A fragmentação política do Haiti

No final de julho, o Congresso aprovou o nome da nova primeira-ministra do Haiti, Michéle Pierre-Louis. O fato parece ser um acalanto para a última instabilidade política do país. Após as manifestações contra a inflação cavalar dos alimentos no Haiti, o ex-primeiro ministro recebeu voto de censura do Congresso (pois o sistema é parlamentarista) e uma série de novos nomes indicados pelo presidente René Préval foram recusados. Isso aconteceu exatamente porque a distribuição partidária do país é extremamente fragmentada, com muitos partidos e de difícil coalizão.

O fato de a última eleição geral, em 2006, ter registrado mais de 30 candidatos na disputa reflete essa fragilidade da recente democracia do país. Há um analista independente da ONU, Louis Joinet, que já fez ponderações nesse sentido. Para ele, essa fragilidade é uma das origens da própria instabilidade institucional. E citou a aprovação da moção de censura, com participação da base governista no Congresso, e que acabou por derrubar o primeiro-ministro durante os protestos pela inflação dos alimentos. Joinet cita que não existe uma disciplina partidária, nem uma discussão mais aprofundada de fidelidade a um programa partidário.

É claro que o René Préval ainda tem a legitimidade por ter sido um presidente eleito, mas precisa enfrentar a confusão do jogo político, nem sempre coerente, coeso e simples de dialogar, sobretudo, quando estão em jogo interesses pessoais dos parlamentares.  Aproveito aqui também para repercutir um post do antropólogo e blogueiro José Renato, que reflete a queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide – incluindo, as pressões políticas contra ele e sua ajuda para armar seus seguidores. O título do post é provocativo: “Fabricando ditadores?“.

Terceira indicação para primeiro-ministro no Haiti

O presidente haitiano, René Préval, indicou o terceiro nome para assumir o cargo de primeiro-ministro de seu governo. Desta vez é uma mulher, a economista Michele Pierre-Louis, que atualmente é diretora de uma organização não-governamental. A nomeação está indefinida desde os protestos populares contra a inflação dos alimentos, época em que o ex-premier Edouard Alexis recebeu veto de censura do Senado haitiano.

René Préval

Os outros dois nomes foram recusados: Ericq Pierre, ex-dirigente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, e Roberto Manuel, ex-secretário de Segurança da última gestão de Préval como presidente. Ambos foram rejeitados por requisitos constitucionais – o primeiro não era filho de cidadãos haitianos e o segundo não comprovou que morou no Haiti nos últimos cinco anos.

Manuel, inclusive, enfrentava a oposição de movimentos sociais que o acusavam de ter comandado um massacre no bairro de Cité Soleil, em 1996, quando a ONU também mantinha uma missão no país. Algumas matérias atuais, como a da Reuters, citam que ele teve problemas políticos. A verdade nua e crua era que ele comandou uma repressão contra manifestantes e grupos armados que resultou na morte de 10 pessoas.

Justamente o período de residência no Haiti que ele não pôde comprovar ao Congresso foi o tempo em que ele ficou fora do país após a repercussão negativa da ação em Cité Soleil. Manuel é amigo pessoal de René Préval e tinha o apoio de membros da elite haitiana, que cobram uma “mão forte” para acabar com seqüestros e a violência no país. Assim, como também fazem pressão sobre os militares das Nações Unidas.

A nova indicação de Préval, a economista Michele Pierre-Louis, é diretora-executiva da ONG Fondation Konesans ak Libète (Fokal), que trabalha com projetos sócio-educativos. Seu financiamento parte de entidades da União Européia e também do “ex-megaespeculador” George Soros. O trabalho da entidade inclui incentivo à elaboração de bibliotecas, métodos educacionais de ensino fundamental e espetáculos artísticos.

Michele Pierre-Louis

Pela rede internética a voar, é fácil encontrar um texto de Pierre-Louis que discute as causas da morte do jornalista Jean Dominique, assassinado em 2000 em frente à rádio de onde transmitia seu programa às 7 horas da manhã. Sua execução foi investigada num inquérito policial cheio de inconsistências. O artigo aponta problemas políticos do país de oito anos atrás. E que veríamos se repetir. Grupos armados, assassinatos planejados e cerceamento da liberdade de imprensa.