que eu não tenha acabado de superar obstáculos. As negociações não são fáceis. Concordo em fazer compromissos necessários nesta situação difícil. Também faz parte da política. Mas, hoje, a coisa importante para mim é colocar-me a trabalhar desde que obtenha o voto de confiança de ambas as Casas (Senado e Câmara), contando com um governante solidário, empenhado, disposto a trabalhar com o Parlamento e com todos os parceiros: sindicatos, associações e grupos populares, os agentes locais, o sector empresarial privado, os partidos políticos e a comunidade internacional.
AGRICULTURA
“A agricultura é um importante vetor de crescimento e de combate à crise de alimentos que vimos em abril de 2008.Mas vamos começar com uma observação: a agricultura contribui com 25% do Produto Interno Bruto haitiano, enquanto que fornece 50% dos postos de trabalho em geral, e 80% postos de trabalho nas zonas rurais. Isto significa que o nível de produtividade é muito baixo e a área também é pouco competitiva. Ao mesmo tempo, uma população rural jovem, que espera empregos e oportunidades em nichos de mercado para além da agricultura. Isto significa também que não há necessariamente correspondência entre as oportunidades e aspirações. Por isso, temos de fazer a nossa agricultura mais atraente, mais eficiente e mais competitiva.”
EDUCAÇÃO
“Para falar de educação, optei por começar com as crianças. Com efeito, qualquer mudança começa na primeira etapa das crianças. Educar uma criança é programar uma futura geração, é com a criança que se inicia a mudança de uma sociedade. (…) Em nosso plano de combate à pobreza (DSNCRP), o capítulo sobre educação é o mais rico em estatísticas e indicadores quantitativos. Mas, acima de tudo, os interesses maiores nesta área são o da qualidade. E aqui também há uma profunda desigualdade na distribuição de qualidade da educação e a oferta escolar. As conseqüências desta situação são também sentidas no desempenho acadêmico. Os êxitos são diferenciados por fatores como moradia e padrão de vida. E, depois, o pobre sente uma diferença significativa na comparação com aquele que pode pagar.”
SAÚDE
“O setor da saúde é o segundo eixo do plano dedicado ao desenvolvimento humano. Abordando a questão da saúde estamos falando sobre a importância da vida. Se for verdade que é importante realizar reformas sérias na área da saúde, que os governos anteriores comprometeram-se em diferentes graus, é igualmente importante também a trabalhar para a melhoria do acesso aos serviços sociais básicos: o acesso à água potável, principalmente, que tem um impacto positivo e mensurável sobre a saúde da população. No setor da saúde, os principais indicadores utilizados são: a redução da mortalidade infantil (atualmente 57 por mil), a redução da mortalidade materna (630 a cada 100 mil) e à luta contra as grandes pandemias (HIV, malária, tuberculose), sem esquecer a luta contra o câncer de mama e colo de útero. Para avançar nestes objetivos, a ênfase será colocada na melhoria dos serviços, na intensificação dos programas de prevenção concentrados na água e no saneamento básico, em conjunto com outros órgãos interessados (prefeituras, estados, ministérios e outros).”