A vida na nuvem…. de tags

wordle

o amigo rodrigo savazoni indicou o wordle e eu achei muito bom para brincar de coisa séria. uma boa metáfora da vida recentemente, uma nuvem… de tags. coloquei lá um trecho do haitiano Dany Laferrière. e  virou isso aí: um concretismo haitiano, forjado e remixado na net.  escrevo hoje para contar que há tempos não escrevia por aqui. o final de 2008 e toda esta década dos primeiros meses de 2009 foram tempos de muitas mudanças. no mundo, obama foi eleito e tomou posse.  o haiti comemorou. contudo, pouco mudou para aqueles negros de lá.  a crise se aprofundou imensamente. e isso muito mudou para eles. bilhões de dólares foram gastos pelo mundo contra a quebra de empresas e das bolsas. se uma pequena parte tivesse sido usada para os pobres haitianos, a discussão em julho agora seria outra. mas o mundo não gira assim. nem a onu. ah… colaborei com a revista on-line terra magazine neste primeiro semestre de 2009. muita gente deu pitacos e petelecos bons por lá.  dei os meus também.  mas no segundo semestre os vôos serão outros. vou falando, vou falando…

Publico.Org, algo inovador no jornalismo

Conheci em São Paulo por meio do Rodrigo Savazoni e do André Deak um grupo de comunicadores realmente impressionante. Que traz discussões quentes para a prática do jornalismo – sua crise, superação e seus novos desafios. Um dos projetos discutidos e formatados por este grupo é o Publico.Org, uma experiência jornalística de protagonismo jovem na periferia de São Paulo.

Coisa de quem realmente vê que a crise do jornalismo também é superada com debates e envolvimentos de quem está atento a novos olhares. Principalmente aqueles que surgem fora do eixo prepotende do main-streaming, e que às vezes está numa laje de favela. A proposta está na corrida para obter financiamento do Knights News Challenge. Leia mais sobre o projeto e vote por esta página.

publicoorg

Twitter #rodaviva sobre comunicação pública

Aqui deixo a cópia das inserções no twitter dos bastidores do programa Roda Viva, da TV Cultura, que gravou nessa terça-feira com a diretora-geral da BBC, Janna Bennett. O conteúdo está no blog em ordem inversa. Os primeiros updates estão lá embaixo. Junto comigo na bancada dos twitteiros do Roda Viva, estavam Lucia Freitas e Barbara Dieu. Entre os entrevistadores estavam Lilian Witte Fibe, Carmen Amorim, Patricia Kogut, Eugenio Bucci, Lucia Araujo, Nelson Hoineff. A entrevista foi exibida experimentalmente on-line ao lado de todas as inserções com a marca #rodaviva no twitter. A fórmula é interessante e está em teste. Conversando com a Lia Rangel, ela comentou que a exibição foi marcada em cima da hora. Apesar disso, achei boa a participação. Horário em que as pessoas estão na net, talvez pela conexão em seus respectivos trabalhos.

Barbara Dieu comentou que é necessário mais interação entre as pessoas do twitter e o programa. Acho que tem melhorado. Hoje, as pessoas podiam mandar perguntas via twitter e via e-mail. Embora poucas (se não me engano quatro apenas) tenham sido feitas realmente à entrevistada. André Deak, o Radar Cultura e o Paulo Fehlauer já escreveram sobre as experimentações no Roda Viva. O search.twitter ajuda a mostra tudo sobre a tag #rodaviva. Em relação à entrevista, acho que foi mediana. Bennett é uma executiva de programação, mais envolvida com a parte de seriados e documentários, mas com pouca relação com o jornalismo. Suas respostas foram afirmativas, mas pouco detalhadas. E os entrevistadores não pediram exemplos de suas formulações sobre publicidade, audiência e conteúdo. Aí deixou a desejar. Contudo, vale por discutir direito à comunicação em horário nobre.

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Reportagem no olho do furacão Hanna

Este post é uma troca de impressões entre um blogueiro e uma repórter que viu o estrago do furacão Hanna no Haiti. Sobretudo o impacto na cidade costeira de Gonaives. Troquei e-mails entre ontem e hoje com a correspondente do Miami Herald no Caribe, Jacqueline Charles, e publico aqui com exclusividade alguns relatos de como andam as coisas por lá depois da passagem do Hanna e na espera da tempestade Ike, prometida para as próximas horas. Charles publicou ontem em seu jornal um agoniante relato sobre a família de Fleurie Benita, 24 anos, mãe de quatro filhos, e que perdeu todas suas posses na inundação.

Segundo as primeiras informações oficiais de ontem, as autoridades locais já falam em 500 mortos por afogamento na cidade. Os corpos começam a aparecer na medida em que a água e a lama vão baixando. “Tenho ouvido esses relatos, mas estamos à espera da confirmação da defesa civil daqui. Mas é muito possível (que isso seja verdade) uma vez que agora a água está baixando e as pessoas estão encontrando mais mortos”, conta. A Agência Reuters publicou a informação que ela cita. “A água está calma agora e nós estamos descobrindo mais corpos. Nós encontramos 495 corpos até agora e há 13 pessoas desaparecidas”, disse o comissário de polícia Ernst Dorfeuille.

Acabei por perguntar a ela como foi o trabalho para chegar até Gonaives e cobrir o furacão logo quando ele estava passando, pois, em 2004, o Jeanne deixou um rastro de impacto mas a imprensa internacional somente chegou lá com a ONU. “O Jeanne foi muito bem como Hanna, uma tempestade imprevisível que pegou muitos de surpresa. O Miami Herald enviou um repórter que escreveu várias histórias sobre a devastação que existe na cidade. E da mesma forma que as pessoas em Gonaives aprenderam a correr para terrenos mais elevados – quer uma montanha ou telhados – os repórteres também têm de ser aprendido com o olhar. Eu comecei a descrever Gonaives debaixo d’água na terça-feira pela manhã”, diz.

Com as grandes proporções da tragédia, o trabalho de reportagem também fica difícil por conta de deslocamentos. “É muito difícil chegar ao redor da cidade uma vez que você está lá, por isso o melhor é que você pode fazer o levantamento cena e falar com as pessoas. As pessoas estão com muita raiva e eles continuam assustados agora que mais duas tempestades estão a caminho e podem afetar Haiti. Lembre que o furacão Hanna foi projetado para passar ao longo das Ilhas Turcas, não pelo Haiti, mas ainda assim causou um grande número de mortes”, afirma. No Miami Herald, há uma página para visualizar a rota de cada um dos furacões desta temporada.

A repórter também comentou comigo sobre a cobertura da imprensa internacional por lá. Ela já foi acusada pelo Haiti Information Projet (HIP) de ser uma voz anti-Aristide lá por ter omitido, segundo o HIP, as reais dimensões das manifestações favoráveis a ele. Indagada sobre a qualidade da cobertura da imprensa diante dos problemas do país, Charles responde: “Pessoalmente não tenho queixas sobre a cobertura do Miami Herald. Penso que cobre todos os aspectos do Haiti e da vida haitiana. No que diz respeito à maneira como os outros cobrem, eu realmente não presto atenção a menos que exista uma história que interesse a mim ou aos nossos leitores”.

Haiti, por Sérgio Ranalli

Durante os protestos dos haitianos contra o aumento do preço dos alimentos, um fotógrafo brasileiro estava lá para registrar as imagens. Era Sérgio Ranalli. Em seu blog, ele conta um pouco de sua viagem. Vale dar uma olhada. Destaque para uma série que ele fez sobre a fome e a variedade das comidas. No caso dos protestos, as fotos estão bem focadas nas tropas da ONU. Aliás, não consegui ver quem tivesse ouvido o grupo organizador dos protestos para explicar mais detalhadamente as ações. Ele escreveu um belo depoimento sobre o olhar das crianças.

Arquivo do Biondi: caixas e cuias

O arquivo do Aloysio Biondi, cujo projeto de organização participo desde 2002, já está devidamente guardado em caixas para a futura doação a uma instituição pública de ensino superior. Tem uma nota no blog do projeto. Junto com o site de sua obra, que lançamos no ano passado, esse será um passo definitivo para garantir que o público tenha acesso ao pensamento de um dos principais jornalistas do país. Abaixo aí uma foto do trabalho final da organização. Sou eu lá no canto.

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Repórter do Futuro 2.0

O projeto Repórter do Futuro, da Oboré, lançou um site experimental para mostrar a cobertura dos estudantes de jornalismo que acompanharam o Fórum Nossa São Paulo, evento que discutiu os desafios da maior metrópole brasileira. Depois vejam lá. Cobertura legal com fotos, vídeos, twiter e textos. Rodrigo Savazoni, André Deak e Paulo Fehlauer organizaram a equipe.

A luta contra a escravidão no Brasil

Trabalhar na Repórter Brasil em meu retorno para São Paulo foi uma experiência importantíssima para tomar contato com o “Brasil profundo” – aquele de milhares e milhares trabalhadores rurais explorados e oprimidos. Comandada pelo cientista político e jornalista Leonardo Sakamoto, a Repórter Brasil tem um trabalho essencial atualmente na luta contra o trabalho escravo no país.

É na Repórter Brasil que se originou a atual fase de mobilização social que questiona o ganho econômico dos escravocratas. Explico. Em 2004, a organização não-governamental elaborou uma pesquisa em que mapeava a cadeia de comercialização de produtos originados em fazendas flagradas pelos grupos móveis de fiscalização do trabalho escravo.

Descobriu-se assim a lista de supermercados, redes de distribuição de combustíveis, frigoríficos, tradings e uma infinidade de empresas que usavam esses produtos. Surgiu então o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, com mais de uma centena de signatários e cujo monitoramento é feito pela Repórter Brasil ao lado do Instituto Ethos e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 
 

 

 

 

 

 

Recentemente, entidades que lutam contra essa violação de direitos organizaram uma mobilização no Congresso Nacional. E lançaram um abaixo-assinado pedindo a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê a expropriação de terras flagradas com trabalho escravo. Essa lei seria uma grande arma para punir fazendeiros que insistem em explorar trabalhadores a todo custo. Deixo o link para quem se interessar em assinar a favor da PEC.

 

 

MP da TV pública segue para caneta de Lula

Passou… A votação da medida provisória que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) terminou no Senado com um polêmico desfecho. Manobras da base aliada para aprová-la, sob o coro de “o troco do fim da CPMF”, e protestos da oposição, que deixou o plenário durante a votação. Não houve alteração do texto aprovado pela Câmara dos Deputados, então o texto segue direito para sanção presidencial. Foi um drible, já disse o André Deak. Lá, sobrou discussão e faltou debate substantivo sobre o tema.

Na verdade, a MP chegou no Senado como projeto de lei de conversão (PLV 02/2008), como na Câmara foi proposto. “O processo de votação [no Senado] só não varou a madrugada por conta de uma manobra do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que recomendou à base aliada que rejeitasse a Medida Provisória (MP) 397, (…) por já existir, na Câmara, proposta semelhante. Os parlamentares do PSDB e do Democratas, em reação à iniciativa do líder do governo, se retiraram do plenário”, relata a matéria do repórter Marcos Chagas, da Agência Brasil.

A base aliada saiu com gosto de vingança sobre o fim da CPMF mesmo não tendo como recuperar a arrecadação perdida. “Isso foi o troco da CPMF”, afirmou o líder do PTB, Epitácio Cafeteira (MA), aquele da tropa de choque de Renan Calheiros durante sua via crusis de acusações. A oposição promete esbravejar no orçamento. “Nunca mais haverá um acordo nesta Casa. Amanhã não passa nada nas comissões, vamos pedir vistas de tudo. O comportamento será assim, inclusive no orçamento”, grita Arthur Virgílio (PSDB-AM).

Agência Brasil

O balanço das principais alterações na medida provisória é o seguinte:
– aporte do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel);
– proibição de veicular propaganda de produtos e serviços;
– nova redação para “apoio cultural” e “publicidade institucional”;
– criação de uma ouvidoria na EBC;
– a sede e o foro da EBC foram transferidos para Brasília;
– elaboração de relatórios públicos de funcionários;

Clique aqui para ler a íntegra do projeto de lei de conversão. Temas importantíssimos ficaram de fora da discussão. O relator Renato Casagrande (PSB-ES) prometeu enviar as sugestões ao governo. Aí é esperar que ele (o governo) tenha interesse e faça um projeto de lei para novas alterações. De acordo com o texto da Tela Viva, as sugestões são:

– a cota de produção independente que será veiculada;
– regras para os canais públicos nas TVs por assinatura;
– o método de nomeação dos diretores;
– a obrigação de repasse da transmissão de jogos desportivos.

Obs.: escrevo sobre o tema também a partir da demanda dos leitores, porque um post meu sobre as emendas da MP, escrito pouco depois de minha saída da Radiobrás, é até hoje o primeiro resultado no Google.

MP da TV pública, a caminho da votação

Ninguém arrisca bater o martelo na fácil solução (rejeição ou aprovação) da Medida Provisória 398, que uniu duas estruturas de comunicação (Radiobrás e Acerp) para gerar a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). O fim da CPMF está quentinho ainda do forno, mas o tema “comunicação pública” não tem mostrado lá tanto o interesse para os parlamentares. A votação deve ser na próxima semana e o relatório do texto foi apresentado com algumas mudanças sobre as emendas apresentadas.

Aqui, alguns textos sobre o tema:

TV Brasil terá cotas e receita de R$ 150 milhões via tributos
Uma Radiobrás sem ”eira”?
TV pública, os méritos de uma MP
Relator propõe contribuição para financiar TV pública
Sociedade civil pede a aprovação da MP que cria a TV Brasil

Bon Bagay Haiti no topo

Registro que depois de quatro meses da sua publicação na Agência Brasil, o documentário Bon Bagay Haiti ainda é a entrada mais comentadas/blogadas do site. Veja aqui a lista do acumulado do ano. Muita água rolou desde então: este blog cresce rápido, mudei-me para São Paulo e entrei na Repórter Brasil. Vou buscar inscrever o documentário em algumas exibições internacionais também para ampliar a discussão do Haiti.

Primeira ciranda de textos sobre jornalismo

O André Deak, antes de passar uma temporada em Cuba, coordenou o primeiro blog carnival de jornalismo online no Brasil. A idéia foi a seguinte: blogueiros publicaram textos sobre jornalismo na rede e os artigos foram organizados em um blog, como um guia de leitura.

“A idéia, jogada na lista de discussão do Jornalistas da Web, era repetir o modelo do blogs carnivals: vários blogueiros se juntam e publicam textos sobre um determinado tema no mesmo dia. Um deles publica uma coleção com os links de quem escreveu, e assim por diante, mudando apenas o blog que hospeda o guia de leitura”, explica Deak.

Haiti, um grande entreposto comercial?

Sempre me pergunto qual será o futuro do Haiti – esse país miserável, com florestas e agricultura devastadas, sem petróleo ou minérios. Será que o modelo de desenvolvimento passa por maquiladoras, zonas francas de produção com exploração da mão-de-obra? Será um território cuja produção é controlada por multinacionais? Ou manterá um nível de corrupção e tirania por ciclos viciosos?

Hoje, li uma notícia do USA Today que me alertou para uma pista, que há tempos venho farejando. O Haiti pode ser, como a República Dominicana e a Jamaica são, um grande entreposto comercial. Uma região portuária internacional de baixos custos. Seu litoral possui águas profundas para a navegação de grandes embarcações, que passem ou não pelo Canal do Panamá. A “estabilidade” do Haiti interessaria a muitos países.

É com essa idéia na cabeça que li as declarações do presidente René Preval durante discurso anual no Congresso. “O Haiti deve reformar o seu sistema aduaneiro cheio de corrupção e incentivar os investimentos para retirar o conturbado país do Caribe da pobreza”. Segundo ele, os impostos sobre o transporte marítimo de containers de 40 pés chegam a US$ 900, ou seja, três vezes mais do que na vizinha República Dominicana.

O que Préval e a reportagem não explicam é: aumentar o fluxo garante riqueza para o país? Esse dinheiro vai ser dividido como? Sem respostas assim, a proposta pode servir como uma luva ao “fluxo de caixa” das grandes empresas e abrir mais um ralo de exploração dos haitianos.

O Haiti Innovation também puxou a matéria com um comentário que pede mais transparência no combate à corrupção e com apoio à proposta. Será que é o caminho? 

Sete crises políticas da era Lula

Chegou hoje às bancas (pelo menos aqui em São Paulo) a edição de janeiro da revista Rolling Stone. Na edição passada, como anotei aqui, tinha feito uma reportagem sobre a má gestão de recursos públicos no país. A capa era a da Rita Lee. Agora, a capa é da Alessandra Ambrósio, uma modelo lindíssima que eu, sinceramente, desconhecia. Mas não escrevo para falar dela…

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Deixo aqui a indicação para a leitura de um artigo que escrevi com uma retrospectiva das crises políticas da era Lula. No site deles há apenas dois parágrafos, mas deixo a indicação para quem quiser ler. Ah… o André Deak fez um texto também sobre a relação do governo Lula com a América Latina.

O que você poderia saber antes sobre Haiti

Não gosto de cabotinismo, mas blog também serve para dizer o que estamos fazendo. Em dezembro agora, o Senado Federal aprovou o nome do diplomata Igor Kipman para ser o novo embaixador do Brasil no Haiti. O país mais pobre das Américas é um dos focos principais da política externa brasileira. E Kipman sabe disso há tempos.

Na época da Agência Brasil, ao contrário do que dizia do professor Bernardo Kucinsck, que, dentro e fora do governo, adorava criticar nossa cobertura do tema, nossas reportagens mostravam essa realidade. Fiz uma entrevista com Kipman, um dos maiores conhecedores da realidade haitiana. Explico o porquê…

Qualquer jornalista que procurasse um diplomata para explicar o tema no início da missão de paz da ONU, se deparava com os clichês dos mais variados. “Solidariedade”, “liderança regional”, “contraponto ao modelo dos EUA”, tudo vinha. Os problemas do Haiti, ninguém explicava. Kipman, como poucos do Itamaraty, sabia o que dizia mesmo aqui no trabalho de escritório de Brasília.

Deixo aqui os links (texto 1, texto 2, texto 3) para os interessados na primeira matéria na imprensa brasileira que explicava a situação das futuras eleições no Haiti após a queda de Jean Bertrand Aristide, em 2004. Kipman foi observador do governo brasileiro nas eleições junto com o então embaixador Paulo Cordeiro.

A escravidão dos negros nos EUA e o Haiti

Em janeiro, publico na Revista História Viva uma reportagem sobre a independência do Haiti. Li dois livros inteiros e duas dezenas de capítulos isolados sobre a escravidão na América Latina para fazer o texto. Jacobinos Negros, de C. L. R. James, a história socialista da Revolução Francesa, de Jean Jaurès, até o cubano Fernando Ortiz. Não usei todos. Parte vai mesmo para o livro-reportagem. No início de 2008, coloco o link do texto no blog.

Mas me lembrei dessa reportagem por conta de um texto que li no New York Times. Eric Foner, professor da Universidade de Columbia, escreveu um artigo sobre os 200 anos da proibição da importação de negros para a escravatura nos Estados Unidos, que será lembrado agora em 1º de janeiro de 2008. A revolução de São Domingos, como é conhecido o nascedouro da república haitiana, influenciou e trouxe temor para os escravocratas norte-americanos.

O historiador John Hope Franklin escreveu, em “Da escravidão à liberdade”, que os norte-americanos ficaram horrorizados diante das notícias do que acontecia no Haiti. A partir de 1791, “muitos preocuparam-se mais com os acontecimentos no Haiti do que com a luta de vida ou morte que se desenvolvia entre França e Inglaterra”. Na época, França e Inglaterra estavam na rota de conflito por conta da disputa comercial da burguesia.

Em “Forgotten Step Toward Freedom”, Foner faz um comentário sobre essa época. Tempo em que os escravos da ilha de São Domingos iniciaram uma revolta tão violenta quanto suas próprias chagas, mas em busca da liberdade.

Aloysio Biondi agora tem um blog…

Aloysio Biondi foi uma das maiores referências do jornalismo brasileiro. Quando eu o conheci, já era isso tudo. Quando ele morreu em 2000, a análise da economia nacional ficou mais pobre, mais medíocre, mais burra. À época, eu era aluno da Cásper Líbero e um dos editores do jornal laboratório Esquinas de S.Paulo, que Biondi comandou enquanto foi professor por lá.

E Biondi era um jornalista monstro… guardava milhões de dados de cabeça, relacionava fatos com impressionante facilidade, criticava com lucidez ácida. Sua morte deixou em vários de seus admiradores e seguidores (inclusive seus filhos) a vontade de organizar e divulgar a obra de Biondi como forma de ampliar a discussão de um modelo de jornalismo.

Assim fizemos.

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Após cerca de sete anos de trabalho (coletivo, voluntário e não-remunerado) colocamos no ar um site com informações sobre sua vida e sua obra. São cerca de mil textos iniciais disponíveis para a consulta, além de entrevistas, áudios, vídeos e fotos (inclusive essa acima do Cássio Loredano).

O trabalho liderado por um grupo pequeno e compartilhado por outras 180 pessoas. Meu destaque inicial para o site é a entrevista que Antonio Biondi, Rodrigo Savazoni e eu fizemos com o jornalista Washington Novaes, amigo e colega de profissão de Aloysio.

I – Primeiros Anos
II – A Ditadura
III – A Democracia
IV – Últimos Anos

Esse é nossa homenagem para Aloysio Biondi. Em tempos de cultura digital, penso que, se estivesse vivo, poderia fazer um belo site de economia. Sem limite de tamanho, horário ou assunto. Fizemos isso por ele. Biondi agora tem até um blog. Deak e Savazoni também escreveram sobre…

Depende de nós, seus seguidores, continuarmos a discussão de um novo país.

Norman Mailer, morto

NYTimes

O escritor Norman Mailer morreu. Aos 84 anos. Li seu obtuário hoje no The New York Times. Muitos escolhem filmes que marcaram suas primeiras impressões sobre a guerra. Há quem escolha Apocalipse Now, Band of Brothers e outros. Minha mais forte impressão de uma situação de guerra é justamente um livro de Mailer, a novela Os nus e os mortos, aqui no Brasil lançada em dois volumes. Li duas vezes. Página por página, em cada descrição detalhada da rotina de um pelotão na Segunda Guerra Mundial, você se sente num campo de batalha. Com seu pragmatismo desumano.

 

Bon Bagay em inglês e Global Voices

Escrevo para registrar que publicamos na semana passada a versão em inglês do web-documentário Bon Bagay Haiti. Na apresentação do especial há um link acima do título para acessar o conteúdo com legendas em inglês. Fizemos isso para tentar ampliar a “audiência” do vídeo fora do Brasil. A tradução foi feita pela repórter Paula Labossière, com revisão minha e do Deak. Depois de ter sido exibido na TV Nacional, o material deve passar na TV Brasil – Canal Integración, em espanhol. Aguardem…

Também vale destacar alguns blogs e sites que linkaram o especial em suas páginas. Destaque para o post do José Murilo no Global Voices, cujo título faz uma citação da música de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ele elenca inúmeras citações de blogs e sites que falam sobre o Haiti. Alguns mais recentes, como é o caso do Consciência.net e outros antigos, como o texto de Eduardo Galeano de 1996. “A história da prepotência contra o Haiti, que nos dias de hoje assume dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental”, disse o escritor uruguaio.

O “Bon Bagay” também voou pela rede. Está no Na Rua, no Webjornalismo, no Blog do Sakamoto, no Sobre Jornalismo, no Videoidéias, no Blog do Gjol, no Fractura.net, na Anacarmen.com, no Corpo 12, no Bem Paraná, no Haitiwebs.com, no Tock’s do Ock-Tock, no NovasM, NMídias, no Blog do Octavio Islas, no Blog do Lenoir, no JBOnline, no Nominuto.com, no Jornal da Mídia, no A Gazeta Online, no Paraíba Online, no TPA Internet, no Primeira Edição, no Portal JFMG, na Revista Fórum, Jornalistas & Cia, no Afromix.org, no Universo Tropical, LabWeb, Agência Subverta, entre outros. Além dos cerca de 500 views no You Tube até a noite de hoje. Avoa, passarim!

Opinião e exclusividade sem jornalismo

O Jornal do SBT forçou a barra com as duas últimas reportagens que fez sobre o Haiti (dia 25 e dia 26). No vídeo de sexta-feira, mesmo com uma boa intenção de falar sobre o Haiti, contrabandeou uma opinião sobre Hugo Chávez que a matéria não sustenta com fatos. “O governo e os comandantes militares não admitem mas também não negam: chefiar a missão da ONU é uma maneira de o país se contrapor à crescente influência do presidente venezuelano, Hugo Chávez, entre os países da nossa vizinhança”, diz. É até uma hipótese a se pensar, mas não passa disso se não houver apuração.

Ao mesmo tempo, “vendeu” no abre uma idéia de que os haitianos estão “descobrindo” a cultura brasileira, mesmo do lado dos Estados Unidos. O nosso futebol é amado lá, sim, mas a cultura norte-americana se impõe para eles de maneira muito mais próxima. Ah… o Carlos Nascimento cita que no Haiti se fala francês. Ela é a língua oficial, mas a esmagadora maioria das pessoas fala creoule, mistura do francês com línguas africanas. A diferença é muita.

A matéria de quinta-feira era uma boa possibilidade de explicar a situação do Haiti. Num espaço curto, elencou elementos importantes sobre a ausência de saneamento básico e a oposição entre a vida da elite e dos pobres. “Os poucos ricos vivem no alto da serra e têm carros blindados comprados nos Estados Unidos. Miami fica pouco mais de uma hora de vôo. Lá embaixo, a imensa maioria da população vive na probreza, anda de tap-tap, o único meio de transporte coletivo. Qualquer veículo é improvisado para transportar passageiros. Pelo equivalente a 5 centavos de real dá para atravessar a cidade”, registra.

No final, uma passagem do repórter mistura um monte de informações sem fonte declarada – um problema quando se fala em conflitos no Haiti, que sempre tem diversos lados. O final deveria, para se fazer minimamente jornalismo, se transformar numa matéria à parte. O repórter ressalta a exclusividade de se entrar em Cité Soleil à noite, elenca dados de presos e mortos sem citar a fonte (esses dados são contraditórios), não entrevista nenhum morador da região para checar sua hipótese e nomeia os quiméres, grupos armados aliados de Aristide, como os únicos existentes.

Há outros grupos armados, como os ex-militares, os narcotraficantes etc. Com interesses e ações diversas. “É a primeira vez que uma equipe de televisão passa por Cité Soleil à noite, desde o início da intervenção da ONU no Haiti. Fuzis com mira a laser ajudam a vasculhar os cantos. Quando o governo caiu, as gangues, aqui chamadas de quiméres, começaram a brigar por espaço – 252 chefes criminosos foram presos e dezenas morreram em confronto com os militares. A TV haitiana comemora. Agora a vida anda mais tranqüila mas em meio a tanta miséria ainda é difícil dizer o que melhorou”, diz o texto.

Quando a Realidade foi ao Haiti…

Quarenta anos atrás, dois jornalistas brasileiros – um repórter e um fotógrafo – fizeram uma matéria histórica sobre o “país do medo”, o Haiti, onde o ditador Papa Doc comemorava dez anos de poder. Milton Coelho da Graça e Geraldo Mori eram repórteres da Revista Realidade, que marcou o estilo do jornalismo literário no Brasil. O texto trazia não só as impressões dos brasileiros, mas um roteiro de como foi a tática para escapar da vigilância política dos tonton-macoute, o braço repressor da ditadura.

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A reportagem é uma das primeiras da imprensa brasileira in loco no Haiti. Agora, remexendo na edição da revista, tive a idéia de procurar o jornalista Milton Coelho para fazer uma entrevista com ele. Mandei algumas perguntas por e-mail para ele. Muito cordialmente, me respondeu. Aos 77 anos, o jornalista carioca tem quatro filhos e trabalhou em várias publicações brasileiras. Atualmente, mantém uma coluna semanal no Comunique-se e integra do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Milton Coelho e Geraldo Mori percorreram o Haiti durante 27 dias em 1967. Entraram disfaçados como repórteres da revista Quatro Rodas, a pretexto de fazerem uma reportagem sobre turismo. “Durante três semanas, os jornalistas brasileiros enganaram a polícia do ditador. Quando sentiram que a vigilância apertava, Geraldo Mori apanhou os filmes que tinha escondido na caixa d’água do apartamento, guardou as anotações de Milton Coelho no forro do blusão e deixou o país no primeiro avião. A seguir, sem nada que o pudesse comprometer, também Milton partia”, registra a nota inicial da revista.

O bate-papo com Milton Coelho por e-mail reproduzo abaixo, junto com um fac-símile da capa da edição e das duas primeiras páginas da reportagem.

Quais as notícias ou informações que lhe sensibilizaram para fazer uma reportagem no Haiti em 1967?
O fato que motivou a matéria era a comemoração dos 10 anos de [Jean François] Duvalier – o Papa Doc – no poder, ocasião em que ele seria sagrado president à la vie, presidente perpétuo. E a abertura da matéria, como você leu, resume o que sabíamos e acabou se confirmando com a nossa ida ao país.

Como foi a tática para entrar “disfarçado” no Haiti? A idéia de se identificar como repórter da Quatro Rodas distraiu os tonton-macoute até quando?
Havia informações sobre o início de um movimento guerrilheiro e havia amplo repúdio internacional à ditadura de Duvalier. Achamos prudente pedir visto e entrar no país como jornalistas interessados apenas em turismo. Eu era chefe de redação da sucursal Rio da Editora Abril, meu nome saía no expediente de Quatro Rodas e isso ajudou a convencer tanto o cônsul haitiano no Rio como a estreita vigilância que a polícia e todo o aparelho de Estado exerciam sobre qualquer jornalista que visitasse o país.

Eu e o fotógrafo Geraldo Mori conhecemos muita gente do palácio presidencial e do governo em geral, mostramos exemplares de Quatro Rodas. Mas conversava também com pessoal da oposição e tinha de sair algumas vezes à noite para tentar contatos com a guerrilha em lugares brabos, onde brancos – e ainda mais estrangeiros – não eram nem comuns nem bem-vindos. E tinha de ir sozinho, porque o Geraldo não podia sair à noite levando equipamento fotográfico, até para não correr o risco de ser roubado.

Muitas vezes voltei ao hotel na Place Centrale de Port-au-Prince, em nosso fusquinha alugado, depois de viver algumas situações críticas com sujeitos interpelando sobre o que eu fazia no num boteco ou no meio da rua.

O Haiti tem uma bela história a contar, sobretudo a rebelião de ex-escravos que tornou o país uma república. Como sentiu que a população encarava esse símbolo histórico?
Com extremo orgulho. Não sei como é agora, mas há 40 anos era fortíssima a animosidade dos negros em relação aos 8% de mulatos, em geral com um padrão de vida bem melhor, descendentes de funcionários coloniais franceses com mulheres negras. E essa divisão social ajudava – e acho que ainda ajuda – a impedir uma efetiva unidade nacional contra a pobreza, o subdesenvolvimento.

A história do Haiti mostra a repetição de crises política e interferências externas. Como avalia essa situação?
O Haiti é uma chaga do continente americano, uma prova da falta de solidariedade dos outros povos do continente, especialmente dos Estados Unidos, que, mesmo depois de concederem direitos civis aos seus patrícios negros, nunca reconheceram sua grande parcela de responsabilidade na tragédia da miséria haitiana. Todos os ditadores haitianos do século XIX foram apoiados pelos governos americanos sob a condição de não permitirem que uma república negra de ex-escravos pudesse se tornar um exemplo para os escravos americanos. E, mesmo depois de Lincoln e até das leis de direitos civis no tempo de Kennedy, o Haiti mereceu justa atenção dos Estados Unidos.

Na sua avaliação, como o a imprensa brasileira tem acompanhado as crises haitianas em relação à pluralidade, diversidade de fontes, densidade e contextualização?
Mesmo com a ocupação por forças brasileiras em nome da ONU, mesmo os bem-informados sabem muito pouco sobre o Haiti em nosso país (e estou me incluindo também nesse pacote). Acho que o Brasil, junto com tropas, poderia ajudar o Haiti enviando técnicos, professores, médicos. E convencer outros países a fazer isso.

O Haiti precisa de um tratamento de choque na área do conhecimento: um bom programa de planejamento familiar, quem sabe a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce poderiam dar uma olhada na possibilidade de fontes energéticas e minerais, formação de professores (em parceria com a França?) e muitas outras iniciativas que poderiam ser imaginadas por um pequeno núcleo de solidariedade organizado pelo Itamaraty, se possível, com a participação de algumas empresas. Provavelmente o Haiti poderia ser um bom produtor de biocombustíveis.

E, principalmente, no trabalho de convencer os Estados Unidos a se preocuparem com um vizinho que é tão pobre como os mais pobres da África.

A atual missão da ONU tem chances de reverter o processo de crise social do Haiti? Como?
A visão que tenho provavelmente é deformada pela falta de informação. Nossos militares não têm formação nem foram designados para resolver crise social. Mas a presença militar poderia dar forte apoio a um programa de desenvolvimento econômico e social do país.

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O fim e o recomeço

Assim como Rodrigo Savazoni, Spensy Pimentel, André Deak, deixei o comando da Agência Brasil na última semana. Saio com o coração na mão diante do tamanho do trabalho que fizemos e com a cabeça cheia de idéias para o jornalismo. Agradeço os e-mails de despedida da equipe. Até qualquer pauta logo ali! Recomeço agora a trabalhar por novos desafios no jornalismo, ainda meio sem saber para onde. Abaixo minha carta de despedida e uma foto nossa na redação, gravando um depoimento na despedida do ex-presidente da Radiobrás Eugênio Bucci.

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Car@s,

Em minha conta nos computadores da Radiobrás, guardei até esse último dia, pelo menos 9 mil e-mails próprios sobre o trabalho na Agência Brasil. Somados aos documentos, foi quase 1 GB em arquivos. Trabalhos como repórter, como sub-editor, como pauteiro, como editor, como editor-executivo. Esta é a minha última mensagem eletrônica como integrante desta equipe, que, nos últimos quatro anos, conseguiu reposicionar editorialmente a Agência Brasil. Construímos juntos aqui um veículo de comunicação pública com foco no cidadão, objetivo, apartidário, de alta credibilidade e inovador em relação à convergência digital. Aprendemos, inclusive com os erros, a nos posicionar de maneira serena e democrática diante das mais diversas situações políticas. Dos debates inflamados das CPIs até os protestos de rua.

Aqui, neste espaço do primeiro andar travaram-se grandes brigas do jornalismo da Radiobrás. Durante as crises políticas, pautamos, coordenamos e publicamos o maior número de matérias sobre o assunto, o que nos levava ao teste diário e extremo da objetividade. Nossos conceitos se afirmam assim: a pluralidade, o on the record, o outro lado, a rejeição ao sensacionalismo e ao comentarismo desenfreado dos fatos. A Radiobrás nos mostrou uma experiência híbrida, que, por conta da legislação, lhe dava a atribuição da divulgação dos atos do governo e a permissão de estruturar rádios, televisões e veículos públicos. Trabalhamos de maneira gradativa e cumulativa pela separação de serviços estatais e de nosso notíciário com foco no cidadão. No caso da Agência Brasil, a separação completa. A nova empresa leva esse legado. A possibilidade real de seu conteúdo jornalístico ficar mais longe de qualquer governo.

Pessoalmente, esses últimos anos foram os mais intensos da minha vida e, provavelmente, os que gastarei mais tempo para descrever sua intensidade a amigos e filhos. Quero agradecer cada uma das pessoas que compartilharam esse projeto. A todos, desejo as melhores energias para que a busca de um jornalismo público brasileiro se consolide na Agência Brasil. A alguns, quero desejar mais do que isso. Quero desejar que recebam, em progressão geométrica, as milhares demonstrações de apoio profissional que tive ao longo desse período. Quando conclui o web-documentário Bon Bagay Haiti também pensava em vocês. Na necessidade de deixar a cobertura das autoridades e buscar a voz de quem nunca falou em um veículo de comunicação. E precisa ser ouvido.

Minha saída se explica pela necessidade de buscar novos desafios na comunicação e no jornalismo. Fechamos um ciclo de trabalho na Agência Brasil, com uma transição planejada e executada até este início da nova empresa de comunicação. Gosto de lembrar um trecho de Guimarães Rosa para falar sobre o futuro, que diz mais ou menos assim: “do que o da gente, vale a semente”. Que fique o bom trabalho. Tem lá no Grande Sertão Veredas, uma outra assim: “vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”. E aqui me despeço. Para mim, esse período trouxe mais do que nove quilos, uma testa larga e extensa. Trouxe a confiança nessa equipe e a conquista das condições para executar com liberdade um jornalismo autônomo, livre, centrado nos debates da cidadania.

O passado também é urgente.

Abraço forte a tod@s,
Aloisio Milani

ONU aprova reforço nas fronteiras do Haiti

Nesta sala da sede da ONU, onde a mesa de reuniões tem um formato de ferradura e apenas cinco países têm direito à veto sobre questões da paz mundial, aprovou-se a nova resolução (1780) que prevê mais um ano de mandato para a missão de paz no Haiti. Quase todos os pontos foram adiantados em uma reportagem da Agência Brasil na semana passada.

O principal deles foi reafirmado nesta segunda-feira (15) – a recomendação de reforçar a fiscalização das fronteiras. “A missão vai reduzir sua presença militar em áreas rurais e urbanas calmas e realocar equipes militares para estabelecer patrulhas nas fronteiras marítimas e terrestres”, registra o texto.

Li em uma reportagem do La Nacion, da Argentina, que dois barcos do país vizinho já seguiram para o Haiti para ajudar nessa função. “O governo [argentino] decidiu enviar dois barcos à ilha caribenha para combater o narcotráfico. Assim anunciou nos últimos dias a ministra da Defesa, Nilda Garré, a seu par chileno José Goñi Carrasco. A intenção oficial é se somar a uma esquadra naval sul-americana de doze navios, que vão operar na região antes do final do ano”, dizia o texto.

“A região sul do Haiti é apontada como escala do tráfico de drogas aos Estados Unidos”, prossegue. “Diante de uma situação quase controlada na segurança nas ruas, a força internacional sob o mandato das Nações Unidas buscará agora bloquear o fluxo marítimo de mercadorias de grupos narcotraficantes e contrabandistas.”

UN Photo/Ryan Brown

 

Paulo Autran morreu antes… no Estadão

Bom, no meio de um plantão na redação, vi que o ator Paulo Autran morreu. Eram 4 horas e 10 minutos da tarde… mas o site do Estadão o matou antes. Às 11h04, uma notícia de duas linhas informava a morte “confirmada” pela assessoria de imprensa do Hospital Sírio Libanês. Essa mesma notícia foi para a manchete principal do portal. E depois sumiu. Claro, que o estado dele era gravíssimo e alguém passou o carro na frente dos bois.

Até guardei a tela, veja a seguir.

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A matéria foi deletada da lista de notícias. Sem correção ou justificativa alguma. Depois o site registrou sua internação em estado grave. Só às 16h33 outra matéria trouxe, agora oficialmente, a morte confirmada. Autran morreu primeiro numa apuração do Estadão.

Para não dizerem que não falei de flores, deixo a minha homenagem ao ator com um trecho de um perfil que guardo a sete chaves na minha coleção da Revista Realidade:

(…) quando Autran fazia o Otelo de Shakespeare, o crítico Décio de Almeida Prado escrevia sobre ele: ‘Paulo Autran é certamente o ator mais seguro de nosso teatro, bom na comédia e no drama, na peça antiga e na moderna, tem força e delicaleza, sensibilidade e inteligência’. Forte e delicado, sensível e inteligente, Paulo Autran tem a alma dos velhos gregos num corpo de romano antigo. É um homem maduro, de cabelos grisalhos, de entradas cada vez mais pronunciadas, de olheiras profundas contornando os olhos de combinação estranha – o esquerdo é verde, o direito castanho – o nariz e o queixo angulosos e agressivos, a testa alta, os lábios finos mordendo sempre um sorriso irônico. E as mãos bem tratadas ajudando as frases com gestos naturais (…)

MP da TV pública

Hoje está sacramentado o início de um novo capítulo da comunicação pública no Brasil. Foi publicada no Diário Oficial da União a medida provisória que cria uma nova empresa de comunicação, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criada a partir da união do patrimônio da Radiobrás com a Acerp.

Esse processo é mais uma etapa da longa discussão sobre a maturidade dos veículos públicos e estatais de comunicação no Brasil. E que vai influenciar quem vê televisão, ouve rádio ou acessa a internet. A seguir a íntegra da MP 398, dividida em três arquivos PDF, como foram oficializados. Um decreto presidencial complementará a postura do governo no tema.

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Sugiro também acompanhar o tema pela cobertura do Observatório da Comunicação, pelo Observatório da Imprensa e pela revista Tela Viva. É ver no que vai dar… principalmente na área de jornalismo.

Haiti, em três tempos

O cotidiano da população do Haiti foi agredido nas duas últimas décadas de caos político. Refém de uma ditadura sangrenta de Papa Doc e Baby Doc, o Haiti fez eleições democráticas em 1989, viveu um novo golpe militar em 1991. Depois disso, vieram mais duas missões de paz da ONU. A última delas, cujas tropas militares são chefiadas pelo Brasil, começou em junho de 2004 e deve ser prorrogada no dia 10 de outubro por mais um ano.

Desde 2004, jornais e entidades não-governamentais pelo mundo registraram a situação do povo haitiano. A pobreza extrema, a carência de políticas públicas, a violência e a política. Selecionei aqui três especiais multimídias de dois veículos internacionais para mostrar um pouco dessas mudanças no país, sobretudo após fevereiro de 2004, quando o ex-presidente Jean Bertrand Aristide foi deposto do cargo e levado por soldados norte-americanos para o exílio. Mostra um pouco da realidade haitiana e como a mídia cobre a crise.

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O primeiro deles é um especial de 2004 do site do jornal New York Times. A fotógrafa Ruth Fremson fez um slide show com um depoimento em áudio bem informal suas impressões do país. Belo jogo de impressões sobre a pobreza, a falta de luz, a comida dos pobres e sobre um abrigo para jovens haitianas.

Photographer’s Journal: A shelter in Haiti

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O segundo também é do New York Times. Um vídeo coberto de imagens com duas entrevistas, mas, como o primeiro, sem nenhum depoimento de moradores haitianos sobre o processo. Ele tenta apresentar uma versão sobre a influência dos Estados Unidos sobre a política doméstica no Haiti.

A preview of the Discovery Times documentary: ‘Haiti: democracy undone’

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O último é do repórter Bruno Garcez, correspondente da BBC Brasil em Washington, que fez um vídeo sobre a recepção dos moradores de Cité Soleil às tropas brasileiras. Após a ocupação da favela, hoje é um sentimento de tranqüilidade no local. A maior parte deles agradece o trabalho dos soldados brasileiros.

Tropas do Brasil são saudadas como ‘gente boa’ no Haiti; assista

PS: este último roda no Real Player; costuma não funcionar com software livre.

ONU prorroga força de paz no Haiti no dia 10

Está marcada para o dia 10 de outubro a renovação formal do mandato da Missão para Estabilização de Paz das Nações Unidas no Haiti (Minustah) . A decisão de prorrogar a permanência da missão é certa entre os países-membros do Conselho de Segurança. Escrevi sobre isso para a Agência Brasil em minha última viagem ao Haiti. O presidente René Préval (foto) na Assembléia-Geral das Nações Unidas disse que a continuidade da missão em seu país era “muito oportuna”.

UN Photo/Marco Castro

Agora, só falta assegurar qual o tempo exato do novo mandato e se incluirá mudanças na configuração da força. Ambos os pontos foram abordados pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em sua visita ao Haiti em agosto e formalmente entregues em um informe para os membros do Conselho de Segurança para a avaliação da prorrogação do mandato. No primeiro, o secretário-geral pede a prorrogação por 12 meses, mantendo os mesmo princípios das resoluções anteriores. Sobre o segundo assunto, sugere atenção especial para a vigilância das fronteiras. Aliás, esse é um pedido também dos norte-americanos.

Explico: o Haiti é rota do tráfico internacional e ponte para a entrada de drogas nos Estados Unidos. Estima-se que cerca de 10% da cocaína produzida na Colômbia chega aos EUA via Haiti. O secretário-geral sabe disso e ressaltou a importância de vigiar as fronteiras em seu relatório. Só que de uma maneira mais leve, digamos.

A falta de controle sobre suas fronteiras terrestres e marítimas é para o Haiti um fator de instabilidade que repercute na sustentabilidade da governança política e econômica, da segurança e do desenvolvimento institucional do país. Tendo 1.600 milhas de litoral desprotegido, portos marítimos sem vigilância e numerosas pistas de aterrissagem clandestinas, o país está exposto à entrada de pessoas que participam do tráfico ilícito, incluindo armas e drogas cujas atividades poderiam criar maior instabilidade

Esse tema foi citado também pelo representante do secretário-geral da ONU no Haiti, o brasileiro Luiz Carlos da Costa, que estava presente na reunião dos ministros da defesa dos países sul-americanos que integram a missão da ONU. Vejam a sonora dele nesse vídeo que fiz para a Agência Brasil.

Agora resta saber se a nova resolução trará essas mudanças.

Lendo Emir Sader, descobri um antropólogo

Desde a semana passada, passei a acompanhar os relatos do professor Emir Sader que visita, pela primeira vez, o Haiti. Suas idéias estão escritas em seu blog, na Agência Carta Maior. Ele participa de um seminário organizado pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (Clacso) e pela fundação Gérard Pierre-Charles, nome de um dos principais intelectuais da esquerda haitiana e que morreu há três anos. Destaco uma de suas primeiras observações:

Qualquer que seja o diagnóstico que se faça da história recente do Haiti, o certo é que, depois da catástrofe que significou para o Haiti a ditadura do clã Duvalier, o desastre mais recente, que ajuda a entender a grave situação em que se encontra o país, foi o fracasso do governo de Aristide. Ele tinha as melhores condições para dar inicio à reconstrução democrática do país, pela liderança popular que tinha como padre da teologia da libertação, da oposição democrática, contando também com apoio internacional.

O diagnóstico do professor Emir Sader ressalta que lá há “uma inexistência real do Estado”. “Há ministérios, mas muito poucos serviços públicos, estruturas muito debilitadas”. É interessante essa observação, já a vi também em especialistas do assunto como o professor Ricardo Seitenfus. Contudo, lendo os comentários do blog vi duas inserções muito legais do doutorando José Renato de Carvalho Baptista, que compara, em seu estudo de doutorado, alguns significados culturais entre o vodu haitiano e o candomblé. Mas ouro em seu comentário é a discordância sobre os conceitos de Estado. Segue:

Como antropólogo sugiro que não se trata de uma “ausência de Estado”, mas pegando carona nas idéias de Michel Rolf Trouillot, brilhante intelectual haitiano do Depto. de Antropologia da UNiversidade de Chicago, trata-se de um caso de um Estado predatório, que se coloca contra os interesses da sociedade (cf. Trouillot, 1987). Sugiro também ao prof. Sader travar contato com as sugestões de Jean Casimir (possivelmente seu colega na CLACSO), que falam também de um tipo específico de Estado predatório, mas não da ausência deste (Casimir, 1997). Por fim, Hurbon (1987) também aponta para este problema, não afirmando uma ausência do Estado, mas um caráter específico deste.

Pode parecer uma discussão árida demais, mas tem um foco importante. O Haiti ainda tem um foco de corrupção grande, que abocanha grande parte do orçamento público do país, já corroído pelo pagamento de juros da dívida externa. De certa forma, nesse debate também está a possibilidade de encontrar alternativas reais para o futuro das políticas públicas do país – maior carência para o povo haitiano. Pedi até uma entrevista com Baptista, vamos ver se rola.

Imprensa, liberdade e independência

Aproveito para registrar a última entrevista concedida pelo Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, para o site Observatório da Imprensa. O acúmulo teórico e prático dele o faz hoje o principal pensador da comunicação pública no país, com uma maturidade sobre os conceitos de liberdade de imprensa, ética jornalística e independência difícil de encontrar no Brasil. Entre os destaques dessa entrevista está o conceito de que o jornalismo deve se manter livre dos governos.

(…) o primeiro dever do jornalismo é ser livre. Ser explicitamente livre. Para começar, ele precisa ser livre do governo, qualquer governo. Nessa matéria, chamo atenção para um ponto sobre o qual temos falado pouco: o grande volume de verbas públicas que vão parar nos veículos comerciais como anúncios publicitários é um fator preocupante. Nos órgãos de imprensa mais vulneráveis, esse dinheiro – ou a sua ausência – pode ser uma pressão sobre a linha editorial. Esses recursos tendem a congregar um conjunto de veículos que se afinam em demasia com as causas dos governos – federal, estaduais ou municipais –, o que é algo tradicional no Brasil e não é nada saudável.

De minha parte, eu me sinto mais tranqüilo com uma imprensa que às vezes pode até cometer excessos, mas os comete com franca independência em relação aos governos, do que me sentiria com uma imprensa toda ajuizada que sempre apoiasse os governantes. Claro que a imprensa deve ser elegante, equilibrada, justa, objetiva etc., ao menos do meu ponto de vista, mas seu primeiro dever é ser independente. Financeira e editorialmente. Se alguns veículos querem bancar partidos políticos, desde que não o façam com dinheiro público, e desde que não sejam objeto de concessão pública, como é o caso das emissoras de rádio e TV, estão no seu direito. Se carregarem nas tintas, se distorcerem, cedo ou tarde perderão credibilidade e pagarão por isso.

Esse critério rebate no centro da discussão da liberdade de imprensa. Quase um ano atrás, quando ainda era presidente da Radiobrás e o debate sobre imprensa voltou à baila após o segundo turno das eleições, Bucci também deu uma entrevista semelhante ao Observatório. Ressaltou que a imprensa é o lado fraco diante da potência do Estado. “O Estado não é vítima”.

Eu acho fundamental que os veículos de imprensa, o jornalismo seja debatido. Acho mesmo, que é dever de vários representantes de organizações sociais, de partidos, de instituições criticarem e discutirem os meios de comunicação. Discutirem o que acontece no jornal, na revista, na TV. Quanto mais a sociedade questiona a informação que recebe, melhor tende a ser os serviços informativos, melhor tende a ser o jornalismo nessa sociedade. Nós precisamos olhar com mais atenção e tomar cuidado para não ter a instituição do Estado ou do governo tomando partido exageradamente nesse debate. O Estado é o lado forte. O Estado não é vítima. A vítima, em geral, na história das democracias, é a imprensa. Quem precisa ser protegida é a imprensa.”

A questão decorrente daí é como grandes conglomerados privados de comunicação, capazes de influenciar o opinião de seu público, devem responder por possíveis desvios de conduta. Mas isso não deve ficar submetido aos gostos e às predileções políticas do governatante de plantão. Essa discussão deve ser amadurecida pela sociedade, pela imprensa (pública, estatal e privada) e pelos representantes do Estado. Sem melindres.

Em seus blogs, André Deak e Rodrigo Savazoni também destacaram trechos da entrevista. Vale conferir!

No começo de um blog, um poema

No primeiro post desse blog, começo com a citação de um poema de José Paulo Paes. Não por acaso. Para mim não são quaisquer versos, que chegaram até meus olhos pelo presente de um grande amigo, Ricardo Pizzo Lonardi, hoje professor e historiador. Esses versos representam uma desmitificação de como as relações são mediadas para a obtenção do conhecimento na sociedade.

E a maioria dessas relações, inclusive o jornalismo, passa pela subjetividade, seleção e edição de outras pessoas. Destaca-se, portanto, a necessidade de tais “mediações” se basearem em princípios éticos, na transparência e na dialogicidade. Alguns te preferem, jornalismo, um suicida. Eu não. Aqui inauguro um blog sobre um outro tipo de jornalismo, o atrelado à vida.

Aos óculos
(José Paulo Paes)
Só fingem que põem
o mundo ao alcance
dos meus olhos míopes.

Na verdade me exilam
dele com filtrar-lhe
a menor imagem.

Já não vejo as coisas
como são: vejo-as como eles querem
que as veja.

Logo, são eles que vêem,
não eu que, cônscio
do logro, lhes sou grato

por anteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.

“Biondi não brigava com a realidade”

Flamarion Maués comenta sobre o projeto do livro-homenagem à vida de Aloysio Biondi

Aloisio Milani
Para site da Faculdade Cásper Líbero

Em entrevista dada no lançamento de O Brasil Privatizado – edição especial, o coordenador editorial Flamarion Maués, da Fundação Perseu Abramo, registra como era o trabalho jornalístico de Biondi – ele não lutava contra os dados, deixava-os surpreender por si mesmos, sem posições e opiniões anteriores. Aloysio Biondi não brigava? Era a própria trincheira. Em sua descomunal carreira como jornalista ele lutou no front das redações ou isolado contra todo o exército. Por essa posição tem tantos admiradores. Coordenador dos três livros, Flamarion observa: “É só olhar a avalanche de focas que está aqui hoje”, ao ver a garotada lotar a Livraria da Vila, em São Paulo. Homenagem que a Editora Perseu Abramo também agradece. O primeiro “livrinho” de Biondi vendeu 130 mil exemplares. O Brasil Privatizado II somou mais 14 mil. Ou seja, o mesmo que os dois segundos livros mais vendidos da Editora (Brasil: mito fundador e sociedade autoritária, de Marilena Chaui; e Brasil Desempregado, de Jorge Mattoso).

Qual o significado de O Brasil Privatizado para a carreira de Biondi?
Quando você tem um trabalho no jornal isso vai se perdendo com o tempo, é uma coisa fragmentada. Agora, quando você publica um livro, e consolida essas informações, dá uma lógica para elas, isso evidencia a dimensão da questão e traz um aspecto duradouro. Será encontrado nas bibliotecas, livrarias e escolas. Foi o que o Aloysio fez nesse livro. Ele não tem necessariamente informações novas, é uma organização da investigação que o Aloysio fazia. Acredito que o momento do primeiro lançamento foi apropriado. A abordagem que ele fez do assunto também era apropriada. Precisava existir um livro para mostrar a vergonha as privatizações.

O segundo volume acabou sendo uma coletânea de textos, mas como era o projeto original para essa continuação?
Ele achava que o livro tinha ficado muito genérico. Devido a toda a agenda que Biondi assumiu, a continuação foi adiada. Ao mesmo tempo que o Aloysio dava aulas na Cásper Líbero, fazia palestras em sindicatos e escrevia diversas colunas toda semana. Mas, uns vinte dias antes dele falecer, nós tivemos uma reunião, em que ele sugeriu um segundo livro sobre o tema petróleo e energia. Disse que precisava aproveitar todo o material que tinha sobre Petrobrás e energia elétrica. Eu sabia que teria que ficar no pé dele, porque senão ele não entregava. A produção do primeiro já tinha sido assim. Ele fazia tanta coisa que não dava tempo. Quando eu apertava o cerco, ele enviava quase um capítulo por dia, tudo datilografado e por fax – nessa época ele não tinha computador. Só que quando ele faleceu não sobrou alternativa. Ainda não tínhamos nada da continuação, então, nós fizemos uma seleção de artigos.

E a edição especial veio para ser uma homenagem mesmo?
Depois de sua morte, o primeiro passo foi organizar O Brasil Privatizado II. Já a edição especial surgiu de conversas entre o Antônio Biondi, o Hélio de Almeida, o Geraldo Leite e eu. O Hélio, principalmente, insistiu muito para que houvesse essa edição. Para ele, os dois livros tinham uma cara mais de revista do que livro. Faltava um projeto gráfico, um trato melhor. Foi quando surgiu a idéia de reunir charges e homenagens junto aos textos.

Vocês ainda pensam em organizar o acervo e fazer uma biografia sobre ele?
A Fundação Perseu Abramo junto com a família do Aloysio já começou a catalogar o acervo dele. Ele deixou quase dois quartos cheios até o teto com jornais. O Antônio, filho dele, é quem está fazendo esse trabalho com o apoio da Fundação. Queremos fazer um convênio com instituições, provavelmente a própria Cásper Líbero para que esse acervo fique disponível para a pesquisa pública, principalmente dos estudantes de jornalismo. Quanto a biografia, acredito que esse é o projeto mais demorado. Temos apenas um esboço do projeto, que precisará de um financiamento para pesquisa, viagens e a contratação de um jornalista para reunir e escrever tudo isso. Pelo tamanho do serviço, é uma coisa que eu imagino só daqui a dois anos.

Qual seria o legado de Biondi para a nova geração de jornalistas?
Assim como Jânio de Freitas e Cláudio Abramo, acho que ele é um daqueles modelos que o estudante de jornalismo tem para motivá-los a seguir um rumo na vida. O Aloysio era um exercício da inteligência no jornalismo, ao contrário de muitos veículos que não estimulam o jornalismo inteligente. Em segundo lugar, era um exercício de independência. Isso os artigos do livro mostram bem. E por último, um ingrediente, que o Jânio de Freitas fala bem, é a investigação, a colheita, a busca da fonte, da informação, do detalhe, do fato primário, da fundamentação. Ele trabalhava com os dados que ele encontrava. A partir daí ele ia tirando conclusões. Ele se recusava a partir de idéias pré-concebidas. Nem sempre era o que ele esperava, mas ele não brigava com a realidade. Isso é o que eu acho importante.

Ourives parnasiano

Aloisio Milani
Site Faculdade Cásper Líbero

O lançamento de O Brasil Privatizado – edição especial vale novamente para relembrar o legado de Biondi

Muitos jornalistas têm horror a jornal velho. Não pelo cheiro ou pelos espirros, mas por fobia ao passado em tempos de tantas e efêmeras notícias. Mas é bom rever. Quem garimpar o caderno Mais! de 24 de novembro de 1996 encontrará uns trechos assim: “Não há dúvida, no Brasil remanesce uma enorme demanda pela catástrofe. É enjoada a monotonia da estabilidade. Não há profetas sem cataclismas, epidemias, desgraças; Para essa gente não há um pingo de dúvida: o fim do mundo é uma religião; Vale, para essa turma, a observação de Olavo Bilac, a propósito de jovens poetas que “falam apenas sobre mundos degradados, (…) uma orgia de pessimismos, moafa de satanismos, um destempero de blasfêmias.”

São frases de Gustavo Franco. O texto chama-se Parnasianos alternativos e refere-se aos ‘radicais da esquerda’ que usam uma terminologia ‘verdadeiramente parnasiana’. Como exemplo do mesmo ódio, o doutor em Harvard cita o jornalista Aloysio Biondi. Sim, o mesmo professor da Cásper Líbero, o mesmo autor de O Brasil Privatizado.

Não é nenhum ‘furo’ dizer que Biondi colecionou inimigos como o ex-ministro Delfim Neto. Luís Nassif escreveu na extinta revista Jornal dos Jornais: “Biondi percebeu tarde demais a armadilha em que se meteu, ao aceitar e se tornar prisioneiro dessa “celebração do insucesso” que caracteriza a fracassomania nacional.” (11/2000).

Estranho a atitude de desqualificá-lo assim. Principalmente vinda de quem esteve ao lado das correntes governistas ou só chutou cachorro morto. Talvez seja para esquecer a independência com que Biondi trabalhava. A contestação com fatos, com números, objetiva, sem rodeios. Um parnasiano, mas na ourevisaria da simplicidade. No livro lançado agora pela Editora Perseu Abramo (O Brasil Privatizado – edição especial) está uma prova do sucesso de sua carreira. Textos elogiosos de Aziz Ab’Sáber, Ziraldo, Janio de Freitas, Emir Sader, Washington Novaes, Luis Fernando Veríssimo, etc.

Na edição estão os dois volumes já lançados mais charges e artigos sobre Biondi. Mas citar somente não basta. É também necessário relembrar o conhecimento que ele passava. 1) Saber ler as entrelinhas de uma reportagem, não somente o ‘lead’, porque é nele que te enganam. 2) Procurar o detalhe que contraria as versões oficiais. 3) Toda pauta já tem uma contextualização obrigatória. Para falar em telefonia precisa lembrar da privatização, para falar de agricultura é preciso lembrar de crédito agrícola, etc.

Biondi, como bem definiu Renato Rovai era um guardador de jornais. Era sua matéria-prima. Um passado que armava os argumentos da crítica presente. A visão sobre a miopia em que transformou-se a maioria do jornalismo factual. E ele mostrava mesmo. Na matéria da pág. 133 do atual livro, Biondi aponta a compra de gás com prejuízo para a Petrobrás. O objetivo era atender as termoelétricas. Seria alguma prioridade de investimento que daria crise energética anos depois? O texto foi de 1999. No reverso do que diz Gustavo Franco, não resta dúvida que no Brasil sobram otimistas lunáticos.

Luís Nassif não conhece, nem nunca conheceu a família de Biondi para falar que eles passaram dificuldades por causa do orgulho de Aloysio para não aceitar ‘propostas’ de emprego. Quem sabe nem tenha lido direito o texto de Marco Antonio Araujo, que usou como gancho (mal feito) para sua argumentação.

Longe das brigas, os artigos sobre Biondi no livro ajudam a formar um pedaço de sua personalidade humilde e radicalmente amigável, como jornalista e como professor. Sempre com tempo para papear, seja sobre as músicas de Chico Buarque, Os sertões, de Euclides da Cunha, ou de seus filhos, pelos quais era apaixonado.