Ike traz nova tragédia, ajuda humanitária é urgente

Na atual temporada de furacões, o Haiti foi atingido por tempestades que deixaram mortes, inundações e estragos pelo país. Fay, Gustav, Hanna e Ike são os nomes das tormentas. A última passou no final de semana e já deixou ao menos 50 novas vítimas fatais quando o país ainda contava as mais de 500 que morreram com o Hanna. Principalmente em Gonaives, cidade costeira ao norte da capital Porto Príncipe. Os ventos de 215 km/hora do furacão Ike – categoria 4 na escala Saffir-Simpson de 5 – perderam força após a passagem pelo Haiti. O número oficial de mortes ainda pode subir enquanto a defesa civil trabalha e ajuda humanitária chega. Até agora, o número de vítimas é quase comparável à queda de dois aviões.

Para quem lê estas linhas ainda com distanciamento dos problemas, volto a citar a cobertura do Miami Herald, com relatos sobre as tempestades. Desta vez, a história é de Frantz Samedi, moradora de Cabaret, que procurou desesperadamente sua filha de cinco anos, desaparecida na lama da tempestade Ike. Encontrou-a morta após duas horas de procura. “Frantz Samedi procurou por sua filha de 5 anos de idade, durante duas horas em meio à água suja e aos escombros da tempestade, chamando o seu nome: Tamasha, Tamasha! Quando finalmente a encontrou, ela parecia estar dormindo pacificamente, o seu corpo repousava sobre uma lamacenta laje de concreto ao lado de outras 11 crianças de idades entre um a 8 anos”.

“Um velho homem abriu caminho no meio da multidão de sobreviventes, transportando um pote de água. Ele ajoelha-se ao lado do corpo e lava cuidadosamente com uma esponja o corpo da menina. ‘Eu não posso deixá-la nesta situação’, diz Samedi soluçando. ‘Eu deveria ter morrido em seu lugar’. Tamasha e as outras crianças foram arrancadas de suas famílias quando Ike passou por esta pobre cidade costeira no domingo. A tragédia aqui é uma pequena amostra da devastação generalizada em todo o país”. Clique aqui para ver a fotos do relato. Abaixo, homem lamenta a morte de uma das crianças.

A recém empossada primeira-ministra, Michèle Pierre-Louis, fez um apelo internacional hoje para buscar mais ajuda para o país. “O governo está mobilizado, tendo sido constituído um comité nacional que inclui todos os ministérios para fazer face à situação extremamente grave, mas precisamos de ajuda dos países amigos do Haiti», afirmou. “Esperamos uma frota de helicópetros dos Estados Unidos, a Venezuela prometeu fornecer aparelhos de comunicação e a República Dominicana propôs-nos dar ajuda de emergência”. A Cruz Vermelha Internacional e a Crescente Vermelha lançaram um apelo por US$ 3,4 milhões para ajudar as vítimas haitianas. Até o papa Bento 16 rogou pelas vítimas.

Na sexta-feira, um navio do Comando Sul dos Estados Unidos, com 33 toneladas de suprimentos das Nações Unidas (ONU), chegou para ajudar cerca de 600 mil pessoas que enfrentam dificuldades com os estragos causados por Hanna. O governo brasileiro anunciou a doação de quantia equivalente a US$ 100 mil para ajudar. A Venezuela enviou 18 toneladas de alimentos, móveis e utensílios. Uma estimativa da Cruz Vermelha é que 50 mil pessoas necessitam de ajuda urgente. Alimentação, materiais de primeiros socorros, medicamentos, água limpa e abrigo são as necessidades preementes. Neste link, você acessa uma galeria de fotos da Minustah sobre o caos em Gonaives.

Reportagem no olho do furacão Hanna

Este post é uma troca de impressões entre um blogueiro e uma repórter que viu o estrago do furacão Hanna no Haiti. Sobretudo o impacto na cidade costeira de Gonaives. Troquei e-mails entre ontem e hoje com a correspondente do Miami Herald no Caribe, Jacqueline Charles, e publico aqui com exclusividade alguns relatos de como andam as coisas por lá depois da passagem do Hanna e na espera da tempestade Ike, prometida para as próximas horas. Charles publicou ontem em seu jornal um agoniante relato sobre a família de Fleurie Benita, 24 anos, mãe de quatro filhos, e que perdeu todas suas posses na inundação.

Segundo as primeiras informações oficiais de ontem, as autoridades locais já falam em 500 mortos por afogamento na cidade. Os corpos começam a aparecer na medida em que a água e a lama vão baixando. “Tenho ouvido esses relatos, mas estamos à espera da confirmação da defesa civil daqui. Mas é muito possível (que isso seja verdade) uma vez que agora a água está baixando e as pessoas estão encontrando mais mortos”, conta. A Agência Reuters publicou a informação que ela cita. “A água está calma agora e nós estamos descobrindo mais corpos. Nós encontramos 495 corpos até agora e há 13 pessoas desaparecidas”, disse o comissário de polícia Ernst Dorfeuille.

Acabei por perguntar a ela como foi o trabalho para chegar até Gonaives e cobrir o furacão logo quando ele estava passando, pois, em 2004, o Jeanne deixou um rastro de impacto mas a imprensa internacional somente chegou lá com a ONU. “O Jeanne foi muito bem como Hanna, uma tempestade imprevisível que pegou muitos de surpresa. O Miami Herald enviou um repórter que escreveu várias histórias sobre a devastação que existe na cidade. E da mesma forma que as pessoas em Gonaives aprenderam a correr para terrenos mais elevados – quer uma montanha ou telhados – os repórteres também têm de ser aprendido com o olhar. Eu comecei a descrever Gonaives debaixo d’água na terça-feira pela manhã”, diz.

Com as grandes proporções da tragédia, o trabalho de reportagem também fica difícil por conta de deslocamentos. “É muito difícil chegar ao redor da cidade uma vez que você está lá, por isso o melhor é que você pode fazer o levantamento cena e falar com as pessoas. As pessoas estão com muita raiva e eles continuam assustados agora que mais duas tempestades estão a caminho e podem afetar Haiti. Lembre que o furacão Hanna foi projetado para passar ao longo das Ilhas Turcas, não pelo Haiti, mas ainda assim causou um grande número de mortes”, afirma. No Miami Herald, há uma página para visualizar a rota de cada um dos furacões desta temporada.

A repórter também comentou comigo sobre a cobertura da imprensa internacional por lá. Ela já foi acusada pelo Haiti Information Projet (HIP) de ser uma voz anti-Aristide lá por ter omitido, segundo o HIP, as reais dimensões das manifestações favoráveis a ele. Indagada sobre a qualidade da cobertura da imprensa diante dos problemas do país, Charles responde: “Pessoalmente não tenho queixas sobre a cobertura do Miami Herald. Penso que cobre todos os aspectos do Haiti e da vida haitiana. No que diz respeito à maneira como os outros cobrem, eu realmente não presto atenção a menos que exista uma história que interesse a mim ou aos nossos leitores”.

Rastro de desespero do furacão em Gonaives

O Senado haitiano, no dia da aprovação do nome da nova primeira-ministra, declarou estado de emergência na cidade de Gonaives, que ficou completamente inundada pelo furacão Hanna. Mais de 150 mortos são confirmados até agora. A cidade é a mesma que foi devastada pela tempestade tropical Jeanne, em 2004. A região deixou está quase isolada do país, pois as estradas da capital até lá são péssimas e estão submersas. O Miami Herald fez a melhor descrição até agora da passagem do furacão por lá. Reproduzo um trecho traduzido livremente quando a repórter Jacqueline Charles conta a história desesperadora de uma família atingida pelo furacão.

Em seu terceiro dia sem alimentos ou água, Fleurie Benita anda com dificuldade pela alta camada de lama, equilibrando suas posses na cabeça, com a incerteza do que fazer e do que está por vir. A cada passo, a mãe de quatro filhos recorda as ofuscantes cortinas de chuva e o som da morte batendo à sua porta. E então sua desesperada decisão. ‘Peguei as crianças e corri. Nós corremos para a casa de um vizinho’, disse Benita, 24 anos, que como muitos outros conseguiram ter sucesso ao desafiar a devastadora chuvarada da tempestade tropical Hanna para salvar sua vida. ‘A água nem sequer deixou uma cama para eu dormir. Até as vasilhas e as panelas foram levados embora’.”

Um dos filhos de Benita se enchia de lama enquanto, sem qualquer roupa, tirava as coisas da casa. A fotógrafa do jornal norte-americano fez a seguinte foto.


Na página oficial da Minustah, sigla da missão da ONU no Haiti, há uma nota de que o acesso à cidade de Gonaives, capital do estado de Artibonite, ainda é impossível. “Muitos bairros ainda estão alagados. Muitas estradas do estado, tais como Gros-Morne Pilatos, Gros Morne-Bassin Bleu ou rodovia Marmelade estão interrompidas, resultando no isolamento de muitos municípios”. As agências da ONU estão mobilizadas para tentar atenuar o sofrimento nos locais mais atingidos.

A BBC traz o pronunciamento do coordenador de ajuda humanitária da ONU no país, Joel Boutroue, que contabiliza 600 mil pessoas que necessitam de ajuda. Em Gonaives, segundo ele, 70 mil estão amontoados em abrigos temporários. Como a cidade é costeira, a elevação de dois a três metros no nível das águas inundou boa parte das ruas e casas. O número exato de vítimas pode só ser conhecido depois que as águas baixarem. Com o Jeanne também foi assim. Corpos submersos foram aparecendo ao longo dos dias.

Gonaives é uma das principais cidades do interior do Haiti e tem um significado histórico por ser um dos focos do movimento dos ex-escravos que conquistou a independência do país. Depois de três dias de chuvas e alagamentos, o Haiti precisa de ajudar suas vítimas e já se preparar para a chegada do furacão Ike de categoria 4 numa escala de cinco. Para ver um pouco mais sobre a área de formação das tempestades, veja o infográfico do National Hurricane Center, sediado em Miami.

Temporada de furações no Haiti

O Haiti, no meio do Caribe, está próximo à área de formação de furacões do Atlântico. Eles geralmente se formam a partir de tempestades que se originam no oceano Atlântico, passam pelo Haiti, seguem por Cuba e só depois chegam ao sul dos Estados Unidos. E agora a temporada está aberta. Quem conhece o trabalho de prevenção de desastres naturais sabe que o estrago é sempre maior quando furacão passam por áreas pobres, desprovidas de habitação e infra-estrutura decente. Em 2004, semanas após o jogo entre Brasil e Haiti, o furacão Jeanne chegou a matar mais de 3 mil pessoas no Haiti. Depois dele, já vieram muitos, sempre com algum impacto nos locais mais pobres. Nesta imagem de hoje do site da Nasa, dá para ver o final do furacão Gustav.

O Gustav passou no final de agosto no Haiti. Morando em Petionvile, na capital Porto Príncipe, o embaixador brasileiro Igor Kipman enviou o seguinte relato. “O furacão Gustav, de magnitude 1 da escala Saffir-Simpson em sua passagem pelo Haiti, passou nos últimos dias 26 e 27 de agosto pelos departamentos [estados] do Sul, Nippes, Sudeste e Grand’Anse, causando morte e danos materiais nessas regiões. Oficialmente, 77 pessoas morreram e 8 estão desaparecidas devido às chuvas torrenciais e fortes ventos causados pelo Gusvtav. A cidade de Jérémie, no departamento de Grand’Anse foi uma das localidades mais atingidas pelo ciclone. Rios transbordaram e a cidade ficou parcialmente alagada dado o grande volume de precipitação verificado”, escreveu por e-mail com algumas fotos em anexo – uma delas reproduzo a seguir.

Pelo Global Voices, o Janine Mendes-Franco organizou alguns relatos de blogueiros por lá. Um bom foi o do Theo, do blog Pwoje Espwa. “Os rios estão transbordando, já que as montanhas desmatadas não conseguem absorver a chuva. Nós estamos ouvindo sobre muitas pessoas indo para os hospitais com bebês doentes, e que muitos perderam suas plantações, e que haverá menos crianças indo para a escola neste ano acadêmico. O Haiti não precisava disso neste momento. Os preços dos alimentos e dos combustíveis dispararam, dando motivo para manifestações políticas que podem tão facilmente se tornar violentas”, descreveu. “Muitas casas foram destruídas; toneladas e toneladas e produtos agrícolas foram inundados; mais de 60 Haitianos morreram nos últimos dias.”

Depois de Gustav, veio Hanna. No Washington Post, um vídeo da Associated Press com visões aéreas dos alagamentos. Eles fizeram também um infográfico para acompanhar a rota e a intensidade do furacão. No Haiti Innovation, também repercutia o assunto. A BBC reproduziu a fala do presidente René Préval ao comentar que seu país está vivendo uma “catástrofe”, ao ser atingido pela mais recente de três tempestades que mataram 170 pessoas e forçaram milhares a abandonar suas casas. “Nós estamos em uma situação realmente catastrófica”, afirmou o presidente, que pretende realizar conversações em caráter de emergência com representantes de países doadores para pedir ajuda humanitária. Segundo Préval, a mais recente tempestade a atingir o Haiti, Hanna, pode causar ainda mais danos do que o furacão Jeanne.