Haiti e a roleta da crise financeira

Sinceramente, não tenho idéia qual é o tamanho do mercado de ações no Haiti. Nem tenho a mínima idéia do tamanho do impacto da tensão nas bolsas dos últimos dias nos leilões das ações das empresas de capital aberto por lá. O que quero aqui é lançar um desafio sobre como o mundo especulativo do mercado financeiro é contraditório com a vida de populações pobres. Alguém aí tem a medida ou a noção de quanto significa US$ 700 bilhões do pacote anticrise de Bush?

A quantia é quase o total de toda a produção de riquezas do Brasil durante seis meses. Isso para aliviar a gestão de empresas que venderam crédito a torto e a direito, e que, logicamente, fizeram a economia dos Estados Unidos como refém neste momento. Porque a falências das empresas levará junto a superpotência, não tenham dúvida. Mas a comparação que merece ser feita é entre o pacote anticrise dos Estados Unidos e a dívida externa haitiana.

O Haiti, um país pobre cujo endividamento começou de maneira moralmente indefensável pela ex-metrópole França, que queria indenização pelos escravos perdidos na independência. A dívida externa é de US$ 1,6 bilhões, pouco diante do pacote de Bush mas que impõe um ajuste fiscal brutal sobre o já baixo orçamento público comprometido com o pagamento de juros, que não param de crescer.

A Papda lançou novo apelo contra essa contradição após a devastação dos furacões – tragédia humanamente pior do que a das bolsas. Só com o pagamento dos serviçõs da dívida, estimados entre US$ 60 ou US$ 80 milhões anuais, daria para aliviar a situação das vítimas e ajudar na reconstrução do país. O governo haitiano mantém o pagamento dos juros e libera proporcionamente seis vezes menos dinheiro para a reconstrução do país.

Quem tem medo de uma moratória? E por que os credores não perdoam as dívidas como forma de ajudar a economia haitiana? O que vale mais agora: ajuda vidas ou manter os juros? Sobre isso há um imenso silêncio dos governos…

A globalização, o Haiti e os trabalhadores

Nesse post, vou misturar tecidos brasileiros, capitalismo, globalização, Haiti, diplomacia, Estados Unidos e direitos trabalhistas. Quem conseguir avançar na leitura verá que está tudo conectado. É só embaralhar as cartas. Começo com a notícia propriamente dita para não desabar o ímpeto voraz do consumo midiático. Voltemos os olhos então para os relatos de nossa diplomacia. Ponto um.

A repórter Sabrina Craide, que começou na Agência Brasil quando eu era editor por lá, está em cobertura especial nesta semana direito de Nova York. Em uma entrevista, o ministro Celso Amorim falou que indústrias brasileiras se interessaram em criar unidades no Haiti para exportar produtos para os Estados Unidos. Isso ele conversou com a secretária de Estado, Condoleezza Rice.

Essa postura se explica facilmente pela comitiva de empresários que o presidente Lula levou ao Haiti em sua última visita. Numa clara tentativa de impulsionar as relações bilaterais e a quantidade de investimentos num país desprovido de petróleo, de agricultura frágil e com poucas alternativas de negócio. Mas ainda assim uma tentativa de redirecionar o foco da ação brasileira no Haiti.

Ponto dois. Agora quero junto um post do blog do Leonardo Sakamoto, que comentou os recentes exemplos de indústrias têxteis que se instalaram na China em busca de custos de produção mais baixos do que no Brasil. Lê-se exploração do exército de trabalhadores. Sakamoto alerta para a necessidade de pressão sobre países e empresas que tenham produtos com origem duvidosas sob o prisma trabalhista.

O que ele propõe é a reflexão sobre o consumo ou não de produtos originados em cadeias produtivas mais “baratas”, que significam, na maioria das vezes, conivência com a superexploração do trabalho. E de que forma os consumidores comuns e a sociedade podem cobrar as posturas de governos e empresas. O cerne do que acostumou-se a chamar de consumo consciente.

Ponto três. Uma sinapse bibliográfica me ocorre. Numa velha edição de 1995 da Foreign Affairs, o japonês Eisuke Sakakibara sentencia: “A globalização da economia leva à oligopolização do mercado mundial e, o que é mais grave, faz com que os interesses dos trabalhadores e consumidores passem a divergir”. Retomo o raciocínio da etapa anterior e digo: preços e direitos estão de lados opostos no capitalismo.

Ponto quatro. No Haiti, articulação de várias entidades na Missão Internacional de Investigação e Solidariedade apontou a preocupação de que o país seja transformado num quintal de “maquiladoras” e de fábricas que pagam proporcionalmente menos aos haitianos. Isso já acontece com filiais norte-americanas, canadenses e dominicanas, como denunciam organizações e sindicatos por lá.

A conclusão. Ninguém aqui está prejulgando que qualquer empresa brasileira que vá para o Haiti esteja com o objetivo implícito de escravizar trabalhadores. Mas fica o alerta de que um país tão empobrecido quanto o Haiti precisa muito mais de alternativas vinculada aos direitos e à justiça financeira. Sob o risco disso contradizer o próprio discurso de solidariedade que tantos sul-americanos pregam.

Oboré 30 anos, um podcast da festa

A Oboré faz 30 anos de existência em 2008. E organizou um dia de comemorações no espaço da Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana, em São Paulo. Houve a exibição do filme do Leon Hirszman, “ABC da greve”; um debate com amigos; um concerto do maestro Martinho Lutero; e um show recheado de surpresas que mais parecia uma maratona musical – quase quatro horas que ajudei a organizar com o pessoal.

Gravamos o material num só canal em quatro MDs, posteriormente digitalizados. Com uma narração do Sérgio Gomes, editamos o espetáculo para 20 minutos. Mas tudo com trechos de todos os músicos que passaram pela sala BNDES, da Cinemateca. O resultado vocês podem conferir nesse podcast aqui, que retirei do site da Oboré. O material está hospedado no PodcastOne. Segue…

Ajuda internacional e o destino do dinheiro

Enquanto tenta ajudar desabrigados e contar seus mortos por quatro tempestades tropicais, o Haiti também discute sobre o destino do que ajuda para prevenir novas tragédias. Na temporada de furacões, um novo temporal pode chegar a qualquer momento. Então, além de discutir a ajuda humanitária com medicamentos, comida e água, o país precisa começar a pensar como usar possíveis doações internacionais que estão prometidas dos Estados Unidos, Espanha, Brasil e outros países.

Um exemplo… a cidade mais atingida pelos furacões, Gonaives está localizada no norte do país numa área costeira que tem até um nível pouco abaixo do mar. Nas encostas das montanhas que circundam a cidade, quase toda a vegetação foi desmatada para a produção de lenha. A água barrenta então desce e se liga ao mar. Ajudar a resolver a vulnerabilidade do Haiti a furacões é planejar também investimentos por reflorestamento, diques e saneamento básico.

No HaitiAnalysis.com, um editorial escrito por Wadner Pierre que cobra o destino do dinheiro internacional que chegou ao governo provisório após a passagem do furacão Jeanne, em 2004, quando mais de 3 mil pessoas morreram só em Goinaives. A seguir um trecho:

O furacão Jeanne devastou o Haiti em 2004 oito meses após o golpe que derrubou Jean-Bertrand Aristide. Gerard Latortue [o primeiro ministro do governo provisório], o cabeça da ditadura da ONU e natural de Gonaives, recebeu dinheiro de todo o mundo para ajudar a reconstruir a cidade. Infelizmente, as vítimas receberam poucos benefícios deste dinheiro. Gonaives situa-se abaixo do nível do mar, mas diques nunca foram construídos; muitas estradas ainda sequer foram reparadas. Os poucos resultados obtidos com dinheiro da ajuda internacional só traz a convicção de que, em Gonaives, os amigos de Latortue e ONG’s corruptas simplesmente embolsaram o dinheiro. (…)

O presidente René Préval, um nativo do estado de Artibonite [onde Gonaives é a capital], apelou à comunidade internacional para ajudar. The uproar over his latest nomination for Prime Minister has ended. O tumulto sobre sua última indicação para primeiro-ministro terminou. O Senado aprovou Michele Duvivier Pierre-Louis como primeiro-ministra. Auxílio dinheiro vai chegar. A questão é que irá se beneficiar com ele. O povo de Gonaives está compreensivelmente pessimista após a experiência com o furacão Jeanne.

Haiti não volta à África para a Copa

A seleção haitiana de futebol conseguiu apenas um ponto em nove disputados em seu grupo na primeira fase das eliminatórias da América Central e Caribe (Concacaf) e se despediu do sonho de ir à Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. O segundo país a se tornar independente nas Américas, de maioria negra e descendente de africanos, perdeu o jogo para a Costa Rica (1 a 3), mesmo jogando em casa, no estádio Sylvio Cator. A Costa Rica lidera as eliminatórias com o mesmo número de pontos de Estados Unidos e México.

A torcida fanática foi ao estádio na capital Porto Príncipe para incentivar a vitória do time, a única possibilidade de continuar na disputa depois da goleada de 5 a 0 de El Salvador. O costariquenho Bryan Ruiz marcou duas vezes. O jogo levou os times aos extremos da tabela. Costa Rica na liderança e o Haiti na antepenúltima posição – na frente apenas de Suriname e Cuba. Bom, bom, bom… agora se desfaz em pratos a cobertura do único blog brasileiro que possui uma editoria de futebol haitiano.

Até logo…

Imagem da tragédia em Gonaives

Não é fácil entender o tamanho da tragédia de um furacão no Haiti se você nunca foi até lá para saber que tudo dificulta o povo. Não há habitação decente, saneamento básico, sistema de drenagem de água, atendimento médico ou qualquer “facilidade”, melhor chamada por qualquer um de “direitos”. À medida que a água baixa após a passagem dos furacões Hanna e Ike, Gonaives descobre seus mortos. Hoje, há na página oficial da Minustah uma foto horrível, merecedora de qualquer prêmio de fotojornalismo que fale sobre o Haiti. Não pelo mérito estético, mas pela evidência do desastre. O corpo de uma vítima, em estado de decomposição, é encontrado na lama. O slideshow inteiro pode ser visto aqui.

A uma derrota de dizer adeus à Copa

Seguindo na missão de ser o único blog brasileiro a ter uma editoria de futebol haitiano, trago notícias sobre a situação complicada do Haiti nas Eliminatórias da Copa do Mundo. O jogo entre Haiti e El Salvador, pela Concacaf, foi no sábado. E a notícia não poderia ser das piores para nós, os torcedores do futebol haitiano (!). Quem passou como um furacão sobre o time deles foi o atacante salvadorenho Rodolfo Zelaya, que marcou três dos cinco gols. A goleada afundou o Haiti na tabela. Deixou o time a apenas uma derrota de dizer adeus à possibilidade de voltar à África, o continente-mãe do Haiti, e disputar a Copa do Mundo. A única vez que o Haiti disputou uma Copa foi em 1974. O jogo decisivo é contra a Costa Rica. Ai, ai.

Via Fifa e Radio MétropoleHaiti.

Ike traz nova tragédia, ajuda humanitária é urgente

Na atual temporada de furacões, o Haiti foi atingido por tempestades que deixaram mortes, inundações e estragos pelo país. Fay, Gustav, Hanna e Ike são os nomes das tormentas. A última passou no final de semana e já deixou ao menos 50 novas vítimas fatais quando o país ainda contava as mais de 500 que morreram com o Hanna. Principalmente em Gonaives, cidade costeira ao norte da capital Porto Príncipe. Os ventos de 215 km/hora do furacão Ike – categoria 4 na escala Saffir-Simpson de 5 – perderam força após a passagem pelo Haiti. O número oficial de mortes ainda pode subir enquanto a defesa civil trabalha e ajuda humanitária chega. Até agora, o número de vítimas é quase comparável à queda de dois aviões.

Para quem lê estas linhas ainda com distanciamento dos problemas, volto a citar a cobertura do Miami Herald, com relatos sobre as tempestades. Desta vez, a história é de Frantz Samedi, moradora de Cabaret, que procurou desesperadamente sua filha de cinco anos, desaparecida na lama da tempestade Ike. Encontrou-a morta após duas horas de procura. “Frantz Samedi procurou por sua filha de 5 anos de idade, durante duas horas em meio à água suja e aos escombros da tempestade, chamando o seu nome: Tamasha, Tamasha! Quando finalmente a encontrou, ela parecia estar dormindo pacificamente, o seu corpo repousava sobre uma lamacenta laje de concreto ao lado de outras 11 crianças de idades entre um a 8 anos”.

“Um velho homem abriu caminho no meio da multidão de sobreviventes, transportando um pote de água. Ele ajoelha-se ao lado do corpo e lava cuidadosamente com uma esponja o corpo da menina. ‘Eu não posso deixá-la nesta situação’, diz Samedi soluçando. ‘Eu deveria ter morrido em seu lugar’. Tamasha e as outras crianças foram arrancadas de suas famílias quando Ike passou por esta pobre cidade costeira no domingo. A tragédia aqui é uma pequena amostra da devastação generalizada em todo o país”. Clique aqui para ver a fotos do relato. Abaixo, homem lamenta a morte de uma das crianças.

A recém empossada primeira-ministra, Michèle Pierre-Louis, fez um apelo internacional hoje para buscar mais ajuda para o país. “O governo está mobilizado, tendo sido constituído um comité nacional que inclui todos os ministérios para fazer face à situação extremamente grave, mas precisamos de ajuda dos países amigos do Haiti», afirmou. “Esperamos uma frota de helicópetros dos Estados Unidos, a Venezuela prometeu fornecer aparelhos de comunicação e a República Dominicana propôs-nos dar ajuda de emergência”. A Cruz Vermelha Internacional e a Crescente Vermelha lançaram um apelo por US$ 3,4 milhões para ajudar as vítimas haitianas. Até o papa Bento 16 rogou pelas vítimas.

Na sexta-feira, um navio do Comando Sul dos Estados Unidos, com 33 toneladas de suprimentos das Nações Unidas (ONU), chegou para ajudar cerca de 600 mil pessoas que enfrentam dificuldades com os estragos causados por Hanna. O governo brasileiro anunciou a doação de quantia equivalente a US$ 100 mil para ajudar. A Venezuela enviou 18 toneladas de alimentos, móveis e utensílios. Uma estimativa da Cruz Vermelha é que 50 mil pessoas necessitam de ajuda urgente. Alimentação, materiais de primeiros socorros, medicamentos, água limpa e abrigo são as necessidades preementes. Neste link, você acessa uma galeria de fotos da Minustah sobre o caos em Gonaives.

Reportagem no olho do furacão Hanna

Este post é uma troca de impressões entre um blogueiro e uma repórter que viu o estrago do furacão Hanna no Haiti. Sobretudo o impacto na cidade costeira de Gonaives. Troquei e-mails entre ontem e hoje com a correspondente do Miami Herald no Caribe, Jacqueline Charles, e publico aqui com exclusividade alguns relatos de como andam as coisas por lá depois da passagem do Hanna e na espera da tempestade Ike, prometida para as próximas horas. Charles publicou ontem em seu jornal um agoniante relato sobre a família de Fleurie Benita, 24 anos, mãe de quatro filhos, e que perdeu todas suas posses na inundação.

Segundo as primeiras informações oficiais de ontem, as autoridades locais já falam em 500 mortos por afogamento na cidade. Os corpos começam a aparecer na medida em que a água e a lama vão baixando. “Tenho ouvido esses relatos, mas estamos à espera da confirmação da defesa civil daqui. Mas é muito possível (que isso seja verdade) uma vez que agora a água está baixando e as pessoas estão encontrando mais mortos”, conta. A Agência Reuters publicou a informação que ela cita. “A água está calma agora e nós estamos descobrindo mais corpos. Nós encontramos 495 corpos até agora e há 13 pessoas desaparecidas”, disse o comissário de polícia Ernst Dorfeuille.

Acabei por perguntar a ela como foi o trabalho para chegar até Gonaives e cobrir o furacão logo quando ele estava passando, pois, em 2004, o Jeanne deixou um rastro de impacto mas a imprensa internacional somente chegou lá com a ONU. “O Jeanne foi muito bem como Hanna, uma tempestade imprevisível que pegou muitos de surpresa. O Miami Herald enviou um repórter que escreveu várias histórias sobre a devastação que existe na cidade. E da mesma forma que as pessoas em Gonaives aprenderam a correr para terrenos mais elevados – quer uma montanha ou telhados – os repórteres também têm de ser aprendido com o olhar. Eu comecei a descrever Gonaives debaixo d’água na terça-feira pela manhã”, diz.

Com as grandes proporções da tragédia, o trabalho de reportagem também fica difícil por conta de deslocamentos. “É muito difícil chegar ao redor da cidade uma vez que você está lá, por isso o melhor é que você pode fazer o levantamento cena e falar com as pessoas. As pessoas estão com muita raiva e eles continuam assustados agora que mais duas tempestades estão a caminho e podem afetar Haiti. Lembre que o furacão Hanna foi projetado para passar ao longo das Ilhas Turcas, não pelo Haiti, mas ainda assim causou um grande número de mortes”, afirma. No Miami Herald, há uma página para visualizar a rota de cada um dos furacões desta temporada.

A repórter também comentou comigo sobre a cobertura da imprensa internacional por lá. Ela já foi acusada pelo Haiti Information Projet (HIP) de ser uma voz anti-Aristide lá por ter omitido, segundo o HIP, as reais dimensões das manifestações favoráveis a ele. Indagada sobre a qualidade da cobertura da imprensa diante dos problemas do país, Charles responde: “Pessoalmente não tenho queixas sobre a cobertura do Miami Herald. Penso que cobre todos os aspectos do Haiti e da vida haitiana. No que diz respeito à maneira como os outros cobrem, eu realmente não presto atenção a menos que exista uma história que interesse a mim ou aos nossos leitores”.

O que disse Michèle Pierre-Louis

Aproveitei a confirmação da nova primeira-ministra haitiana, Michèle Pierre-Louis, para destacar algumas frases suas – faz parte da série que publico frequentemente aqui com intelectuais, diplomatas, lideranças e políticos. Para aguardar sua posse teve até que agüentar desencontros e boicotes, como descreveu essa reportagem do Miami Herald. A economista era diretora-executiva da ONG Fondation Konesans ak Libète (Fokal), que trabalha com projetos sócio-educativos. Seu financiamento parte de entidades da União Européia e também do “ex-megaespeculador” George Soros.

Ela é professora de “Ciências da Cultura do Caribe” e “Grandes Civilizações”, na Universidade Quisqueya, em Porto Príncipe. Nasceu em Jérémie (sudoeste do Haiti) em outubro de 1947. Nos anos 1980, foi uma das líderes da campanha da Missão Alpha de alfabetização da Igreja Católica no Haiti. A nova primiera-ministra, assim como René Préval, também fez parte do primeiro governo de Jean Bertrand Aristide. Em 1991, ela foi pertencia ao gabinete do líder do Lavalas.

Michèle dividirá com outras mulheres o primeiro staff do governo do presidente René Préval. Como Marie Laurence Jocelyn Lassegue, no ministério da Condição Feminina; Gabrielle Prévilon Beaudin, na pasta dos Assuntos Sociais, e Marie Josée Garnier, chefe do ministério do Comércio. Pierre-Louis também colaborou na revista “Chemins Critiques” e, como escritora, ganhou um prêmio por um romance em 2001. Essa biografia chegou via EFE e AlterPress.

Vejam alguns pensamentos dela citados em seu discurso de governo, lido em francês e creoule aos deputados e senadores. Aqui, numa tradução livre minha:

Hoje, nosso país passa por um momento difícil. As grandes decisões impostas à nação nem sempre repetem os mesmos problemas. É preciso coragem individual e espírito coletivo para escrever um novo capítulo e refletir sobre um novo curso após a crise que vive o Haiti, sua história, sua cultura, o seu futuro, o seu povo; e ser um coletivo que nos una para o centro das preocupações do Estado e da sociedade. E, agora, mais de quatro meses que manifestantes ganharam as ruas de Cayes, Port-au-Prince, Gonaives e outras cidades para protestar contra o aumento do custo de vida e para manifestar a sua preocupação face a esta situação geral país. Há alguns meses atrás, elevou-se a angústia do país diante à subida dos preços de produtos básicos: arroz, milho, ervilha, farinha, bananas, inhames, batatas etc., que a maioria dos haitianos come todos os dias e estava cada vez mais difícil de adquirir. Apesar dos esforços desenvolvidos no governo anterior, a população ainda aguarda as ações que podem mudar as suas condições de vida, criar empregos e incluir todos os cidadãos, todos os cidadãos na vida nacional.

E, quando aceitei a escolha do presidente, eu disse a mim mesma que gostaria de me envolver em uma primeira batalha de valores: solidariedade, honestidade, responsabilidade, superação, respeito, todos estes valores combinados com uma idéia de país, uma idéia de que este país também tem sofrido em sua história, e ainda sofre muito. Eu pensava que era a hora de pôr de lado preconceitos e práticas guardadas em nós mesmos. Esta é a batalha de valores, na qual o povo do Haiti também se dedica, que está na base da luta contra a negação do acesso, contra a corrupção, contra as manobras políticas, a luta pela educação, saúde, trabalho, justiça para todos, a luta pelas crianças e jovens deste país. Para que eu possa executar plenamente a luta contra o que eu acabei de referir, acredito que eu não tenha acabado de superar obstáculos. As negociações não são fáceis. Concordo em fazer compromissos necessários nesta situação difícil. Também faz parte da política. Mas, hoje, a coisa importante para mim é colocar-me a trabalhar desde que obtenha o voto de confiança de ambas as Casas (Senado e Câmara), contando com um governante solidário, empenhado, disposto a trabalhar com o Parlamento e com todos os parceiros: sindicatos, associações e grupos populares, os agentes locais, o sector empresarial privado, os partidos políticos e a comunidade internacional.

AGRICULTURA
“A agricultura é um importante vetor de crescimento e de combate à crise de alimentos que vimos em abril de 2008.Mas vamos começar com uma observação: a agricultura contribui com 25% do Produto Interno Bruto haitiano, enquanto que fornece 50% dos postos de trabalho em geral, e 80% postos de trabalho nas zonas rurais. Isto significa que o nível de produtividade é muito baixo e a área também é pouco competitiva. Ao mesmo tempo, uma população rural jovem, que espera empregos e oportunidades em nichos de mercado para além da agricultura. Isto significa também que não há necessariamente correspondência entre as oportunidades e aspirações. Por isso, temos de fazer a nossa agricultura mais atraente, mais eficiente e mais competitiva.”

EDUCAÇÃO
“Para falar de educação, optei por começar com as crianças. Com efeito, qualquer mudança começa na primeira etapa das crianças. Educar uma criança é programar uma futura geração, é com a criança que se inicia a mudança de uma sociedade. (…) Em nosso plano de combate à pobreza (DSNCRP), o capítulo sobre educação é o mais rico em estatísticas e indicadores quantitativos. Mas, acima de tudo, os interesses maiores nesta área são o da qualidade. E aqui também há uma profunda desigualdade na distribuição de qualidade da educação e a oferta escolar. As conseqüências desta situação são também sentidas no desempenho acadêmico. Os êxitos são diferenciados por fatores como moradia e padrão de vida. E, depois, o pobre sente uma diferença significativa na comparação com aquele que pode pagar.”

SAÚDE
“O setor da saúde é o segundo eixo do plano dedicado ao desenvolvimento humano. Abordando a questão da saúde estamos falando sobre a importância da vida. Se for verdade que é importante realizar reformas sérias na área da saúde, que os governos anteriores comprometeram-se em diferentes graus, é igualmente importante também a trabalhar para a melhoria do acesso aos serviços sociais básicos: o acesso à água potável, principalmente, que tem um impacto positivo e mensurável sobre a saúde da população. No setor da saúde, os principais indicadores utilizados são: a redução da mortalidade infantil (atualmente 57 por mil), a redução da mortalidade materna (630 a cada 100 mil) e à luta contra as grandes pandemias (HIV, malária, tuberculose), sem esquecer a luta contra o câncer de mama e colo de útero. Para avançar nestes objetivos, a ênfase será colocada na melhoria dos serviços, na intensificação dos programas de prevenção concentrados na água e no saneamento básico, em conjunto com outros órgãos interessados (prefeituras, estados, ministérios e outros).”

Rastro de desespero do furacão em Gonaives

O Senado haitiano, no dia da aprovação do nome da nova primeira-ministra, declarou estado de emergência na cidade de Gonaives, que ficou completamente inundada pelo furacão Hanna. Mais de 150 mortos são confirmados até agora. A cidade é a mesma que foi devastada pela tempestade tropical Jeanne, em 2004. A região deixou está quase isolada do país, pois as estradas da capital até lá são péssimas e estão submersas. O Miami Herald fez a melhor descrição até agora da passagem do furacão por lá. Reproduzo um trecho traduzido livremente quando a repórter Jacqueline Charles conta a história desesperadora de uma família atingida pelo furacão.

Em seu terceiro dia sem alimentos ou água, Fleurie Benita anda com dificuldade pela alta camada de lama, equilibrando suas posses na cabeça, com a incerteza do que fazer e do que está por vir. A cada passo, a mãe de quatro filhos recorda as ofuscantes cortinas de chuva e o som da morte batendo à sua porta. E então sua desesperada decisão. ‘Peguei as crianças e corri. Nós corremos para a casa de um vizinho’, disse Benita, 24 anos, que como muitos outros conseguiram ter sucesso ao desafiar a devastadora chuvarada da tempestade tropical Hanna para salvar sua vida. ‘A água nem sequer deixou uma cama para eu dormir. Até as vasilhas e as panelas foram levados embora’.”

Um dos filhos de Benita se enchia de lama enquanto, sem qualquer roupa, tirava as coisas da casa. A fotógrafa do jornal norte-americano fez a seguinte foto.


Na página oficial da Minustah, sigla da missão da ONU no Haiti, há uma nota de que o acesso à cidade de Gonaives, capital do estado de Artibonite, ainda é impossível. “Muitos bairros ainda estão alagados. Muitas estradas do estado, tais como Gros-Morne Pilatos, Gros Morne-Bassin Bleu ou rodovia Marmelade estão interrompidas, resultando no isolamento de muitos municípios”. As agências da ONU estão mobilizadas para tentar atenuar o sofrimento nos locais mais atingidos.

A BBC traz o pronunciamento do coordenador de ajuda humanitária da ONU no país, Joel Boutroue, que contabiliza 600 mil pessoas que necessitam de ajuda. Em Gonaives, segundo ele, 70 mil estão amontoados em abrigos temporários. Como a cidade é costeira, a elevação de dois a três metros no nível das águas inundou boa parte das ruas e casas. O número exato de vítimas pode só ser conhecido depois que as águas baixarem. Com o Jeanne também foi assim. Corpos submersos foram aparecendo ao longo dos dias.

Gonaives é uma das principais cidades do interior do Haiti e tem um significado histórico por ser um dos focos do movimento dos ex-escravos que conquistou a independência do país. Depois de três dias de chuvas e alagamentos, o Haiti precisa de ajudar suas vítimas e já se preparar para a chegada do furacão Ike de categoria 4 numa escala de cinco. Para ver um pouco mais sobre a área de formação das tempestades, veja o infográfico do National Hurricane Center, sediado em Miami.

Enfim nomeada a nova premier haitiana

O vácuo de um executivo no cargo de primeiro-ministro no Haiti vinha desde abril, quando o Congresso havia dado um voto de censura contra Jacques Edouar Alexis, acusando-o de não saber lidar com a crise dos alimentos. Desde então, René Préval indicou outros dois nomes, Eric Pierre e Robert Manuel, também rejeitados. A terceira indicação, a da economista Michele Pierre Louis, encarou um périplo na Câmara e no Senado para ser aprovada. O nome foi ratificado finalmente na madrugada de hoje (5).

O nome foi aprovado por 16 votos favoráveis e uma abstenção. O número exato de votos necessários. Numa prévia da votação, os senadores lhe dariam 15 votos e duas abstenções. Mas uma articulação política mudou um voto e conseguiu aprovar unanimidade necessária para o nome da economista. Sua indicação foi turbulenta. Até acusações e preconceitos contra sua sexualidade foram colocados em público. Ela discursou durante uma hora nesta madrugada para falar sobre seu programa de governo.

A oficialização de Pierre-Louis também acontece após a passagem de dois fortes furacões pelo Haiti, que, juntos, mataram pelo menos 150 pessoas e afundaram novamente a cidade de Gonaïves, uma das principais do interior.

Temporada de furações no Haiti

O Haiti, no meio do Caribe, está próximo à área de formação de furacões do Atlântico. Eles geralmente se formam a partir de tempestades que se originam no oceano Atlântico, passam pelo Haiti, seguem por Cuba e só depois chegam ao sul dos Estados Unidos. E agora a temporada está aberta. Quem conhece o trabalho de prevenção de desastres naturais sabe que o estrago é sempre maior quando furacão passam por áreas pobres, desprovidas de habitação e infra-estrutura decente. Em 2004, semanas após o jogo entre Brasil e Haiti, o furacão Jeanne chegou a matar mais de 3 mil pessoas no Haiti. Depois dele, já vieram muitos, sempre com algum impacto nos locais mais pobres. Nesta imagem de hoje do site da Nasa, dá para ver o final do furacão Gustav.

O Gustav passou no final de agosto no Haiti. Morando em Petionvile, na capital Porto Príncipe, o embaixador brasileiro Igor Kipman enviou o seguinte relato. “O furacão Gustav, de magnitude 1 da escala Saffir-Simpson em sua passagem pelo Haiti, passou nos últimos dias 26 e 27 de agosto pelos departamentos [estados] do Sul, Nippes, Sudeste e Grand’Anse, causando morte e danos materiais nessas regiões. Oficialmente, 77 pessoas morreram e 8 estão desaparecidas devido às chuvas torrenciais e fortes ventos causados pelo Gusvtav. A cidade de Jérémie, no departamento de Grand’Anse foi uma das localidades mais atingidas pelo ciclone. Rios transbordaram e a cidade ficou parcialmente alagada dado o grande volume de precipitação verificado”, escreveu por e-mail com algumas fotos em anexo – uma delas reproduzo a seguir.

Pelo Global Voices, o Janine Mendes-Franco organizou alguns relatos de blogueiros por lá. Um bom foi o do Theo, do blog Pwoje Espwa. “Os rios estão transbordando, já que as montanhas desmatadas não conseguem absorver a chuva. Nós estamos ouvindo sobre muitas pessoas indo para os hospitais com bebês doentes, e que muitos perderam suas plantações, e que haverá menos crianças indo para a escola neste ano acadêmico. O Haiti não precisava disso neste momento. Os preços dos alimentos e dos combustíveis dispararam, dando motivo para manifestações políticas que podem tão facilmente se tornar violentas”, descreveu. “Muitas casas foram destruídas; toneladas e toneladas e produtos agrícolas foram inundados; mais de 60 Haitianos morreram nos últimos dias.”

Depois de Gustav, veio Hanna. No Washington Post, um vídeo da Associated Press com visões aéreas dos alagamentos. Eles fizeram também um infográfico para acompanhar a rota e a intensidade do furacão. No Haiti Innovation, também repercutia o assunto. A BBC reproduziu a fala do presidente René Préval ao comentar que seu país está vivendo uma “catástrofe”, ao ser atingido pela mais recente de três tempestades que mataram 170 pessoas e forçaram milhares a abandonar suas casas. “Nós estamos em uma situação realmente catastrófica”, afirmou o presidente, que pretende realizar conversações em caráter de emergência com representantes de países doadores para pedir ajuda humanitária. Segundo Préval, a mais recente tempestade a atingir o Haiti, Hanna, pode causar ainda mais danos do que o furacão Jeanne.