O abade francês contra a escravidão negra

Aproveito a retomada do blog para fazer um complemento ao texto que escrevi na Revista História Viva sobre a independência haitiana e a luta contra a escravidão. É um capítulo francês deste momento. É a repercussão das idéias libertárias de um abade francês, chamado Henri Gregóire, que condenava o tráfico negreiro, o preconceito racial e a postura autoritária sobre a colônia de São Domingos.

O francês nasceu em 1750 em Veho, Lorraine. Foi ordenado em 1775. Na convocação dos Estados Gerais (organização formada por integrantes da nobreza, do povo e do clero), em 1789, nas margens da Revolução Francesa, Gregóire foi eleito deputado. Por sua atuação, foi essencial para o fim das subvenções do governo francês ao comércio negreiro e, posteriormente, pela abolição da escravatura nas colônias.

Manteve freqüente correspondência com o líder haitiano Toussaint Loverture, que comandou a maior parte da chamada Revolução de São Domingos, o marco da independência do Haiti. Gregóire se opôs violentamente à força expedicionária de 1801, encarregada de restabelecer a escravidão nas Antilhas. O exército de Napoleão enviado para a ilha de São Domingos sofreu uma devastadora derrota da rebelião dos negros.

Desde 1789, o abade fez parte da Sociedade dos Amigos dos Negros, instituição que difundia idéias abolicionistas. Vale lembrar uma de suas citações na abertura do livro “De littérature dês Nègres”, inspirado nas ações da entidade, em que cita uma longa lista de intelectuais e personalidades de pensamentos abolicionistas de diversos países europeus e dos Estados Unidos. Mas nenhum de Portugal. Segundo ele, a metrópole lusitana ignorava os negros como parte da humanidade.

Vários autores já escreveram sobre o abade francês. Navegando pela internet dá para encontrar o artigo do professor Marco Morel, do Departamento de História da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sobre Gregóire. O historiador nos lembra a célebre frase que o abade disse pouco antes do início da Revolução São Domingos. “(…) que um dia nas costas das Antilhas o sol iluminará homens livres e que os raios do astro que espalha a luz não cairão mais sobre ferros e escravos”.

Também achei um site traduzido para o português “A Rota das Abolições da Escravidão e dos Direitos Humanos” que traz um resumo da história dele, como exemplo da luta contra a abolição junto com Toussaint Louverture, Victor Schoelcher e os habitantes de Champagney. De lá, reproduzo o trecho da negociação entre Haiti, ex-colônia, com a Franca, ex-metrópole, pelo reconhecimento da independência.

“Em 1825, quando os representantes de Haiti chegam a Paris para cobrar o reconhecimento da independência do seu país pela França, fica proíbido – pelas autoridades francesas – todo e qualquer encontro com Gregoire. Desafiando a interdição oficial, os haitianos vão se inclinar ao pé de quem tinha sido proclamado o amigo dos homens de todas as cores.”