Parque Iguaçu é “sitiado” por transgênicos

O Parque Nacional do Iguaçu, o segundo criado no país, tem 185 mil hectares – pouco mais do que toda área da cidade de São Paulo – e está sitiado por um arco de soja transgênica. A história do plantio de organismos geneticamente modificados nas regiões próximas às unidades de conservação, onde, em tese, a biodiversidade precisaria ser preservada a todo custo, é um capítulo na grande pressão exercida por grandes agricultores e empresas de tecnologia agrícola para a legalização de um novo modelo de produção no Brasil. Baseado no uso extensivo de agrotóxicos e transgênicos da Monsanto para aumentar exponencialmente a produtividade de uma commoditie muito requisitada no comércio internacional. Mesmo que isso custasse atropelar a legislação ambiental brasileira.

Na fronteira com 14 municípios, o parque nacional está na ponta de um verdadeiro corredor da soja no Paraná, que começa na região de Londrina e segue até depois de Cascavel. Na sua parte norte, próximo a São Miguel do Iguaçu, Medianeira, Matelândia e Céu Azul, o plantio da soja chega até o limite do parque. A região sofreu a mesma pressão da entrada das sementes transgênicas contrabandeadas até a legalização do plantio por medida provisória do presidente Lula em 2003 sem a elaboração de estudos de impacto ambiental. A situação limítrofe do parque nacional ficou legalmente insustentável em 2006 quando foi comprovado que sojicultores plantavam soja transgênica dentro da zona de amortecimento, cuja extensão é de dez quilômetros, apesar das restrições da Lei de Biossegurança (11.105/05).

Uma denúncia da organização não-governamental Terra de Direitos originou uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em março de 2006, contra o plantio de transgênicos próximo ao parque. Treze proprietários de terra de lavouras de soja modificada foram multados e tiveram produção embargada, inclusive um campo experimental da multinacional Syngenta com suspeitas de plantio ilegal até de milho transgênico, variedade então proibida no Brasil. A maioria dos multados eram ligados à Cooperativa Agroindustrial Lar, uma das maiores do país, com financiamento no BNDES e que receberia quase 8 milhões de sacas de soja naquele ano. A cooperativa classificou a fiscalização do Ibama de ação irracional e começou o contra-ataque político.

A Lar articulou um grupo político para fazer o lobby em defesa dos transgênicos e para liberar a soja embargada. Num estado em que o governado Roberto Requião tinha marcado suas posições contra os transgênicos, os principais interlocutores dos sojicultores foram o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, o diretor brasileiro da Itaipu Binacional, Jorge Samek, e o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Foi fundada até uma entidade para reunir a articulação, chamada A-PROLI (Associação dos Produtores Rurais Lindeiros ao Parque Nacional do Iguaçu). O presidente Lula, quando visitou Foz do Iguaçu durante sua campanha eleitoral no segundo turno, aceitou prontamente as demandas dos agricultores. Mudou a lei para permitir o crime ambiental dos produtores de soja.

Lula editou a Medida Provisória 327 que reduziu a proibição do plantio de OGMs nas zonas de amortecimento das unidades de conservação. A MP 327 revogou o artigo 11 da Lei 10.814/03, que proibia o plantio de OGMs por 10 quilômetros do limite das unidades de conservação e terras indígenas. A distância mínima para o plantio passa a ser determinada caso-a-caso para cada uma das variedades transgênicas. Em conjunto, publicou um decreto que definia como 500 metros a distância do parque que deveria estar livre de soja transgênica resistente ao herbicida glifosato. A edição do Decreto nº 5.950 repetiu a fórmula de mudanças na lei sem a elaboração de estudos ambientais.

Na votação no Congresso, as emendas apresentadas na MP 327 ainda conseguiram liberar o algodão transgênico e reduzir o quorum necessário para aprovar novas variedades na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) – leia redação final da lei sancionada pelo presidente. Todas as alterações geraram reações de entidades ambientalistas. A redução da área de contenção ainda é uma polêmica. A ONG Terra de Direitos considera ilegal e inconstitucional as mudanças.

Outro proprietário é o próprio diretor-presidente da Cooperativa Lar, Irineo da Costa Rodrigues. Ele, um dos articuladores da redução da zona de amortecimento, planta OGMs em sua propriedade também no município de Matelândia, a cerca de 5 quilômetros da unidade de conservação. Rodrigues vende sua produção para a própria cooperativa. A propriedade de Irineo da Costa Rodrigues pode ser encontrada pelo georeferenciamento 25º13’52.40” S e 53º57’01.10” O – dá para ver pelo Google Earth.

Na última colheita de soja na safra 2007/2008, na região lindeira ao Parque Nacional do Iguaçu, pelo menos dois grandes proprietários cultivaram variedades transgênicas a menos de 10 quilômetros do parque nacional. Não há registro de transgenia a menos de 500 metros. O primeiro proprietário é Anélio Rota, de Céu Azul (PR) que usou soja modificada numa área bem próxima à sede de sua empresa, o Moinho Rota, e vendeu sua produção à cooperativa Lar. A produção estava a cerca de 6 quilômetros do parque. A propriedade de Anélio Rota pode ser encontrada pelo georeferenciamento 25º10’30.80” S e 53º54’44.60” O.

* esta apuração é um trecho ampliado do que foi publicado no relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis – impactos das lavouras na terra, no meio e na sociedade”, da Repórter Brasil.

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