Missão da ONU no Haiti é renovada até fim de 2009

A bola estava cantada. O Conselho de Segurança das Nações Unidas renovou a permanência da força de paz no Haiti por mais um ano, incluindo planos de ação pelo menos até a posse do novo presidente em 2011. Ou seja, a decisão foi tornada oficial hoje, mas, na prática, é uma formalidade das rotinas burocráticas da diplomacia. O que interessa é que a nova resolução não traz nenhuma mudança formal na configuração dos trabalhos. Mais de um ano e meio depois de relativa tranquilidade no país, passada a etapa das ações militares em Cité Soleil, o número de soldados permanece o mesmo sob o argumento que de a segurança ainda é frágil. Nada indica que o modelo de missão de paz da ONU vá apresentar resultados mais concretos para os verdadeiros problemas do povo haitiano – pobreza, falta de saúde, educação e emprego.

A resolução apresentada hoje mantém o Haiti como região de conflito, mantendo as regras de engajamento militar, com a observação de que a segurança é necessária em situações como os protestos da população em abril diante da inflação dos alimentos. Além, claro, após a devastação brutal causada pelos quatro furacões recentes (Hanna, Gustav, Ike e Fay), que, segundo o diplomata Luiz Carlos da Costa, assessor do secretário-geral da ONU no Haiti, atrasará em cerca de um ano a “estabilização” do Haiti. “A resolução reconhece a necessidade de uma conferência de doadores de alto nível para apoiar a estratégia nacional de crescimento e redução da pobreza no Haiti. Nesse sentido, pede ao governo haitiano e à comunidade internacional de doadores a implementar um sistema eficiente de coordenação de ajuda”, diz a ONU.

Esse anseio por mudança está há tempos na cabeça de entidades civis haitianas (leia matéria de 2005), na dos próprios militares (leia general Heleno em 2004) e dos diplomatas – recentemente o embaixador Igor Kipman falou sobre disso. “Eu continuo defendendo que o Brasil, nesse próximo contingente [que será o décimo] ou no outro, mande menos combatentes e mais uma companhia de saúde, mais pessoal de educação”, indicou na Agência Brasil. Depois, ao jornal O Estado de S.Paulo, foi mais explícito. Ao falar sobre a prorrogação sob os mesmo “moldes”, o diplomata disse que vai atuar por mudanças no composição das tropas e na manutenção do Capítulo 7 da Carta da ONU, que autoriza o uso da força. “Não precisamos de combatentes para ensinar criança a escovar os dentes. Temos 900 combatentes fazendo ações cívico-sociais, como distribuição de alimentos e construção de latrinas.”

Nesta última reportagem, inclusive, feita pelo jornalista João Paulo Charleaux, há uma ótima análise sobre o fracasso do braço civil da Minustah, a área da missão responsável pela atuação policial, por novos projetos humanitários e pela articulação de trabalhos das agências da ONU. Entre os argumentos do texto, está um dado que consta no balanço do último ano da missão. Elaborado pelo chefe da Minustah, Hedi Annabi, o relatório cita que a produção nacional de alimentos e ajuda humanitária que recebe não cobrem a metade das necessidades da população. “O Haití importa 52% do restante de seus alimentos (o que inclui mais de 80% do seu arroz) e todo o seu combustível”, registra. Ou seja, sem mexer na estrutura econômica do país qualquer ação militar será um processo “enxuga-gelo”.

Protestos contra as tropas no Haiti

A última rodada crítica de instabilidade política no Haiti vai completar cinco anos no começo de 2009. Em fevereiro de 2004, pouco depois do país cravar 200 anos de independência da França, o mundo assistiu mais um presidente eleito cair por um golpe de Estado, pressionado por países estrangeiros e assistir a nova entrada de tropas militares em seu território. Desde então, há demonstrações políticas de apoio às ações internacionais por lá (que a maioria dos jornais sul-americanos repercute), mas também uma série de protestos e questionamentos (uma minoria ocupada nas páginas dos noticiários).

É possível diferenciar a etimologia política das declarações de oposição contra as tropas militares no Haiti em duas etapas. O primeiro momento é derivado da ação franco-americana que instaurou o governo provisório. Principalmente por discordarem da polêmica saída de Aristide, que era cogitada nos bastidores da diplomacia francesa e norte-americana desde o início da marcha do grupo armado de Guy Phillipe, opositor explícito do governo do partido Lavalas. O resumo do primeiro argumento seria então o da não-intervenção na política interna de um país, sendo ele governado por qualquer um.

O segundo movimento está mais identificado com a chegada das tropas das Nações Unidas, aí lideradas pelas Forças Armadas do Brasil. A oposição se colocava mais sobre o perfil da ação da ONU, de que poderia ser, desde o começo, prioritariamente ligada à ajuda humanitária, aos programas sociais, à melhoria da precária economia haitiana. Esse movimento se concretizou afirmativamente no relatório final da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade ao Povo Haitiano, que contou com a participação do nobel da paz argentino Adolfo Perez Esquivel.

A partir daí, esses olhares se moldaram aos argumentos e fatos que surgiram nesses quatro anos e meio: os diversos relatos de violência da Polícia Nacional do Haiti, os casos de inabilidade das tropas jordanianas, as denúncias de abusos sexuais pela tropa do Sri Lanka, a inabilidade para um desarmamento em larga escala da população, os passos pachorrentos da burocracia da ONU para implementar projetos civis e a demora da convocação de novas eleições. Tudo isso foi jogado no ventilador por quem questionava a ação militar em um país empobrecido política e economicamente.

Aqui, no Brasil, quero registrar dois movimentos de oposição à presença de tropas militares no Haiti. Um primeiro que teve ações concentradas na Conlutas, a partir da articulação de integrantes do PSTU e do P-Sol. Eles organizaram uma missão de movimentos sociais e criticam a presença brasileira como reprodutora da violência contra da soberania haitiana. Também trouxeram para cá integrantes da organização sindical Batay Ouvriye para dar visibilidade ao protesto.

Outro movimento foi a ação da corrente O Trabalho, do PT – o próprio partido do presidente Lula -, que trouxe o advogado haitiano David Josue para denunciar assassinatos que teriam acontecido em ações da ONU. Como munição de suas críticas trouxe o vídeo “What’s going on in Haiti?” (parte 1 e parte 2), do jornalista Kevin Pina, que traz duras críticas ao trabalho das tropas militares lideradas pelo Brasil. O material chegou na Comissão de Relações Exteriores do Senado e gerou até uma missão para averiguar as denúncias.

Em território haitiano, a missão chefiada pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI) conversou com o chefe da MInustah, o Hédi Annabi. Reproduzo aqui um trecho de um texto da Agência Senado sobre esse encontro. “Hédi Annabi informou já ter visto o filme, mas que se trata de uma montagem. ‘A ONG que divulgou esse filme não tem credibilidade nem aqui nem no exterior. Asseguro que se a tropa da ONU tivesse matado civis haveria um escândalo internacional’, garantiu.”

“Após ouvir o secretário, Heráclito concluiu que o filme mostrado na comissão é “propaganda enganosa”. O presidente da CRE perguntou ainda ao presidente do Senado haitiano, Kely Bastien, se conhecia a denúncia. Bastien também desacreditou a denúncia. ‘Há pessoas que são hostis à estabilidade, que lucram com a instabilidade, e querem que as forças de paz deixem o país’, disse Bastien.”

Ah… tanto a articulação da Conlutas quanto a do PT protocolaram na Presidência da República do Brasil cartas de denúncia com pedidos públicos de explicação do presidente Lula. Mas nunca houve um pronunciamento oficial sobre elas. A desclassificação dos interlocutores foi a estratégia. Coisas do discurso político. O que só distancia o público do debate aprofundado sobre a realidade do Haiti.

Haiti e a roleta da crise financeira

Sinceramente, não tenho idéia qual é o tamanho do mercado de ações no Haiti. Nem tenho a mínima idéia do tamanho do impacto da tensão nas bolsas dos últimos dias nos leilões das ações das empresas de capital aberto por lá. O que quero aqui é lançar um desafio sobre como o mundo especulativo do mercado financeiro é contraditório com a vida de populações pobres. Alguém aí tem a medida ou a noção de quanto significa US$ 700 bilhões do pacote anticrise de Bush?

A quantia é quase o total de toda a produção de riquezas do Brasil durante seis meses. Isso para aliviar a gestão de empresas que venderam crédito a torto e a direito, e que, logicamente, fizeram a economia dos Estados Unidos como refém neste momento. Porque a falências das empresas levará junto a superpotência, não tenham dúvida. Mas a comparação que merece ser feita é entre o pacote anticrise dos Estados Unidos e a dívida externa haitiana.

O Haiti, um país pobre cujo endividamento começou de maneira moralmente indefensável pela ex-metrópole França, que queria indenização pelos escravos perdidos na independência. A dívida externa é de US$ 1,6 bilhões, pouco diante do pacote de Bush mas que impõe um ajuste fiscal brutal sobre o já baixo orçamento público comprometido com o pagamento de juros, que não param de crescer.

A Papda lançou novo apelo contra essa contradição após a devastação dos furacões – tragédia humanamente pior do que a das bolsas. Só com o pagamento dos serviçõs da dívida, estimados entre US$ 60 ou US$ 80 milhões anuais, daria para aliviar a situação das vítimas e ajudar na reconstrução do país. O governo haitiano mantém o pagamento dos juros e libera proporcionamente seis vezes menos dinheiro para a reconstrução do país.

Quem tem medo de uma moratória? E por que os credores não perdoam as dívidas como forma de ajudar a economia haitiana? O que vale mais agora: ajuda vidas ou manter os juros? Sobre isso há um imenso silêncio dos governos…

Entrevista para a revista CartaCapital

Dei uma entrevista para a repórter Manuela Azenha, do site da revista Carta Capital. Ela abordou perguntas interessantes sobre a geopolítica e a soberania do Haiti. Coisa que muita gente se esquece de pensar. Copio aqui no blog a íntegra da entrevista e o link para uma galeria de fotos que eles fizeram a partir de imagens da Associated Press e da Agência Brasil. Segue:

“Haiti não é aqui”, por Manuela Azenha

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“Depois de quatro anos de ocupação estrangeira da ONU no Haiti, as tropas internacionais, sob o comando do exército brasileiro, continuam sendo renovadas. A missão de paz é uma intervenção militar, cujos objetivos no país se resumem a estabilidade política.

No entanto, o problema no Haiti, antes de ser militar, é econômico e social. A terra devastada é quase toda incultivável, a estrutura do Estado está desmoronada e quase 80% da população vive abaixo da linha de pobreza, com dois dólares por dia.

A missão de paz da ONU, chamada Minustah (sigla em francês de Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), chegou ao Haiti em 2004, depois de o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide ser deposto pela segunda vez.

Nesse momento, sob o pretexto de defender a democracia no Haiti, soldados americanos com o apoio da ONU e da França instauraram o governo transitório, que foi substituído por René Préval, eleito presidente em 2006 com 51.21% dos votos de seus compatriotas, segundo dados oficiais.

Aloísio Milani, jornalista brasileiro que esteve quatro vezes no Haiti para escrever sobre a ação dos países latino-americanos na Minustah e o papel do Brasil na condução da estabilização do país caribenho, falou com CartaCapital sobre o assunto. A entrevista está dividida em duas partes: nesta primeira, Milani fala sobre a liderança militar brasileira e da forte intervenção norte-americana no País. Na segunda, explica a atual estrutura política, as perspectivas da disputa eleitoral e o plano de retorno das tropas.

CartaCapital: Como e porque o Brasil virou liderança militar das tropas no Haiti?
Aloísio Milani:
A questão foi uma proposição política, porque o cargo ali não é especificamente militar. Por mais que o presidente da República e o ministro (das Relações Exteriores) Celso Amorim neguem, o Brasil estava em momento de campanha para pleitear a cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil precisava apontar que era capaz de fazer a liderança de uma missão de paz. A proposta surgiu no Conselho de Segurança, em acordo com o então presidente francês Jacques Chirac. O resultado foi o maior contingente militar brasileiro fora do país depois da Segunda Guerra.

CC: Qual é o grau de intervenção dos Estados Unidos no Haiti?
AM:
O Haiti era uma república negra, se tornaria o segundo país independente do continente e a primeira república negra do mundo, não tinha uma forte relação diplomática com os EUA. Isso piorou quando invadiram o Haiti em 1915. Depois, apoiaram Papa Doc no início de sua ditadura, mas não foi algo constante. Em 1980, surgiu no cenário político Jean-Bertrand Aristide, representante de um movimento popular, o Lavalas, oriundo da teologia da libertação e dos movimentos de esquerda e que acaba eleito em 1991, mas logo é deposto por uma junta militar.
Os EUA, então, intervêm novamente, sob a administração Clinton, para recolocar Aristide no poder em 94, com a promessa de realizar novas eleições e a adotar uma política neoliberal.

CC: Como foi esse processo?
AM:
A política de abertura econômica foi o que acabou com a agricultura campesina haitiana. O país deixou de ser exportador para ser importador de arroz. Deixou de produzir açúcar em grandes quantidades e passou a importar até mesmo gêneros básicos. A esta altura, em 2004, os EUA já estavam de olho nas manifestações que aconteciam contra Aristide por conta do descontentamento com sua política neoliberal.

CC: Quais eram essas manifestações?
AM:
Há denúncias dos movimentos sociais haitianos de que o grupo armado que marchou a partir de São Pedro, na República Dominicana até a capital haitiana, para questionar a presidência do Aristide foi financiado pela CIA. Hoje, a embaixada norte-americana no Haiti é muito forte, talvez a que mais injete dinheiro na economia haitiana. Toda a cúpula de missão de paz da ONU lá tem uma relação direta com as decisões que os Estados Unidos querem. Há áreas da missão de paz que os EUA continuam controlando. Uma delas é a área da inteligência.

CC: Então na verdade os EUA é que são a liderança das tropas?
AM:
A minha visão é de que a situação do Haiti é uma resultante de várias forças diplomáticas e vários interesses. E que eles nem sempre vão de encontro aos interesses do povo haitiano. Os EUA têm interesse no Haiti pela mão-de-obra barata e também por ser um país muito próximo de sua fronteira na costa, o que provoca o ingresso de imigrantes ilegais nos EUA.
O Brasil tem interesse no Conselho de Segurança da ONU e para mostrar para a ONU que consegue liderar uma missão de paz de grande porte. A França tem um histórico de política muito intervencionista com suas ex-colônias.

CC: Qual seria a explicação para governos ditos progressistas como da Bolívia e do Equador mandarem tropas para o Haiti?
AM:
Todos têm interesses diplomáticos. E precisamos lembrar que é uma força de paz composta por soldados. Nenhum país da América do Sul vai querer deixar de participar disso como forma de participar da discussão diplomática. Os dois únicos países da América Latina que se colocaram publicamente, frontalmente, contra isso foram o Hugo Chávez na Venezuela e o Fidel Castro em Cuba. Os cubanos mandaram médicos e os venezuelanos também deram apoio em atendimentos básicos, mas num outro modelo. Eu vejo essa questão da Bolívia e do Equador também no sentido de não perder o bonde da diplomacia na região. Também existe uma disputa hegemônica na América do Sul e o Haiti nesse ponto é o único ponto de convergência.

CC: Em abril, quando houve aquela repressão violenta para impedir a manifestação contra a alta dos preços dos alimentos, o primeiro-ministro Jacques-Édouard Alexis caiu. Como está a estrutura política do país agora?
AM:
No último dia 25, o presidente Réne Préval anunciou Michele Pierre-Louis como primeira-ministra. Ela era presidente de uma ONG que trabalha no Haiti há muito tempo. Desde a manifestação pelo preço dos alimentos, o que acontecia era que uma série de indicações de Préval eram negadas pelo Congresso, o que alongava ainda mais a crise política. Uma das indicações foi o Robert Manuel, que tinha sido ex-chefe da segurança de Préval em seu mandato anterior. Ele é acusado por muitos movimentos sociais de ter promovido um massacre no Citeé Soleil. Havia um movimento forte de oposição a ele. A sua indicação foi negada por irregularidade em seus documentos. Agora René Préval indicou essa nova primeira ministra que também vai ser submetida ao Congresso.

CC: Você acha que Préval ainda tem legitimidade política? Ainda é uma referência institucional?
AM:
Acho que sim. Porque os problemas no Haiti são de diversas ordens. Ele foi eleito pela maioria, ainda tem legitimidade. A questão é que nem o governo dele e nem a missão da ONU conseguiram dar respostas para questões básicas da população como emprego, a economia que está longe de ser saneada, e, sobretudo a questão da violência.

CC: Quais são as perspectivas para as próximas eleições?
AM:
Existe uma grande expectativa em relação ao retorno do Aristide. Essa história está ensaiada há algum tempo, desde as últimas eleições de 2006, existia uma possibilidade da sua volta ao poder. Queira ou não, o Aristide é alguém que ainda leva multidões de apoiadores às ruas, sobretudo em Porto Príncipe e em bairros mais pobres. Acho que a grande expectativa é saber se ele vai voltar, porque isso poderia mudar os rumos nas articulações políticas do Haiti. De qualquer forma, outros candidatos, burocratas do Banco Mundial e do FMI, devem voltar a se candidatar. Eles representam o contingente de emigrantes que vivem fora do Haiti, principalmente no Canadá e nos EUA. No momento, a vantagem estaria com os apoiadores do Lavalas, que ainda são um grupo partidário forte no Haiti.

CC: É provável que Baby Doc retorne?
AM:
Ele tem problemas gigantescos lá, acusações internacionais de violações dos direitos humanos, está com sua fortuna seqüestrada internacionalmente. Tem uma pequena parte da elite que apóia o Baby Doc, mas ele não encontra legitimidade para disputar com vigor as eleições.

CC: Existe alguma proposta de alteração estrutural do país? Alguma mobilização ou candidato que proponha isso?
AM:
Esse foi o grande desafio das últimas eleições. Os governos sul-americanos estão tentando articular alguma indicação por lá, mas isso não funciona porque elas não nascem de maneira natural. Não existe um movimento de oposição, ou um grupo de partidos que faça uma coalizão para um desenvolvimento alternativo no Haiti. É tudo muito fragmentado e fica polarizado entre quem é a favor do Lavalas e quem é contra. A política é feita das migalhas dessa disputa.

CC: As tropas têm planos de retorno? O objetivo foi cumprido?
AM:
Eu acho que as tropas ficam no país pelo menos um ano depois das eleições. Isso está presente nos discursos dos representantes dos países. Aqui no Brasil, já disseram que ficam até 2010, 2011. Então a tendência é ficar, não há planos de retirada ainda. O que existe é a expectativa de uma mudança de perfil das tropas, passar de uma missão de segurança, de combate a grupos armados para uma missão que realmente ajude a reestruturar serviços básicos. Enquanto continuar assim, a missão vai continuar enxugando gelo no Haiti. E se o Brasil sair agora, os problemas que poderiam ter sido atacados vão continuar, assim como a instabilidade política e os conflitos armados. Esta já é a quinta missão de paz. O Brasil está liderando a parte militar da quinta. As outras quatro foram totalmente fracassadas.

CC: Você acha que o envio das tropas foi um erro?
AM:
Não, eu acho que foi um erro lá atrás, na força interina os EUA, Canadá, Chile e França terem tirado o Aristide de lá como se fosse ele o único culpado de todos os protestos. Peter Hallward, um filósofo norte-americano muito citado pelo Noam Chomsky para falar do Haiti, diz que essa foi talvez a intervenção norte-americana mais bem sucedida porque depois que eles saíram de lá, ficou parecendo que estavam certos quando afastaram o Aristide. Aqui, como no Iraque também, a ONU está entrando como bucha do canhão. O erro não repousa sobre a presença militar, mas sobre as intervenções anteriores.

CC: A retirada imediata das tropas é inviável?
AM:
Imediato é readequar o perfil da missão no Haiti. A retirada das tropas tem que ser num plano de saída sustentável. Em um ou dois anos, mas com a polícia nacional reestruturada, com a presença de atores que entrem em defesa da democracia e não dos interesses de um ou de outro no Haiti.

CC: O que resolveria o problema do Haiti?
AM:
É preciso ajudar o processo de desarmamento, pois ainda existem estruturas de grupos armados, de diferentes motivações. Como gangues ligadas ao narcotráfico, os ex-militares, os chimères e partidários e opositores de Aristide. A segurança institucional é frágil com esse cenário. Também é preciso ajudar na estruturação do Estado haitiano, para que instituições e serviços públicos funcionem dignamente. Mas é preciso, sobretudo, ajudar a economia do Haiti, auditando e perdoando a maior parte da dívida externa do país, que amarra a capacidade de investimento haitiano. Sem isso, o tão falado desenvolvimento econômico será uma pequena esperança, uma longa caminhada para retirar a camisa de força que o Haiti tem.”

O que disse Gérard Jean-Juste…

Continuando a série de depoimentos sobre autoridades, especialistas e políticos latino-americanos sobre a situação recente do Haiti, apresento a seguir uma fonte que tem lado, coloração partidária e história de sofrimento de acusações infundadas. Padre da igreja de Santa Clara, em Porto Príncipe, adepto da teologia da libertação, Gérard Jean-Juste era um apoiador histórico do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, deposto em 2004.

Foi preso duas vezes depois disso sem acusações precisas. A Anistia Internacional classificou sua situação como a de “prisioneiro de consciência” em referência à perseguição política. Nesta semana, enfim, a Justiça arquivou os processos contra ele. Esse vídeo em inglês, também há comentários sobre sua vida como militante. Jean-Juste se tornou um crítico feroz das interferências norte-americanas na realidade haitiana. Tem mais nessa boa entrevista do Democracy Now! O padre refuta sistematicamente acusações de que possui armas escondidas em Porto Príncipe e argumenta que sua defesa está na ajuda aos pobres. Leia abaixo:

O sentimento [de oposição da população] não é dirigido para todos dos Estados Unidos, porque as pessoas no Haiti têm muitos conhecidos que vivem lá, e esses norte-americanos e imigrantes são muitos amigáveis conosco. Há uma grande relação crescente entre essas pessoas. O que está errado, aquilo que nós entendemos que está errado, é ver que alguns elementos da administração republicana [de George W.Bush] têm realizado atividades ilegais, destruindo a democracia de uma nação negra. As coisas que eles estão fazendo no Haiti, eles não vão fazer dentro dos Estados Unidos. Haveria indignação nos Estados Unidos, fazendo o que estão fazendo no Haiti. (…)

O presidente Aristide [ainda no exílio após dois anos de um novo governo eleito] não vai buscar qualquer situação eleitoral. Agora, o presidente Aristide, com toda sua experiência, quer nos ajudar muito na educação, na cultura, na música, nas línguas. Assim, ele tem o seu lugar no Haiti. E mais, não podemos continuar colocando esse peso sobre a África do Sul [que abriga o ex-presidente]. Entendo que a oposição tem usado a presença do presidente Aristide para ganhar votos contra o partido dominante. (…)

Eu sou um padre. E, como um padre, meu trabalho é ajudar as pessoas a rezar e que precisam de ajuda. Quando eu trabalhava para o presidente Aristide eu tinha alguns seguranças. Depois do golpe, em 29 de fevereiro [de 2004] eu perdi o emprego, a segurança e os guardas também. O juiz que tratou do meu caso [enquanto ficou preso] escreveu que eu disse que tenho armas [foi acusado de conspirar contra o governo provisório após fevereiro de 2004]. Sim, eu tenho armas. A minha Bíblia e o meu rosário são as minhas armas. (…)

Geopolítica, anomia e missões de paz

A missão de paz no Haiti fundou um capítulo à parte na discussão sobre a função da ONU nos conflitos armados, nas guerras e nos distúrbios que tenham iminência de violência extrema. Antigos formatos de ação em decadência são questionados sistematicamente. Mas ainda assim a ONU responde “muy” lentamente. Pelo fracasso de missões anteriores no Haiti, a ONU e o governo brasileiro sabem que o problema é profundo. E a repetição de um modelo pronto não funciona no país caribenho. Quero aproveitar o recente post do Maurício Santoro, no blog Todos os Fogos o Fogo, para falar sobre isso. Ao fazer um balanço positivo da missão de paz no Haiti, Santoro faz um pequeno histórico sobre a origem desse formato de atuação da ONU.

As missões de paz foram concebidas originalmente na década de 1950 para lidar com crises muito específicas. Basicamente, consistiam em colocar em campo tropa que pudesse mediar cessar-fogo já assinado em dois exércitos inimigos – a operação de Suez (1956-1967) entre Egito e Israel, é o exemplo clássico. No fim dos anos 1980, o escopo das missões se alargou muito, com diversas atuações no Camboja, na Namíbia e em El Salvador nas quais a ONU assumiu tarefas governamentais, como realização de eleições, condução de ministérios-chave, policiamento etc. Tais tarefas continuaram a aumentar na década seguinte, no Kosovo, em Timor Leste e outras partes. (…) O Haiti reproduz em miniatura desafios que aparecem em escala muito mais assustadora no Afeganistão e no Iraque.

A recorrente ponderação que faço por aqui é que a ação das missões de paz é resultado das forças diplomáticas, muitas vezes divergentes e com interesses próprios. Nenhum país está ali por mera solidariedade. Há interesses diversos. Os Estados Unidos reproduzem seu modelo neoliberal ali. Mesmo sem participação oficial na missão, a embaixada norte-americana é forte no Haiti e atua para dentro da missão e junto ao governo de René Préval. Já a França, a ex-metrópole de São Domingos, tem tradição intervencionista na política de seus ex-colônias. Ambos estiveram na intervenção militar que retirou Aristide do país em 2004. O Brasil, embora negue publicamente, vê a missão como estratégia para postular participação ativa no Conselho de Segurança.

A missão de paz é a resultante desses interesses diferentes, por vezes divergentes, e quase sempre distantes das efetivas alternativas de solução para os problemas haitianos: como perdão da dívida externa, apoio internacional para reestruturação da agricultura, fim das políticas tarifárias que implodiu a sustentabilidade dos campesinos, desenvolvimento de uma indústria nacional e a ativação de um modelo de turismo sustentável. O grupo de países da América do Sul tem a possibilidade, mas somente ela, de mudar o futuro do Haiti. Até agora, com quatro anos de missão de paz, isso é somente uma perspectiva. Não uma realidade. Concordo que tirar as tropas da ONU do Haiti possa reavivar a violência, mas estar lá sem um plano de desenvolvimento é cavar sob os próprios pés. Esse descompasso tem acontecido na cúpula da missão de paz desde o início, mas também enforca o trabalho do governo eleito nas últimas eleições. Já tarda o momento de mudar esse perfil.

Quatro anos da queda de Aristide

Quatro anos se passaram da queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide. A radiografia do Haiti poderia ser analisada em quatro partes: a possibilidade de ver ampliado o efetivo militar das Nações Unidas, a consolidação gradual do novo governo eleito, a persistência de níveis inaceitáveis de pobreza e a chaga aberta de conviver com o passado mal resolvido de Aristide.

Até hoje, há uma recusa formal e oficial das Nações Unidas (por extensão dos países que lideram a missão) e dos Estados Unidos em discutir as acusações de que o ex-presidente foi retirado à força do Haiti. As suspeitas de que a ação dos fuzileiros norte-americanos teria forjado um golpe de Estado (o segundo contra Aristide, que, em 1991, foi deposto por militares) reaparecem a cada aniversário de 29 de fevereiro.

Neste ano não foi diferente. Pessoas foram às ruas a favor de Aristide, que continua no exílio na África do Sul. Veja abaixo a foto da cobertura do Haitianalysis.com . Pelas informações que apurei até agora, Aristide está longe de ser somente vítima da situação. O alinhamento de sua política econômica ao receituário ortodoxo também virou munição para movimentos sociais que o criticam.

Contudo, os eventos de 2004 continuam mal explicados. E isso abastece os críticos da força de paz das Nações Unidas como um “pecado original”, do qual a ONU e os países que integram a missão só podem fugir se conseguirem explicar o ocaso de Aristide. Inclusive as denúncias de que os grupos armados que marchavam da fronteira com a República Domicana até a capital Porto Príncipe na época não eram financiados pela CIA.

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O ex-presidente Jean Bertrand Aristide divulgou uma carta para agradecer as mobilizações e criticar as perseguições a seus partidários. Segundo ele, 10 mil pessoas teriam morrido depois do “golpe”. A imprensa brasileira não deu uma linha sobre o assunto. Veja a seguir uma tradução livre que fiz do texto. Ele está cheio de referências simbólicas do ex-padre adepto da teologia da libertação. Termina com um provérbio e expressão em latim:

Caros Amigos,

Que o espírito do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Haitiano continue a se espalhar!

Se as mais de 10.000 pessoas que morreram nos 18 meses que se seguiram ao golpe de Estado de 29 de fevereiro pudessem falar, o que elas diriam? Será que eles juntariam suas vozes com as jovens mulheres violentadas e agredidas sexualmente desde o golpe? Será que eles nos lembrariam que estas mulheres representam metade da população das favelas haitianas? Eles se uniriam às vozes das 3.200 pessoas presas dentro da Penitenciária Nacional, construída para 1.200 prisioneiros? E sobre as inúmeras pessoas que foram abusadas de forma cruel? Qual seria a mensagem deles?

Eles teriam lugar em coro com Lovinsky Pierre-Antoine para dizer “Mési, muito obrigado” pela solidariedade demonstrada quatro anos depois. E porque eles não podem dizer, eu o faço: obrigado.

Obrigado a cada participante das 56 ações organizadas em 47 cidades de quatro continentes como parte do 3º Dia Internacional de Solidariedade. Sua solidariedade reforça a determinação do povo de continuar a afirmar a dignidade humana e a luta pela verdadeira democracia, a justiça e a paz.

Unido a todos os nossos irmãos e irmãs haitianas, que, nesse mesmo dia, condenaram o sequestro de 29 de fevereiro de 2004 e apelaram para o nosso retorno ao Haiti, vamos continuar a beber a partir deste histórico riacho de solidariedade com gratidão a nossa mãe Haiti. “A gratidão é a menos importante das virtudes, mas ingratidão é o pior dos vícios.”
   
Ab imo pectore, do fundo do meu coração,
      
Dr. Jean-Bertrand Aristide
Pretória, 11 de março de 2008

O que Camile Chalmers disse…

O economista e educador haitiano Camile Chalmers é o intelectual que mais compareceu às diversas edições do Fórum Social Mundial para discutir o futuro do país mais pobre das Américas. Chalmers é secretário-executivo da organização Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo (Papda), entidade não-governamental que deu o apoio conceitual e logístico para a realização da Missão de Solidariedade ao Haiti, chefiada pelo prêmio nobel argentino Adolfo Pérez Esquivel. Abaixo algumas frases dele:

Podemos dividir o período de Aristide em três. A primeira fase, em 1991, quando ele era a grande liderança e sofre o golpe. O segundo, em 1994, quando reassume o poder e já volta muito influenciado pelas idéias de Washington. E o terceiro momento quando se elege em 2001 e fica até 2004, quando há novo golpe. Nesse momento, sua administração é contestada pelos EUA, que financia os opositores ao governo, o que acaba gerando a intervenção que vivemos hoje. Em 2004, havia um descontentamento popular com o governo, mas Aristide foi derrubado pela CIA, que financiou ex-militares para lutarem contra o governo. Só que antes do golpe se concretizar, Aristide distribuiu armas a grupos populares de Porto Príncipe que estavam a seu favor, para defender o governo. E por isso hoje grupos populares têm armas pesadas em seu controle.

A presença de MINUSTAH, que se inseriu em um contexto mundial e regional particular, nos parece como um ensaio, um laboratório do imperialismo para poder responder a novos cenários de crise na América Latina, justificando a presença militar de soldados estrangeiros pelo discurso da solidariedade sul-sul; de apoio fraterno, quando sabemos que a presença de MINUSTAH se insere em uma estratégia mais ampla de militarização do Caribe, que é uma zona estratégica para o imperialismo e também coincide com a época onde as tropas estadunidenses estão mobilizadas no Iraque e necessitam colaboração das tropas de outras nações.

Não há uma cifra geral (sobre o número de mortos durante a missão de paz); porém, no operativo militar do dia 22 de dezembro de 2006, morreram entre 27 e 35 civis, e isso somente em um dia. Houve vários outros operativos, organizados depois. Há um informe sendo elaborado que trata de estabelecer o resumo da situação. O certo é que estão sendo produzidas baixas de gente totalmente inocente, cujo único crime que cometeram foi viver em um bairro de pobres. É muito chocante que uma força militar desse tipo tenha cometido esse tipo de violação dos direitos humanos e que em nenhum momento a diligência dessa força tenha reconhecido essas baixas e não tenha dito que vão começar uma investigação para estabelecer as responsabilidades. Atuam de uma maneira muito descarada, com uma impunidade total e uma situação de não respeitar a vida humana e os direitos do povo do Haiti.

Eleições dos EUA e o futuro do Haiti

As eleições presidenciais nos Estados Unidos têm repercussões mundiais. Cada partido, ou melhor, cada candidato vai adotar posturas diferentes que vão influenciar o mundo. Na última campanha, por exemplo, quando o então candidato democrata John Kerry comentou sobre a possibilidade de retorno de Jean Bertrand Aristide ao Haiti os protestos e a violência aumentaram. Então, os ecos da política norte-americana reboam muito rapidamente por lá.

Um pouco de história. O governo democrata de Bill Clinton foi quem organizou a intervenção para derrubar a ditadura militar em 1994. Dez anos, os fuzileiros norte-americanos, apoiados por canadenses, franceses e chilenos, retiraram Aristide de lá. Depois se mantiveram em pontos importantes da missão de paz da ONU (polícia internacional e núcleo de inteligência) e acompanhando a diplomacia relacionada ao Haiti (a embaixada dos Estados Unidos exerce um poder imenso sobre o país caribenho.

Nas prévias eleitorais, Obama, Hillary e McCain citaram várias vezes o tema da política internacional, principalmente Iraque. Mas ainda não vi nada aprofundado sobre o Caribe e especificamente sobre o Haiti. No blog do Pedro Doria, há uma referência de McCain ao papel desempenhado pelo Brasil no Haiti. É igual ao discurso da atual secretária de Estado, Condoleezza Rice. No Democracy Now! há referências sobre os assessores de Obama que ajudaram a impor a recente política econômica conservadora no Haiti. Em novembro, o Haiti Justice Blog também fez um post sobre a relação com as eleições, o que gerou vários comentários.

Vou aguardar o tema e comento no blog. Enquanto isso, deixo o link da página do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre a história do Haiti. O que acham?

O que Celso Amorim disse…

Mais uma da série sobre opiniões de autoridades, pesquisadores e intelectuais sobre a situação recente do Haiti. Deste vez, procurei os argumentos do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, um dos principais articuladores da presença do Brasil na Minustah. É ele quem articula, junto ao secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães, as posições sobre o futuro do Brasil na ONU e no Haiti. Seguem:

A missão do Haiti não foi feita com esse objetivo (de favorecer a obtenção de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU). Ela faz parte de uma preocupação brasileira. A situação de total insegurança de um país da América Latina é algo preocupante. Não podemos ficar dizendo que somos contra uma ação porque não tem o aval da ONU (se referindo ao Iraque) e quando tem o endosso (no caso do Haiti) lavar as mãos. Se isso vai contribuir para o Brasil ser membro permanente no Conselho ou não, não sei. A paz tem um preço. Ou você vai e atua, ou você vai pagar sob a forma de dependência, de menor influência política. O Brasil é um país importante no cenário internacional e temos que dar uma contribuição. (2004)

No Haiti há questões de pobreza, de criminalidade, e de política. Uma combinação explosiva por natureza. Não creio que a repressão indiscriminada seja a melhor maneira de lidar com essa situação. (2005)

Muitas vezes repeti que o sucesso da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti se baseia em três pilares interdependentes e igualmente importantes: a manutenção da ordem e da segurança; o incentivo ao diálogo político com vistas à reconciliação nacional; e a promoção do desenvolvimento econômico e social. (2005)


Desaparecido no Haiti há mais de cinco meses

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Foi notícia no Haitianalysis.com o crescimento de apoio internacional para a busca de notícias do ativista haitiano dos direitos humanos, Lovinsky Pierre-Antoine, seqüestrado em agosto de 2007. Há uma petição de apoio à iniciativa na internet e também uma recente nota da Anistia Internacional sobre o assunto. Ele trabalhava com vítimas dos golpes de Estado, como considerava os eventos em 1991 e 2004 que derrubaram Jean Bertrand Aristide. Era um crítico da ação internacional e das forças da ONU. Aqui segue um link com uma entrevista sua em inglês antes da ação das tropas em Cité Soleil.

O novo chefe da missão no Haiti

Esse é o rosto branquinho do novo chefe da missão de paz da ONU no Haiti. A partir de agora, o tunisiano Hedi Annabi passa a ser o responsável por todas as decisões no país caribenho. Investimentos, operações militares, atuação da polícia civil, ações humanitárias, relação com o governo etc.

Primeiro foi o chileno Juan Gabriel Valdez, que foi substituído pelo guatemalteco Edmond Mulet, e agora por Annabi. Uma de suas primeiras entrevistas à imprensa foi essa aqui à AP, reproduziada pelo jornal Miami Herald. Segundo ele, as tropas ainda vão ficar no Haiti “muitos anos”, porque o país ainda não consegue tomar conta de sua própria segurança.

“A situação de segurança é extremamente frágil. E se tivéssemos de reduzir drasticamente [a atuação das tropas], não haveria um vazio que seria imediatamente substituído pelas mesmas pessoas que estavam lá quando nós começamos”, afirmou Annabi enquanto falava sentado em seu escritório nas colinas da parte alta de Porto Príncipe.

Quando lhe perguntaram quanto tempo a criação da polícia própria haitiana pode demorar, Annabi disse: “Você não cria uma força de segurança, uma força policial, em dois ou três anos… leva 10, 15, 20 anos”. Ou seja, a perspectiva política da ONU no Haiti é longa.

É bom lembrar que, nos últimos 15 anos, já foram cinco missões de paz. Essa se alongará, pelo menos, até as próximas eleições lá. Até 2011. Não tenho dúvida.

ONU prorroga força de paz no Haiti no dia 10

Está marcada para o dia 10 de outubro a renovação formal do mandato da Missão para Estabilização de Paz das Nações Unidas no Haiti (Minustah) . A decisão de prorrogar a permanência da missão é certa entre os países-membros do Conselho de Segurança. Escrevi sobre isso para a Agência Brasil em minha última viagem ao Haiti. O presidente René Préval (foto) na Assembléia-Geral das Nações Unidas disse que a continuidade da missão em seu país era “muito oportuna”.

UN Photo/Marco Castro

Agora, só falta assegurar qual o tempo exato do novo mandato e se incluirá mudanças na configuração da força. Ambos os pontos foram abordados pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em sua visita ao Haiti em agosto e formalmente entregues em um informe para os membros do Conselho de Segurança para a avaliação da prorrogação do mandato. No primeiro, o secretário-geral pede a prorrogação por 12 meses, mantendo os mesmo princípios das resoluções anteriores. Sobre o segundo assunto, sugere atenção especial para a vigilância das fronteiras. Aliás, esse é um pedido também dos norte-americanos.

Explico: o Haiti é rota do tráfico internacional e ponte para a entrada de drogas nos Estados Unidos. Estima-se que cerca de 10% da cocaína produzida na Colômbia chega aos EUA via Haiti. O secretário-geral sabe disso e ressaltou a importância de vigiar as fronteiras em seu relatório. Só que de uma maneira mais leve, digamos.

A falta de controle sobre suas fronteiras terrestres e marítimas é para o Haiti um fator de instabilidade que repercute na sustentabilidade da governança política e econômica, da segurança e do desenvolvimento institucional do país. Tendo 1.600 milhas de litoral desprotegido, portos marítimos sem vigilância e numerosas pistas de aterrissagem clandestinas, o país está exposto à entrada de pessoas que participam do tráfico ilícito, incluindo armas e drogas cujas atividades poderiam criar maior instabilidade

Esse tema foi citado também pelo representante do secretário-geral da ONU no Haiti, o brasileiro Luiz Carlos da Costa, que estava presente na reunião dos ministros da defesa dos países sul-americanos que integram a missão da ONU. Vejam a sonora dele nesse vídeo que fiz para a Agência Brasil.

Agora resta saber se a nova resolução trará essas mudanças.

Haitianas, uma série que se inicia aqui

Neste blog também vou postar coisas de minhas apurações sobre a situação do Haiti, país mais pobre das Américas onde uma missão da ONU atua desde de junho de 2004. Já escrevi sobre o tema para a Agência Brasil, pela qual viajei quatro vezes desde o famoso jogo da seleção brasileira com o time haitiano; para a revista Democracia Viva, do Ibase; para a revista Rolling Stone, edição brasileira; entre outros veículos.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O argumento primeiro da defesa da missão da ONU, após a crise de fevereiro de 2004, era o de que a situação ficaria pior se não houvesse o envio de tropas. Isso desconsidera o movimento armado anterior, e suas suspeitas de ilegalidades, que provocou a queda de Jean Bertrand Aristide. Embora não haja provas, deixo registrado que existem denúncias de que o grupo armado que marchou da República Dominicana contra Aristide foi financiado pelos Estados Unidos.

O segundo argumento, e repetido subliminarmente, era o de que, caso os “bons” sul-americanos não estivessem no Haiti, os “imperialistas” norte-americanos estariam. Um auto-elogio ideológico, mas que não se sustentava sem um planejamento alternativo para pacificar e criar condições soberanas para um país explorado e ocupado. O Conselho de Segurança da ONU, como todo espaço diplomático, é resultado direto das propostas e dos interesses de seus membros.

Isso significa que interesses maiores – de paz, soberania e igualdade – podem ou não ser preservados em cada decisão. Depende da atuação de seus membros. Então, estaria o Brasil interessado em garantir uma cadeira permanente no conselho e, por isso, teria aceitado a participação no Haiti? Ou seja, em nome de ter direito a veto e voto nas decisões sobre os conflitos armados teríamos ido com tropas para o Caribe, sem um planejamento de médio prazo?

Vou escrevendo…