Ritual para Guédé, do vodu haitiano

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Estão “quentinhas” as fotos do upload do fotógrafo Andrew Welch no Flickr sobre a cerimônia vodu para Guédé, no Haiti. Nos mitos, essa foi a entidade que teria se transformado Mackandal, o escravo que liderou um das primeira revoltas contra os brancos na então colônia francesa. Saravá!

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Ajuda pós-furacões e economia haitiana na berlinda

A passagem dos furacões pelo Haiti (e seus impactos) foram pouco noticiadas no Brasil. Há alguns dias, jornalistas da TV Globo, da EBC e da Agência Lusa foram para lá. Esta última, inclusive, com belas reportagens. No balanço, deram matérias em português com relatos dos soldados e dos representantes da ONU sobre a ajuda humanitária. O general Santos Cruz estima em quase 17 mil os desabrigados. A diretora do Programa Mundial de Alimentos, Josette Sheeran, acredita que nem um terço das doações necessárias chegaram. De Porto Príncipe, o embaixador brasileiro comenta que alimentos são doados pelo Brasil diretamente a famílias e entidades necessitadas. Enviado da ONU clama por doações via governo e não por ONGs. Na imprensa estrangeira, há denúncia de roubo de alimentos que seriam entregues para as vítimas. O Unicef reafirma que as crianças são as principais vítimas. ONG Médicos Sem Fronteiras atua fortemente em Gonaives. Venezuela anuncia plano de ajuda ao Haiti por intermédio da Petrocaribe, já uma reportagem da NPR vincula a atuação de Chávez a uma manobra política na região. No rastro dos quatro furacões que devastaram o país, outra tempestade se forma – o impacto financeiro que a crise dos Estados Unidos pode provocar no Haiti. O economista Kesner Pharel alerta que a economia haitiana é muito vulnerável. Já frágil por ser grande importador de alimentos, os efeitos de uma recessão no país podem ser bem duros. E empurrar cada vez mais gente para imigrações ilegais. Sem que ninguém discuta uma “ajuda econômica” ao Haiti diante da enxurrada de dinheiro que seguirá para a roleta das bolsas. E se o furacão recessivo for uma tormenta a conta-gotas?

A uma derrota de dizer adeus à Copa

Seguindo na missão de ser o único blog brasileiro a ter uma editoria de futebol haitiano, trago notícias sobre a situação complicada do Haiti nas Eliminatórias da Copa do Mundo. O jogo entre Haiti e El Salvador, pela Concacaf, foi no sábado. E a notícia não poderia ser das piores para nós, os torcedores do futebol haitiano (!). Quem passou como um furacão sobre o time deles foi o atacante salvadorenho Rodolfo Zelaya, que marcou três dos cinco gols. A goleada afundou o Haiti na tabela. Deixou o time a apenas uma derrota de dizer adeus à possibilidade de voltar à África, o continente-mãe do Haiti, e disputar a Copa do Mundo. A única vez que o Haiti disputou uma Copa foi em 1974. O jogo decisivo é contra a Costa Rica. Ai, ai.

Via Fifa e Radio MétropoleHaiti.

Haiti entra em grupo paralelo à OEA

Naquela mesma reunião em Santo Domingo, na República Dominicana, em que Uribe, Corrêa e Chávez bateram boca sobre a invasão do território equatoriano para caçar as Farc, uma notícia passou desapercebida. O Haiti, que viveu nas últimas décadas sangrentas ditaduras e uma instabilidade política constante, ingressou formalmente para o Grupo do Rio, entidade paralela à Organização dos Estados Americanos (OEA). Reproduzo trecho da matéria da Reuters.

O Haiti foi largamente excluído dos grupos regionais em meio às décadas de caos político, ditaduras e governos militares. O país foi aceito em 2002 na comunidade caribenha Caricom, grupo econômico que reúne principalmente nações e territórios de língua inglesa.A eleição do presidente Rene Preval em 2006 contribuiu para estabilizar o Haiti, dois anos depois de o líder populista Jean-Bertrand Aristide ter sido deposto por uma rebelião de grupos armados e ex-membros do Exército.

O Grupo do Río foi formado em 1986 no Rio de Janeiro para representar os interesses latino-americanos, como uma alternativa à Organização de Estados Americanos (OEA), dominada pelos Estados Unidos.O grupo inclui Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Na Wikipedia, tem mais algumas informações.

O Grupo do Rio não possui secretariado permanente e funciona com base em reuniões de cúpula anuais. As suas decisões são adotadas por consenso. Foi originalmente criado para substituir o Grupo de Contadora (México, Colombia, Venezuela e Panamá) e o Grupo de Apoio a Contadora (Argentina, Brasil, Peru e Uruguai), com o nome de “Grupo dos Oito”; em 1990, adotou o nome Grupo do Rio.

Celestin, restavek e o tráfico de haitianos

Essa é a história visível de Simone Celesti, um jovem haitiana que cogitou se suicidar para escapar de anos de abuso de uma família na Flórida. Segundo o depoimento publicado pelo USA Today, ela teria sido retirada de sua família perto de Ranquitt, no Haiti, e levada para os Estados Unidos irregularmente. Assim como muitas foi explorada para o trabalho doméstico. Há casos relatados de abuso sexual com outras “adotadas”.

Essa foi uma das minhas primeiras impressões do Haiti em 2004. Em Porto Príncipe, bem no centro da cidade, próximo ao prédio de uma universidade, vi um muro pixado com a palavra “restavek”. Perguntei a um guia e ele me contou que em vários locais da cidade havia protestos contra esse modelo de “adoção internacional” que acaba por explorar mais as crianças já pobres e sofridas. Essa foi a imagem da fotógrafa Ana Nascimento em nossa viagem pela Agência Brasil.

Ana Nascimento/ABr

“O que é melhor? Ser pobre perto da família ou ser violentada longe dela?”. Foi a frase que não esqueço de uma mãe que conversei perto de um orfanato em Delmas, bairro de Porto Príncipe. Neste ano, pouco antes da realização do Fórum Global contra o Tráfico de Pessoas, em Viena, a Organização Internacional para a Migração lançou um vídeo contra o problema no Haiti. A estimativa (não sei como chegaram ao número) chega a mais de 150 mil crianças nesta situação no país.

“A falta de estatísticas e de qualquer outro tipo de informação nos limita a olhar as pegadas de uma criatura, cuja forma e tamanho ainda não se conhecem”, reconheceu o diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC, em inglês) no evento de Viena.

Estima-se que aproximadamente 2,5 milhões de pessoas são vítimas do tráfico de seres humanos e de suas várias formas de exploração, trabalho forçado ou prostituição, a cada ano. Os especialistas calculam que os lucros gerados pelas redes clandestinas ultrapassam US$ 31 bilhões por ano, sendo US$ 1,3 bilhão na América Latina.

Também deixo uma boa indicação de texto na internet que classifica a situação como a moderna escravidão haitiana. Também segue o link do blog da Daniela Alves que acompanha o tema internacionalmente.

Obs.: No meu PC, o vídeo tinha um “audível” descompasso entre a imagem e o som. Espero que dê certo para quem veja.

Morre haitiano “goleador” da Copa do Mundo

O Haiti só marcou dois gols na única vez em que participou da Copa do Mundo de futebol. Foi em 1974 contra a Itália e a Argentina. O autor foi Emmanuel Sanon, que morreu aos 56 anos de idade, vítima de câncer no pâncreas. O atacante estava morando em Orlando, nos EUA, e morreu em sua casa. Clique no site da federação haitiana para ler a biografia do jogador.

Sanon abriu o placar para o Haiti contra a Itália, que, depois, virou o jogo. O atacante voltou a marcar contra a Argentina. O placar final foi 4 a 1. Na última partida, a Polônia goleou o time haitiano por 7 a 0. Em 1999, foi escolhido como o “atleta haitiano do século”. A participação do Haiti em Copas é minúscula, mas o gol abaixo fez de “Manno”, seu apelido, uma estrela.

O time atual de futebol continua sua preparação para as eliminatórias. Aguarda o vencedor de Nicarágua e Antilhas Holandesas.

Desmatamento do Haiti e a matriz energética

Já pararam para pensar qual seria o desmatamento de florestas necessário para que cerca de 7 milhões de pessoas pudessem cozinhar, aquecer-se ou construir suas casas? Pois este é o Haiti que verão nesta reportagem do Washington Post.

É a história de pessoas que sobrevivem da derrubada de árvores, que, segundo a ONU, cobrem apenas cerca de 4% do território hatiano. Isso porque sua área foi desvatada desde expansão da cana-de-açúcar na colonização francesa até os tempos atuais.

Ariana Cubillos/AP

O Haiti Innovation publicou um post com alternativas para a matriz energética haitiana.

O que Camile Chalmers disse…

O economista e educador haitiano Camile Chalmers é o intelectual que mais compareceu às diversas edições do Fórum Social Mundial para discutir o futuro do país mais pobre das Américas. Chalmers é secretário-executivo da organização Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo (Papda), entidade não-governamental que deu o apoio conceitual e logístico para a realização da Missão de Solidariedade ao Haiti, chefiada pelo prêmio nobel argentino Adolfo Pérez Esquivel. Abaixo algumas frases dele:

Podemos dividir o período de Aristide em três. A primeira fase, em 1991, quando ele era a grande liderança e sofre o golpe. O segundo, em 1994, quando reassume o poder e já volta muito influenciado pelas idéias de Washington. E o terceiro momento quando se elege em 2001 e fica até 2004, quando há novo golpe. Nesse momento, sua administração é contestada pelos EUA, que financia os opositores ao governo, o que acaba gerando a intervenção que vivemos hoje. Em 2004, havia um descontentamento popular com o governo, mas Aristide foi derrubado pela CIA, que financiou ex-militares para lutarem contra o governo. Só que antes do golpe se concretizar, Aristide distribuiu armas a grupos populares de Porto Príncipe que estavam a seu favor, para defender o governo. E por isso hoje grupos populares têm armas pesadas em seu controle.

A presença de MINUSTAH, que se inseriu em um contexto mundial e regional particular, nos parece como um ensaio, um laboratório do imperialismo para poder responder a novos cenários de crise na América Latina, justificando a presença militar de soldados estrangeiros pelo discurso da solidariedade sul-sul; de apoio fraterno, quando sabemos que a presença de MINUSTAH se insere em uma estratégia mais ampla de militarização do Caribe, que é uma zona estratégica para o imperialismo e também coincide com a época onde as tropas estadunidenses estão mobilizadas no Iraque e necessitam colaboração das tropas de outras nações.

Não há uma cifra geral (sobre o número de mortos durante a missão de paz); porém, no operativo militar do dia 22 de dezembro de 2006, morreram entre 27 e 35 civis, e isso somente em um dia. Houve vários outros operativos, organizados depois. Há um informe sendo elaborado que trata de estabelecer o resumo da situação. O certo é que estão sendo produzidas baixas de gente totalmente inocente, cujo único crime que cometeram foi viver em um bairro de pobres. É muito chocante que uma força militar desse tipo tenha cometido esse tipo de violação dos direitos humanos e que em nenhum momento a diligência dessa força tenha reconhecido essas baixas e não tenha dito que vão começar uma investigação para estabelecer as responsabilidades. Atuam de uma maneira muito descarada, com uma impunidade total e uma situação de não respeitar a vida humana e os direitos do povo do Haiti.

O que Celso Amorim disse…

Mais uma da série sobre opiniões de autoridades, pesquisadores e intelectuais sobre a situação recente do Haiti. Deste vez, procurei os argumentos do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, um dos principais articuladores da presença do Brasil na Minustah. É ele quem articula, junto ao secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães, as posições sobre o futuro do Brasil na ONU e no Haiti. Seguem:

A missão do Haiti não foi feita com esse objetivo (de favorecer a obtenção de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU). Ela faz parte de uma preocupação brasileira. A situação de total insegurança de um país da América Latina é algo preocupante. Não podemos ficar dizendo que somos contra uma ação porque não tem o aval da ONU (se referindo ao Iraque) e quando tem o endosso (no caso do Haiti) lavar as mãos. Se isso vai contribuir para o Brasil ser membro permanente no Conselho ou não, não sei. A paz tem um preço. Ou você vai e atua, ou você vai pagar sob a forma de dependência, de menor influência política. O Brasil é um país importante no cenário internacional e temos que dar uma contribuição. (2004)

No Haiti há questões de pobreza, de criminalidade, e de política. Uma combinação explosiva por natureza. Não creio que a repressão indiscriminada seja a melhor maneira de lidar com essa situação. (2005)

Muitas vezes repeti que o sucesso da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti se baseia em três pilares interdependentes e igualmente importantes: a manutenção da ordem e da segurança; o incentivo ao diálogo político com vistas à reconciliação nacional; e a promoção do desenvolvimento econômico e social. (2005)


Bon Bagay Haiti no topo

Registro que depois de quatro meses da sua publicação na Agência Brasil, o documentário Bon Bagay Haiti ainda é a entrada mais comentadas/blogadas do site. Veja aqui a lista do acumulado do ano. Muita água rolou desde então: este blog cresce rápido, mudei-me para São Paulo e entrei na Repórter Brasil. Vou buscar inscrever o documentário em algumas exibições internacionais também para ampliar a discussão do Haiti.

Deu empate na revanche

Continua aqui a maior e única cobertura em português dos amistosos entre as seleções de futebol da Venezuela e do Haiti. O segundo jogo da série foi um empate em 1 a 1. Desta vez no estádio olímpico de Puerto La Cruz. Quem marcou primeiro foi o Haiti, com Brunel Fucien, que deu um chute rasteiro que surpreendeu o goleiro venezuelano Leonardo Morales. A Venezuela só empatou aos 31 minutos do primeiro tempo. Rondín aproveitou o descuido da zaga haitiana e cabeceiou para o fundo da rede.

Haiti 0 x 1 Venezuela

Como prometi, aqui estão as informações do amistoso entre as seleções de futebol do Haiti e Venezuela. A única cobertura brasileira com mais de três parágrafos (!). Em meio ao carnaval e as discussões sobre a política entre Venezuela e Colômbia, o amistoso aconteceu no Estádio Monumental, em Maturín, aquele mesmo que viu três gols de Robinho em julho do ano passado.

O resultado final foi 1 a 0 para a Venezuela com gol de Zurdo Rojas ainda no primeiro tempo. Pelo que pude ouvir em transmissão de rádio via internet, o jogo não foi lá essas coisas. Aliás, nem esperava isso. O público foi de 32 mil pessoas, segundo apuração da Agência Bolivariana de Notícias. O Haiti ainda tentava contra-ataques rápidos mas não conseguiu marcar.

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O elenco da “Vinotinto”, como é chamada a seleção na Venezuela, foi inovador na primeira partida do novo técnico César Farias: Leonardo Morales, Dickson Díaz, Grenddy Perozo, Gabriel Cichero, José Granados, Evelio Hernández, Franklin Lucena, Tomás Rincón, Jorge “Zurdo” Rojas, Emilio Rentería e Armando Maita.

O time haitiano que entrou em campo – Fenelon Gabart, Frantz Gilles, Bruny Pierre Richard, Windsor Noncent, Romaní Genevois, Frantz Bertin, Alain Vubert, Meter Germain, Charles Davidson, Alcénat Jean Sony y Abel Thermeus. Dois dos titulares jogaram contra o Brasil, em 2004.

As duas equipes estão disputando as eliminatórias regionais da Copa do Mundo. A Venezuela na disputa da América do Sul está em quinto lugar, com quatro jogos, duas vitórias e duas derrotas. Com técnico novo, a seleção tenta se aprimorar para a próxima fase da competição que dá acesso à Copa de 2010 na África do Sul.

O Haiti entra somente na segunda fase das eliminatórias da América Central, do Norte e Caribe. Jogará seu primeiro jogo com o vencedor de Nicarágua e Antilhas Holandesas. Veja aqui minha análise sobre as chances do time se classificar para a Copa. O último campeonato do Haiti foi a Copa Ouro, da qual foi eliminado por 2×0 pelo Canadá.

Veja o histórico e os próximos jogos dos dois times. Dia 6 tem o segundo jogo.

Além de biscoitos, a geografia da fome

Como país mais pobre das Américas, o cotidiano do Haiti para grande parte das famílias é uma eterna busca por comida. Escrevi antes aqui sobre a reportagem “hit” sobre os biscoitos de terra, outros, como o Haiti Inovation, também repercutiram. Mas essa é uma pequena amostra do panorama de insegurança alimentar. O Haiti possui dificuldades para a garantia da alimentação das pessoas. Seja na capital Porto Príncipe ou no interior do país com o campesinato.

O interior do país foi um bom produtor agrícola, principalmente arroz. Sua produção foi esmagada com as suscessivas pressões dos norte-americanos. De exportador de arroz virou importador. A produção agrícola familiar foi acabando gradativamente desde o final da década de 80. Atualmente, a maioria dos produtos básicos são importados: carne bovina, arroz, feijão e trigo.

Hoje, li no site do Haitianalysis.com uma feroz crítica ao “rótulo” que pegou na imprensa mundial sobre a melhoria da situação dos haitianos pobres após a missão de paz. O editorial, redigido por Wadner Pierre, cita essa busca por comida como o mais brutal efeito da desigualdade social. Isso porque o custo de vida tem aumentado e os programas sociais continuam inexistindo.

Dizem-nos mais e mais que as coisas estão melhorando, que as Nações Unidas estão aqui, mas isto é hipocrisia. A situação está pior é claro para aqueles que moram nas favelas. (…) Vá até os bairros pobres ver onde a pobreza é grande e dizer ao mundo o que está acontecendo. É nosso dever. É uma necessidade da verdade. Temos de dizer às pessoas a verdade.

Já pensou em falar creoule? Eu sim…

No blog do Deak, li um comentário da Paula Skromov, integrante do Comitê Pró-Haiti Brasil, sobre uma instituição em São Paulo que dá aulas de creoule haitiano. Isso é que é intercâmbio cultural. A Sala Sequoia ensina também guarani, aymara, quechua, yorubá. A seguir um resumo da aula de creoule.

As aulas são ministradas pelo prolífico professor Firto Regis. Ele é natural de Cap Haitien, ao norte do Haiti. Nas aulas, ele comenta as pequenas diferenças existentes entre o kreyòl do norte e do sul do país, e também as diferenças entre a elite rica e a maioria da população.

Agora, que moro e trabalho em São Paulo, vou checar os horários para ver se entro na turma. Até porque só ensaio algumas palavras do creoule. 🙂

Biscotos de terra… o eterno retorno

Não sei direito quem recomeçou, mas acho que foi o The New York Times. Alguém deve ter feito isso antes também. Não sei, não procurei. Mas depois do jornalão norte-americano, dezenas de jornalistas fizeram esta reportagem – mostrar uma “comida” haitiana chamada “té”, um biscoito feito com terra colhida na região de Hinche, manteiga, água e sal. Isso mesmo, uma espécie de cookie de lama. O assunto virou coqueluche da imprensa que foi até o Haiti nos últimos quatro anos.

Na última semana, recebi em meu leitor de RSS uma centena de entradas em blogs e sites reproduzindo uma notícia da Associated Press. Virou hit pelos blogs. Veja o resultado da busca do Technorati. Em 2006, quando eu estava na Agência Brasil, fizemos uma pequena descrição da iguaria um dia depois de uma equipe do SBT. As fotos abaixo são do fotógrafo Marcello Casal Jr.

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Os biscoitos são uma forma de complemento precário da alimentação para muita gente pobre, mas também é moda para mulheres grávidas, carentes ou não, com o argumento de aumentar o ferro no sangue. O risco maior é a cólera, porque a água da massa não é tratada. Eu preferi não experimentar.

O que Peter Hallward disse…

Dando continuidade à série de intelectuais que refletem sobre a situação atual do Haiti, publico algumas idéias de Peter Hallward, professor de filosofia da Universidade de Middlesex. Foi um dos primeiros a de debruçar sobre a recente crise haitiana ao escrever o artigo “Option Zero” para a revista New Left Review.

Escreveu no ano passado o livro “Damming the Flood: Haiti, Aristide and the Politics of Containment”. É o escritor que faz parte das fontes de informação de Noam Chomsky. A seguir, alguns trechos de um artigo que ele publicou no Znet Haiti Watch, em dezembro.

No curto prazo, é difícil negar que a remoção forçada do governo de Aristide, em fevereiro de 2004, foi provavelmente o sucesso mais espetacular de uma administração dos Estados Unidos. O longo esforço de contenção, descrédito e, em seguida, derrubada do Lavalas nos primeiros anos do século 21, constitui o maior êxito do exercício neo-imperial de sabotagem desde a derrubada da Nicarágua Sandinista em 1990.

Em muitos aspectos, foi muito mais bem sucedida, pelo menos no curto prazo, do que triunfos imperialis anteriores no Iraque (2003), Panamá (1989), Granada (1983), Chile (1973), o Congo (1960), Guatemala (1954) ou o Irã (1953)… Não só o golpe de 2004 derrubou um dos mais populares governos na América Latina, mas ele conseguiu derrubá-lo de uma forma que não foi amplamente criticada ou mesmo reconhecida como um golpe para todos.

No longo prazo, porém, a situação é menos clara. Quando o venezuelano Hugo Chávez visitou Porto Príncipe em março de 2007, foi cumprimentado por milhares de pessoas. Naquele dia, o slogan nas ruas foi “Viva Chávez, Viva Aristide, aba Bush!” Se Aristide for autorizado a regressar ao Haiti, admite um ministro do governo atual, é mais do que provável que milhares de pessoas irão dar-lhe as boas-vindas. (…)

Aristide irá certamente continuar a ser o mais popular e mais influente homem no país, e ele retornará com o seu compromisso de transformação política não-violenta. Quando ele retornar, por outro lado, ele não será mais preso pelas limitações da diplomacia e dependência econômica que foram moldadas poderosamente nos seus últimos anos no poder. Talvez não seja por acaso que os defensores do status quo do Haiti ainda estão aterrorizados pela perspectiva deste retorno, e continuam determinados a impedi-lo a todo o custo.

Fotos do carnaval no Haiti

Essa época é muito boa para conhecer a cultura do Haiti. É época de carnaval e, assim como no Brasil, há vários blocos na rua, com desfiles e bandas com marchinhas. Em 2004, numa de minhas viagens para lá, conheci a casa de um fabricante de bonecos em Delmas. Lembrou-me Olinda.

Deixo algumas fotos recentes que encontrei pela net. Achei uma boa galeria no Flickr sobre 2007 do fotógrafo Darre-Ell, que esteve por lá.

Reuters

“Os destinos mais perigosos do mundo”

Muitas pessoas têm mania de listas. Minha amiga Carol Costa é uma delas. Mas a Forbes é viciada nisso: ordenação, ranking, listagens mil. De preferência com numerais cheios: 10, 50, 100! Eu, sinceramente, fico com um pé atrás quando as metodologias para chegar a estas listas não são detalhadamente explicadas nas reportagens.

Aqui um caso desses. O texto de Rebeca Ruiz para a Forbes se propõe a listar os destinos mais perigosos do mundo. Fiquei pensando que Colniza, no Mato Grosso, deve ser mais perigoso do que todos esses lugares. Mas continuei lendo. E o Haiti estava lá no meio. Segundo o texto, por causa da corrupção na polícia e do narcotráfico.

E junto dele estariam a Palestina, Iraque, Líbano, Congo e Sudão. Será o Haiti está ao lado desses? Pelo menos para o Departamento de Estado dos Estados Unidos, sim. Foi emitido por ele recentemente um alerta para viagens ao Haiti por conta da segurança, principalmente por perigo de seqüestros.

O longo caminho de saída da missão de paz

O chefe da missão de paz da ONU no Haiti, o tunisiano Hédi Annabi, esteve no Brasil esta semana para discutir os desafios da ação internacional no país mais pobre das Américas. Com ele estão as chaves para descobrir quais podem ser as possíveis alterações na missão e seu planejamento de saída do país. Este último, sinceramente, nunca houve. Publicamente, sempre se adiou essa discussão, ano após ano. Mesmo após a vitória do presidente René Préval.

José Cruz/ABr

Pelas falas registradas pela imprensa durante uma conferência em Brasília, não houve novidades nesse planejamento (ou na sua ausência). Há a intenção se ampliar a participação de policiais civis, continuar o treinamento da Polícia Nacional do Haiti (ainda despreparada, violenta e corrupta), fiscalizar as fronterias e manter o efetivo militar por cerca de cinco anos mais. Novamente se registrou a urgência da reforma do judiciário, mas sem nenhum indicador claro.

Leia reportagens do NYTimes e da Agência Brasil.

Haiti, um grande entreposto comercial?

Sempre me pergunto qual será o futuro do Haiti – esse país miserável, com florestas e agricultura devastadas, sem petróleo ou minérios. Será que o modelo de desenvolvimento passa por maquiladoras, zonas francas de produção com exploração da mão-de-obra? Será um território cuja produção é controlada por multinacionais? Ou manterá um nível de corrupção e tirania por ciclos viciosos?

Hoje, li uma notícia do USA Today que me alertou para uma pista, que há tempos venho farejando. O Haiti pode ser, como a República Dominicana e a Jamaica são, um grande entreposto comercial. Uma região portuária internacional de baixos custos. Seu litoral possui águas profundas para a navegação de grandes embarcações, que passem ou não pelo Canal do Panamá. A “estabilidade” do Haiti interessaria a muitos países.

É com essa idéia na cabeça que li as declarações do presidente René Preval durante discurso anual no Congresso. “O Haiti deve reformar o seu sistema aduaneiro cheio de corrupção e incentivar os investimentos para retirar o conturbado país do Caribe da pobreza”. Segundo ele, os impostos sobre o transporte marítimo de containers de 40 pés chegam a US$ 900, ou seja, três vezes mais do que na vizinha República Dominicana.

O que Préval e a reportagem não explicam é: aumentar o fluxo garante riqueza para o país? Esse dinheiro vai ser dividido como? Sem respostas assim, a proposta pode servir como uma luva ao “fluxo de caixa” das grandes empresas e abrir mais um ralo de exploração dos haitianos.

O Haiti Innovation também puxou a matéria com um comentário que pede mais transparência no combate à corrupção e com apoio à proposta. Será que é o caminho? 

Venezuela contra Haiti… no futebol

Na preparação para as eliminatórias da Copa do Mundo, a Venezuela marcou dois amistosos em seu país contra o time do Haiti. O primeiro no Estadio Monumental de Maturín, no dia 3 de fevereiro, e o segundo em José Antonio Anzoátegui de Puerto La Cruz no dia 6. A notícia foi confirmada pela Federação Venezuelana de Futebol. Segue o calendário da primeira fase da Concaf. O Haiti só entra na segunda fase. O resultado você confere com exclusividade aqui no blog, porque acho que nenhum outro veículo vai cobrir.

Revolução negra, a independência do Haiti

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Também saiu publicada hoje uma reportagem que fiz sobre a independência do Haiti para a revista História Viva. Chama-se “Revolução negra” e conta como foram as revoltas dos escravos a partir de 1791 sob a influência da Revolução Francesa. Li um monte de livros sobre o assunto, mas a principal referência é “Jacobinos negros”, de Cyril Lionel Robert James. A íntegra do texto está na página da História Viva, abaixo o abre da matéria:

O trabalho na cana era extenuante e desumano. Por décadas, a colônia francesa de São Domingos sustentou um dos mais lucrativos negócios do Novo Mundo com o chicote apontado para o corpo dos escravos africanos. Os negros cavavam valas para o plantio das mudas, cuidavam dos brotos, zelavam pelo crescimento, faziam a colheita e toda a fabricação do açúcar.

Os lucros dependiam da exploração do trabalho. A manutenção da escravidão pelos donos de engenho se baseava em castigos brutais e tinha um nível de perseguição implacável. Os relatos da época descreviam que as punições das chibatas eram mais comuns do que receber comida. Mutilavam-lhes membros, orelhas e genitais; faziam-nos comer excrementos; amarravam-lhes grilhões e blocos de madeira; prendiam-nos a postes fincados no chão.

A tortura sistemática originava, não sem razão, uma sede de vingança. E este foi um dos motivos da revolta que seria iniciada em 1791 e conformou a única rebelião vitoriosa de escravos desde a Antigüidade clássica. A independência do Haiti, proclamada em 1804, só nasceu por causa dela.

A revista também fez na edição online e impressa uma citação ao documentário Bon Bagay Haiti, como parte das pesquisas atuais sobre o país mais pobre das Américas.

Vodu haitiano em imagens

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No blog do MediaStorm, há um link para o trabalho do The Digital Journalist sobre a religião vodu no Haiti. A apresentação da galeria do fotógrafo Les Stone diz: “A violência é apenas um dos aspectos [no Haiti]; a cultura e a forte dignidade dos haitianos é outra”. Como o candomblé no Brasil, a prática é uma das mais surpreendentes no contato com o cotidiano do país caribenho. Visitei um “terreiro” de vodu em minha primeira viagem ao Haiti, em agosto de 2004. Era o fundo de um terreno bem no alto de Porto Príncipe. Sobre fogueiras, grandes tachos de arroz com lentilhas e carne de porco – as oferendas. O clima era forte. O batuque me lembrava os sons do candomblé maranhense.

 

Resgate em Cité Soleil após furacão Noel

Tá publicado no You Tube um vídeo sobre a atuação do batalhão brasileiro no resgate de pessoas afetadas pelo furacão Noel, no bairro de Cité Soleil. O material está bem editado com os depoimentos dos militares. A edição é do pessoal do Viva Rio, organização não-governamental brasileira que também atua no Haiti e mantém um blog sobre o assunto.

O novo chefe da missão no Haiti

Esse é o rosto branquinho do novo chefe da missão de paz da ONU no Haiti. A partir de agora, o tunisiano Hedi Annabi passa a ser o responsável por todas as decisões no país caribenho. Investimentos, operações militares, atuação da polícia civil, ações humanitárias, relação com o governo etc.

Primeiro foi o chileno Juan Gabriel Valdez, que foi substituído pelo guatemalteco Edmond Mulet, e agora por Annabi. Uma de suas primeiras entrevistas à imprensa foi essa aqui à AP, reproduziada pelo jornal Miami Herald. Segundo ele, as tropas ainda vão ficar no Haiti “muitos anos”, porque o país ainda não consegue tomar conta de sua própria segurança.

“A situação de segurança é extremamente frágil. E se tivéssemos de reduzir drasticamente [a atuação das tropas], não haveria um vazio que seria imediatamente substituído pelas mesmas pessoas que estavam lá quando nós começamos”, afirmou Annabi enquanto falava sentado em seu escritório nas colinas da parte alta de Porto Príncipe.

Quando lhe perguntaram quanto tempo a criação da polícia própria haitiana pode demorar, Annabi disse: “Você não cria uma força de segurança, uma força policial, em dois ou três anos… leva 10, 15, 20 anos”. Ou seja, a perspectiva política da ONU no Haiti é longa.

É bom lembrar que, nos últimos 15 anos, já foram cinco missões de paz. Essa se alongará, pelo menos, até as próximas eleições lá. Até 2011. Não tenho dúvida.

Bon Bagay em inglês e Global Voices

Escrevo para registrar que publicamos na semana passada a versão em inglês do web-documentário Bon Bagay Haiti. Na apresentação do especial há um link acima do título para acessar o conteúdo com legendas em inglês. Fizemos isso para tentar ampliar a “audiência” do vídeo fora do Brasil. A tradução foi feita pela repórter Paula Labossière, com revisão minha e do Deak. Depois de ter sido exibido na TV Nacional, o material deve passar na TV Brasil – Canal Integración, em espanhol. Aguardem…

Também vale destacar alguns blogs e sites que linkaram o especial em suas páginas. Destaque para o post do José Murilo no Global Voices, cujo título faz uma citação da música de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ele elenca inúmeras citações de blogs e sites que falam sobre o Haiti. Alguns mais recentes, como é o caso do Consciência.net e outros antigos, como o texto de Eduardo Galeano de 1996. “A história da prepotência contra o Haiti, que nos dias de hoje assume dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental”, disse o escritor uruguaio.

O “Bon Bagay” também voou pela rede. Está no Na Rua, no Webjornalismo, no Blog do Sakamoto, no Sobre Jornalismo, no Videoidéias, no Blog do Gjol, no Fractura.net, na Anacarmen.com, no Corpo 12, no Bem Paraná, no Haitiwebs.com, no Tock’s do Ock-Tock, no NovasM, NMídias, no Blog do Octavio Islas, no Blog do Lenoir, no JBOnline, no Nominuto.com, no Jornal da Mídia, no A Gazeta Online, no Paraíba Online, no TPA Internet, no Primeira Edição, no Portal JFMG, na Revista Fórum, Jornalistas & Cia, no Afromix.org, no Universo Tropical, LabWeb, Agência Subverta, entre outros. Além dos cerca de 500 views no You Tube até a noite de hoje. Avoa, passarim!

A saúde (ou falta dela) no Haiti

Um dos sintomas da pobreza é a saúde. Quando usamos, para o Haiti, a expressão “país mais pobre das Américas”, esse rótulo tem lastro claro, visível e aferível – embora todas as estatísticas sejam frágeis. Essa situação repousa na carência brutal de assistência básica à saúde. O Haiti está na categoria dos países pobres altamente endividados economicamente, e suas taxas de mortalidade materna e infantil são as mais altas do continente – dois principais indicadores sociais. O modelo de atenção à saúde é todo pago, o que gera uma exclusão concreta para a maioria dos desvalidos – 55% das pessoas vivem abaixo da linha de extrema pobreza, recebendo menos de US$ 1 por dia.

O relatório Saúde nas Américas 2007, lançado na última conferência internacional da Organização Panamericana de Saúde (Opas) e ainda pouco explorado na imprensa brasileira, traz dados sobre a situação haitiana. “Quarenta e sete por centro da população não têm acesso básico à saúde; 50% não têm acesso a medicamentos básicos. Uma consulta médica que custava 25 gourdes haitianos no final dos anos 1980, agora custa 1.200 – 48 vezes mais”, aponta o documento. “Oitenta por cento procuram cuidados de curandeiros tradicionais. Para muitos haitianos, a necessidade de pagar antes de receber tratamento acaba com sua obtenção de qualquer cuidado de saúde.”

Das vezes que estive no Haiti, vi isso mais de perto na primeira viagem, às vésperas do jogo da seleção brasileira. À época entrevistei, numa Cité Soleil ainda sitiada, a faxineira Magalie Foufoune, cuja história contei rapidamente numa reportagem da Revista Democracia Viva, do Ibase. Ela dizia que precisava pagar para ir ao médico. Dois de seus oito filhos haviam morrido antes dos cinco anos. E ela e sua mãe, dois anos depois quando voltei a Porto Príncipe, já estavam mortas por pneumonia e problemas gástricos. Lá no especial Bon Bagay Haiti os entrevistados reclamam da falta de hospitais também.

Abaixo, mais alguns números da pesquisa sobre o Haiti:

  • 1 em cada 12 crianças haitianas morre antes de completar cinco anos
  • cobertura de vacinas para crianças de até dois anos era de menos de 50%
  • em 2003, a Aids foi a principal causa de morte entre 20 e 49 anos
  • epidemia de Aids – 2,2% de mulheres infectadas e 2% entre os homens
  • 523 mães haitianas morrem a cada 100 mil nascidos vivos

UN Photo/Marco Dormino

Mãe haitiana leva filha para consulta gratuita no batalhão do Sri Lanka, da ONU, em Porto Príncipe

Opinião e exclusividade sem jornalismo

O Jornal do SBT forçou a barra com as duas últimas reportagens que fez sobre o Haiti (dia 25 e dia 26). No vídeo de sexta-feira, mesmo com uma boa intenção de falar sobre o Haiti, contrabandeou uma opinião sobre Hugo Chávez que a matéria não sustenta com fatos. “O governo e os comandantes militares não admitem mas também não negam: chefiar a missão da ONU é uma maneira de o país se contrapor à crescente influência do presidente venezuelano, Hugo Chávez, entre os países da nossa vizinhança”, diz. É até uma hipótese a se pensar, mas não passa disso se não houver apuração.

Ao mesmo tempo, “vendeu” no abre uma idéia de que os haitianos estão “descobrindo” a cultura brasileira, mesmo do lado dos Estados Unidos. O nosso futebol é amado lá, sim, mas a cultura norte-americana se impõe para eles de maneira muito mais próxima. Ah… o Carlos Nascimento cita que no Haiti se fala francês. Ela é a língua oficial, mas a esmagadora maioria das pessoas fala creoule, mistura do francês com línguas africanas. A diferença é muita.

A matéria de quinta-feira era uma boa possibilidade de explicar a situação do Haiti. Num espaço curto, elencou elementos importantes sobre a ausência de saneamento básico e a oposição entre a vida da elite e dos pobres. “Os poucos ricos vivem no alto da serra e têm carros blindados comprados nos Estados Unidos. Miami fica pouco mais de uma hora de vôo. Lá embaixo, a imensa maioria da população vive na probreza, anda de tap-tap, o único meio de transporte coletivo. Qualquer veículo é improvisado para transportar passageiros. Pelo equivalente a 5 centavos de real dá para atravessar a cidade”, registra.

No final, uma passagem do repórter mistura um monte de informações sem fonte declarada – um problema quando se fala em conflitos no Haiti, que sempre tem diversos lados. O final deveria, para se fazer minimamente jornalismo, se transformar numa matéria à parte. O repórter ressalta a exclusividade de se entrar em Cité Soleil à noite, elenca dados de presos e mortos sem citar a fonte (esses dados são contraditórios), não entrevista nenhum morador da região para checar sua hipótese e nomeia os quiméres, grupos armados aliados de Aristide, como os únicos existentes.

Há outros grupos armados, como os ex-militares, os narcotraficantes etc. Com interesses e ações diversas. “É a primeira vez que uma equipe de televisão passa por Cité Soleil à noite, desde o início da intervenção da ONU no Haiti. Fuzis com mira a laser ajudam a vasculhar os cantos. Quando o governo caiu, as gangues, aqui chamadas de quiméres, começaram a brigar por espaço – 252 chefes criminosos foram presos e dezenas morreram em confronto com os militares. A TV haitiana comemora. Agora a vida anda mais tranqüila mas em meio a tanta miséria ainda é difícil dizer o que melhorou”, diz o texto.

ONU aprova reforço nas fronteiras do Haiti

Nesta sala da sede da ONU, onde a mesa de reuniões tem um formato de ferradura e apenas cinco países têm direito à veto sobre questões da paz mundial, aprovou-se a nova resolução (1780) que prevê mais um ano de mandato para a missão de paz no Haiti. Quase todos os pontos foram adiantados em uma reportagem da Agência Brasil na semana passada.

O principal deles foi reafirmado nesta segunda-feira (15) – a recomendação de reforçar a fiscalização das fronteiras. “A missão vai reduzir sua presença militar em áreas rurais e urbanas calmas e realocar equipes militares para estabelecer patrulhas nas fronteiras marítimas e terrestres”, registra o texto.

Li em uma reportagem do La Nacion, da Argentina, que dois barcos do país vizinho já seguiram para o Haiti para ajudar nessa função. “O governo [argentino] decidiu enviar dois barcos à ilha caribenha para combater o narcotráfico. Assim anunciou nos últimos dias a ministra da Defesa, Nilda Garré, a seu par chileno José Goñi Carrasco. A intenção oficial é se somar a uma esquadra naval sul-americana de doze navios, que vão operar na região antes do final do ano”, dizia o texto.

“A região sul do Haiti é apontada como escala do tráfico de drogas aos Estados Unidos”, prossegue. “Diante de uma situação quase controlada na segurança nas ruas, a força internacional sob o mandato das Nações Unidas buscará agora bloquear o fluxo marítimo de mercadorias de grupos narcotraficantes e contrabandistas.”

UN Photo/Ryan Brown

 

City tour em Porto Príncipe

Quando se chega a Porto Príncipe, capital do Haiti, os capacetes-azuis brasileiros oferecem ao jornalista visitante um tour a bordo de urutus (veículos blindados) e em alguns bairros pobres. O novo hit agora é o bairro pobre de Cité Soleil. Na maioria das vezes, os jornalistas entram lá devidamente acompanhados (lê-se escoltados) pelos militares. Muito melhor é quando essa relação fica evidente para o leitor, um direito à transparência. Um exemplo é essa matéria estilo “gonzo” do repórter Rodrigo Lopes, do jornal Zero Hora.

“O cheiro é convidativo – antecipa alguém do grupo. Obviamente, é uma ironia. O estômago alerta para não continuar. À frente, cerca de 3 mil pessoas se amontoam no meio de uma ruela cercada por galpões de zinco, próximo ao porto da capital do Haiti, Porto Príncipe. O nome oficial é Marché Croix des Bossales, mas os brasileiros deram ao local um apelido mais pertinente: Cozinha do Inferno, uma das mais perturbadoras visões do Haiti”, registra o lead do texto.

O contingente que está no Haiti atualmente, a maioria composta de soldados gaúchos, começa a ser renovado em novembro. As matérias do Zero Hora, inclusive, puxam o ar da graça gaúcha no Haiti. Abaixo o link para o especial multimídi. No final da matéria, há o link para a galeria multimídia.

Galeria de fotos do Zero Hora