Haiti e o “estado de sítio” permanente


Artigo meu publicado para o site OperaMundi, disponível neste link
aqui.

Não foi só ontem, não é só hoje. O Haiti vive um “estado de sítio” constante. Quando não “treme” pela pobreza extrema – aqui entendida como desemprego epidêmico, fome crônica e a ausência de saúde e educação públicas -, é a vez das crises políticas e das tragédias naturais: tempestades tropicais, enchentes e furacões. Para dar um exemplo, quatro furacões deixaram cerca de mil mortos e 18 mil desabrigados em 2008. Corpos apodreciam na água das enchentes, não havia estrutura de socorro, o dinheiro e a ajuda humanitária chegavam lentamente. Há pouco, semanas atrás, acabou a temporada de furacões na América Central e, agora, o país se debate com um surpreendente terremoto de magnitude inédita nos últimos 200 anos.

Aliás, dois séculos atrás é aproximadamente o tempo histórico da vitória da única rebelião de escravos que levou à independência de uma nação desde a Antiguidade clássica. Um passado glorioso que vem sendo ofuscado por um presente de pobreza e crises. Desde a deposição do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, em 2004, a situação política oscilava entre momentos de paz, violência e fragilidade política. Mas a pobreza resistia. E a cada fenômeno natural, o espectro da destruição pairava sobre eles. A diferença é que desta vez, a tragédia une brasileiros e haitianos. Haverá mais confirmações de mortes entre os brasileiros capacetes azuis e diplomatas da ONU. A médica Zilda Arns teve ironicamente sua vida ligada ao país do continente americano com um dos piores índices de desnutrição e mortalidade infantil, onde queria implantar as bases da Pastoral da Criança.

O impacto do terremoto sobre o Haiti é brutal porque seu epicentro foi muito próximo de uma das regiões mais populosas, a capital Porto Príncipe. O país tem um território comparável ao de Alagoas, com cerca de 8 milhões de pessoas. Mais ou menos 3 ou 4 milhões vivem só na capital, em favelas de tijolos frágeis, de estruturas baratas, improvisadas. Na cidade, onde os ricos moram nos morros e os pobres na parte plana próxima ao mar, o impacto foi maior em bairros com construções de mais de um piso. A região do Palácio do Governo, vizinha da favela de Bel Air, foi destruída. A situação se repete em bairros mais horizontais, como Carrefour, Delmas e Cité Militaire. Na região de Cité Soleil, de barracos de zinco e tijolos finos, os danos não foram menores.

O distrito de Petion-Ville, no alto da cidade, onde ficam as sedes das embaixadas e organizações internacionais, sofreu grande impacto. Até o Hotel Montana foi atingido, um quatro estrelas versão haitiana, onde morreu o general brasileiro Urano Bacellar em 2006. Passarão semanas para as contagens dos mortos e desaparecidos. O Palácio do Governo, que desmoronou quase completamente, era um centro político e uma espécie de residência do presidente. No hall revestido de mármore sob a cúpula central do palácio, ficavam as estátuas de Simon Bolívar e Alexandre Petion. Frente a frente. A poucos metros da vista ampla da planície da praça. Esses símbolos foram completamente soterrados no terremoto.

Um país imóvel

Vale lembrar que, em novembro de 2008, uma pequena tragédia se abateu sobre o distrito de Petion Ville. Ali, sem temporal, sem vento, sem terremoto, a escola primária La Promésse desabou. Simplesmente veio abaixo pela precariedade de sua construção. Matou cerca de 100 crianças e feriu outras 150. O presidente haitiano, René Préval, disse na época que a fragilidade e a debilidade do Estado permitia a existência de construções precárias e ocupações ilegais, o que aumenta a possibilidade de vítimas. O Haiti tentava reestruturar seu Estado com a ajuda da quinta missão de paz da ONU nas últimas décadas. Mas ainda não havia um sistema de defesa civil estruturado, o que vai piorar a situação agora no socorro e atendimento a feridos. Quem não morreu diretamente pelo terremoto corre o risco de morrer por falta de estrutura de bombeiros ou atendimento médico.

Porto Príncipe já possuía uma infra-estrutura precária. Energia elétrica era luxo. Quem tinha convivia com apagões diários. A distribuição de água era feita, muitas vezes, por caminhões-pipa e fontes de água. Em bairros inteiros, a população se abastecia com baldes. Cité Soleil, a maior favela da cidade, era um exemplo. Agora, com o terremoto, a estrutura de abastecimento de água também sofreu. Num país que importava mais da metade da comida para manter as necessidades básicas da alimentação de seu povo, a água voltou a ser escassa. Todo o combustível do país também é importado. Dificilmente um plano de emergência, com o envio de maquinário pesado, conseguirá colocar em prática um mutirão de salvamento em grande escala para evitar mais mortes. O país está quase imóvel dois dias após o abalo principal.

A ajuda da ONU e a dívida externa

O número de mortos – ouve-se agora uma estimativa do governo haitiano de cerca de 50 mil – seria pelo menos cinco vezes maior do que o total de brasileiros enviados à missão de paz das Nações Unidas nos últimos seis anos. O terremoto deve aproximar mais Haiti e Brasil. Nos últimos tempos, nossos enlaces com o país caribenho aumentaram. Além dos capacetes azuis, ativistas, acadêmicos e religiosos procuravam estreitar relações com o povo. A estrutura da ONU no país sempre esteve longe de mudar o perfil da pobreza e das necessidades básicas para o país se reerguer: trabalho, saúde, educação. Iniciativas como a da médica Zilda Arns eram um pedido de entidades haitianas desde a chegada da ONU por lá, há seis anos. Envio de médicos, engenheiros agrônomos, professores, gestores públicos, entre outros. Tudo que vai faltar em dobro agora.

Do fim da vida de Zilda Arns no Haiti, cabe ainda um recado, acredito. A mudança no perfil da missão da ONU no Haiti é urgente mais uma vez. O estágio relacionado à segurança pública pode ter sido questionável, mas há tempos foi superado. Temos a oportunidade agora de ajudar com menos tropas militares e mais parcerias para a reconstrução e desenvolvimento do Haiti. A começar pelo perdão da dívida externa de cerca de 2 bilhões de dólares, uma porcentagem ínfima na comparação com os rios de dinheiro que os países ricos gastaram para socorrer o sistema financeiro internacional da gana de seus próprios especuladores.

A vida na nuvem…. de tags

wordle

o amigo rodrigo savazoni indicou o wordle e eu achei muito bom para brincar de coisa séria. uma boa metáfora da vida recentemente, uma nuvem… de tags. coloquei lá um trecho do haitiano Dany Laferrière. e  virou isso aí: um concretismo haitiano, forjado e remixado na net.  escrevo hoje para contar que há tempos não escrevia por aqui. o final de 2008 e toda esta década dos primeiros meses de 2009 foram tempos de muitas mudanças. no mundo, obama foi eleito e tomou posse.  o haiti comemorou. contudo, pouco mudou para aqueles negros de lá.  a crise se aprofundou imensamente. e isso muito mudou para eles. bilhões de dólares foram gastos pelo mundo contra a quebra de empresas e das bolsas. se uma pequena parte tivesse sido usada para os pobres haitianos, a discussão em julho agora seria outra. mas o mundo não gira assim. nem a onu. ah… colaborei com a revista on-line terra magazine neste primeiro semestre de 2009. muita gente deu pitacos e petelecos bons por lá.  dei os meus também.  mas no segundo semestre os vôos serão outros. vou falando, vou falando…

Escola desaba em Pettionville

Foi um minifuracão. Sem vento, sem chuva, a tragédia impactou fortemente o Haiti. O prédio da escola La Promésse, no município de Petionville, localizado na região da capital Porto Príncipe, desabou. A tragédia matou pelo menos 93 pessoas e deixou mais de 150 feridos. A maioria das vítimas eram crianças que freqüentavam a escola evangélica no momento do desmoronamento. Foram quatro andares do colégio privado que vieram ao chão.

Vários grupos ajudaram no resgate: o contingente militar brasileiro da ONU, Cruz Vermelha, Médicos Sem Fronteiras, Polícia Nacional do Haiti e voluntários civis. Via e-mail, o embaixador brasileiro Igor Kipman descreveu a ação dos brasileiros. “No interior do prédio da escola, em um túnel estreito que ameaçava desabar, após mais de seis horas de trabalho dramático, conseguiram resgatar com vida quatro crianças haitianas que se encontravam presas nos escombros”.

A capitã médica Carla Maria Clausi comandou o resgate pelos brasileiros e registrou: “Conseguimos salvar com vida, depois de mais de 6 horas de um resgate dramático, quatro crianças haitianas, de 6 e 7 anos de idade, que se encontravam presas nos escombros do andar térreo”. Uma foto desse momento caiu no Flickr. O presidente René Préval explicou que a debilidade do Estado permite a existência de construções precárias e as ocupações ilegais, que dificultaram até o socorro às vítimas.

No Twitter, pessoas de diferentes países repercutiam as notícias. As buscas terminaram em confusão, porque a população queria continuar a escavar o local mesmo sem chances de encontrar mais vítimas.

School collapse

Publico.Org, algo inovador no jornalismo

Conheci em São Paulo por meio do Rodrigo Savazoni e do André Deak um grupo de comunicadores realmente impressionante. Que traz discussões quentes para a prática do jornalismo – sua crise, superação e seus novos desafios. Um dos projetos discutidos e formatados por este grupo é o Publico.Org, uma experiência jornalística de protagonismo jovem na periferia de São Paulo.

Coisa de quem realmente vê que a crise do jornalismo também é superada com debates e envolvimentos de quem está atento a novos olhares. Principalmente aqueles que surgem fora do eixo prepotende do main-streaming, e que às vezes está numa laje de favela. A proposta está na corrida para obter financiamento do Knights News Challenge. Leia mais sobre o projeto e vote por esta página.

publicoorg

Trabalho escravo, cana-de-açúcar e o discurso da propaganda

Este post faz eco ao texto do jornalista Leonardo Sakamoto, escrito em seu blog. Vamos lá. Passo-a-passo. Quem diz que o Brasil não tem trabalho escravo ligado à cana-de-açúcar? Os empresários, várias fontes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e, agora, um integrante do Itamaraty preocupado com a imagem no exterior. E quem diz que há trabalho escravo? O próprio Ministério do Trabalho com a lista-suja dos maus empregadores e as organizações não-governamentais, como a Repórter Brasil, que acompanham o setor. E a situação é grave? Já foi muito pior, mas ainda há casos de fazendas com flagrantes de trabalho escravo. O que fazer então? A questão não é negar que exista trabalho escravo e, sim, mostrar a presença do Estado nos casos de violação.

Tenho trabalhado como colaborador na produção e edição do programa Plantão Saúde, distribuído para 400 rádios de todo o país. Neste mês, fiz uma edição sobre os direitos dos cortadores da cana-de-açúcar e a situação do setor. Tem uma entrevista com um auditor fiscal do trabalho e outra do Sakamoto. Destaque para as seguintes informações. 1) Um estudo recente mostra que ao cortar uma média de 12 toneladas por dia, o trabalhador precisa caminhar 8 quilômetros, dar 130 mil golpes de podão. Isso o faz perder 8 litros de água. E ainda realiza a atividade sob efeitos da poeira, da fuligem da cana queimada e do sol quente; 2) Dos 5.999 trabalhadores libertados da escravidão no ano passado, 3.131 estavam em fazendas de cana-de-açúcar, em nove fazendas.

Esse discurso que o Itamaraty adota também está impregnado na propaganda dos empresários e pode cair nas garras do que o governo quer “vender” lá fora. Hoje, o Portal Imprensa publicou uma notícia sobre a licitação que escolheu a agência de relações públicas para promover o Brasil no exterior. O sub-secretário da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), Otoni Fernandes Jr., afirmou que o etanol deve ser um dos principais motes. “A questão etanol é líder porque vem há 33 anos investindo nesse biocombustível”. “Temos o ciclo completo do etanol”, ressatou. “O Brasil é uma marca forte e precisamos aproveitar o momento”, concluiu. Será uma oportunidade de corrigir o discurso… se houver vontade.

Twitter #rodaviva sobre comunicação pública

Aqui deixo a cópia das inserções no twitter dos bastidores do programa Roda Viva, da TV Cultura, que gravou nessa terça-feira com a diretora-geral da BBC, Janna Bennett. O conteúdo está no blog em ordem inversa. Os primeiros updates estão lá embaixo. Junto comigo na bancada dos twitteiros do Roda Viva, estavam Lucia Freitas e Barbara Dieu. Entre os entrevistadores estavam Lilian Witte Fibe, Carmen Amorim, Patricia Kogut, Eugenio Bucci, Lucia Araujo, Nelson Hoineff. A entrevista foi exibida experimentalmente on-line ao lado de todas as inserções com a marca #rodaviva no twitter. A fórmula é interessante e está em teste. Conversando com a Lia Rangel, ela comentou que a exibição foi marcada em cima da hora. Apesar disso, achei boa a participação. Horário em que as pessoas estão na net, talvez pela conexão em seus respectivos trabalhos.

Barbara Dieu comentou que é necessário mais interação entre as pessoas do twitter e o programa. Acho que tem melhorado. Hoje, as pessoas podiam mandar perguntas via twitter e via e-mail. Embora poucas (se não me engano quatro apenas) tenham sido feitas realmente à entrevistada. André Deak, o Radar Cultura e o Paulo Fehlauer já escreveram sobre as experimentações no Roda Viva. O search.twitter ajuda a mostra tudo sobre a tag #rodaviva. Em relação à entrevista, acho que foi mediana. Bennett é uma executiva de programação, mais envolvida com a parte de seriados e documentários, mas com pouca relação com o jornalismo. Suas respostas foram afirmativas, mas pouco detalhadas. E os entrevistadores não pediram exemplos de suas formulações sobre publicidade, audiência e conteúdo. Aí deixou a desejar. Contudo, vale por discutir direito à comunicação em horário nobre.

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Missão da ONU no Haiti é renovada até fim de 2009

A bola estava cantada. O Conselho de Segurança das Nações Unidas renovou a permanência da força de paz no Haiti por mais um ano, incluindo planos de ação pelo menos até a posse do novo presidente em 2011. Ou seja, a decisão foi tornada oficial hoje, mas, na prática, é uma formalidade das rotinas burocráticas da diplomacia. O que interessa é que a nova resolução não traz nenhuma mudança formal na configuração dos trabalhos. Mais de um ano e meio depois de relativa tranquilidade no país, passada a etapa das ações militares em Cité Soleil, o número de soldados permanece o mesmo sob o argumento que de a segurança ainda é frágil. Nada indica que o modelo de missão de paz da ONU vá apresentar resultados mais concretos para os verdadeiros problemas do povo haitiano – pobreza, falta de saúde, educação e emprego.

A resolução apresentada hoje mantém o Haiti como região de conflito, mantendo as regras de engajamento militar, com a observação de que a segurança é necessária em situações como os protestos da população em abril diante da inflação dos alimentos. Além, claro, após a devastação brutal causada pelos quatro furacões recentes (Hanna, Gustav, Ike e Fay), que, segundo o diplomata Luiz Carlos da Costa, assessor do secretário-geral da ONU no Haiti, atrasará em cerca de um ano a “estabilização” do Haiti. “A resolução reconhece a necessidade de uma conferência de doadores de alto nível para apoiar a estratégia nacional de crescimento e redução da pobreza no Haiti. Nesse sentido, pede ao governo haitiano e à comunidade internacional de doadores a implementar um sistema eficiente de coordenação de ajuda”, diz a ONU.

Esse anseio por mudança está há tempos na cabeça de entidades civis haitianas (leia matéria de 2005), na dos próprios militares (leia general Heleno em 2004) e dos diplomatas – recentemente o embaixador Igor Kipman falou sobre disso. “Eu continuo defendendo que o Brasil, nesse próximo contingente [que será o décimo] ou no outro, mande menos combatentes e mais uma companhia de saúde, mais pessoal de educação”, indicou na Agência Brasil. Depois, ao jornal O Estado de S.Paulo, foi mais explícito. Ao falar sobre a prorrogação sob os mesmo “moldes”, o diplomata disse que vai atuar por mudanças no composição das tropas e na manutenção do Capítulo 7 da Carta da ONU, que autoriza o uso da força. “Não precisamos de combatentes para ensinar criança a escovar os dentes. Temos 900 combatentes fazendo ações cívico-sociais, como distribuição de alimentos e construção de latrinas.”

Nesta última reportagem, inclusive, feita pelo jornalista João Paulo Charleaux, há uma ótima análise sobre o fracasso do braço civil da Minustah, a área da missão responsável pela atuação policial, por novos projetos humanitários e pela articulação de trabalhos das agências da ONU. Entre os argumentos do texto, está um dado que consta no balanço do último ano da missão. Elaborado pelo chefe da Minustah, Hedi Annabi, o relatório cita que a produção nacional de alimentos e ajuda humanitária que recebe não cobrem a metade das necessidades da população. “O Haití importa 52% do restante de seus alimentos (o que inclui mais de 80% do seu arroz) e todo o seu combustível”, registra. Ou seja, sem mexer na estrutura econômica do país qualquer ação militar será um processo “enxuga-gelo”.

Caos dos furacões no Haiti – update de fotos


Agora, passado algum tempo após os quatro furacões que atormentaram o Haiti, chovem na internet atualizações das fotografias da tragédia. Para ser mais exato, das quase 800 mortes e outras dezenas de milhares de desabrigados. Via Haiti Innovation, recebo alguns links para navegar pela dimensão de ser pobre num país que está na rota dos furacões. A foto acima é da equipe da Rádio Nederland. Também tem a própria galeria do blog Haiti Innovation. Na Federação Internacional da Cruz Vermelha, uma galeria mostra Gonaives alagada. A Cruz Vermelha dos Estados Unidos traz mais 20 fotos. Também no Flickr, imagens do comando militar dos Estados Unidos entregando a ajuda humanitária. Susan Walsh publicou fotografias de resgates em Gonaives. Complemento a apuração deles com links importantes da página da Minustah, do Haitian Times, do TNT Emergency Response Team, além do sempre impressionante olhar da fotógrafa Ariana Cubillos, do Washington Post, como na foto abaixo.

Ajuda pós-furacões e economia haitiana na berlinda

A passagem dos furacões pelo Haiti (e seus impactos) foram pouco noticiadas no Brasil. Há alguns dias, jornalistas da TV Globo, da EBC e da Agência Lusa foram para lá. Esta última, inclusive, com belas reportagens. No balanço, deram matérias em português com relatos dos soldados e dos representantes da ONU sobre a ajuda humanitária. O general Santos Cruz estima em quase 17 mil os desabrigados. A diretora do Programa Mundial de Alimentos, Josette Sheeran, acredita que nem um terço das doações necessárias chegaram. De Porto Príncipe, o embaixador brasileiro comenta que alimentos são doados pelo Brasil diretamente a famílias e entidades necessitadas. Enviado da ONU clama por doações via governo e não por ONGs. Na imprensa estrangeira, há denúncia de roubo de alimentos que seriam entregues para as vítimas. O Unicef reafirma que as crianças são as principais vítimas. ONG Médicos Sem Fronteiras atua fortemente em Gonaives. Venezuela anuncia plano de ajuda ao Haiti por intermédio da Petrocaribe, já uma reportagem da NPR vincula a atuação de Chávez a uma manobra política na região. No rastro dos quatro furacões que devastaram o país, outra tempestade se forma – o impacto financeiro que a crise dos Estados Unidos pode provocar no Haiti. O economista Kesner Pharel alerta que a economia haitiana é muito vulnerável. Já frágil por ser grande importador de alimentos, os efeitos de uma recessão no país podem ser bem duros. E empurrar cada vez mais gente para imigrações ilegais. Sem que ninguém discuta uma “ajuda econômica” ao Haiti diante da enxurrada de dinheiro que seguirá para a roleta das bolsas. E se o furacão recessivo for uma tormenta a conta-gotas?

A uma derrota de dizer adeus à Copa

Seguindo na missão de ser o único blog brasileiro a ter uma editoria de futebol haitiano, trago notícias sobre a situação complicada do Haiti nas Eliminatórias da Copa do Mundo. O jogo entre Haiti e El Salvador, pela Concacaf, foi no sábado. E a notícia não poderia ser das piores para nós, os torcedores do futebol haitiano (!). Quem passou como um furacão sobre o time deles foi o atacante salvadorenho Rodolfo Zelaya, que marcou três dos cinco gols. A goleada afundou o Haiti na tabela. Deixou o time a apenas uma derrota de dizer adeus à possibilidade de voltar à África, o continente-mãe do Haiti, e disputar a Copa do Mundo. A única vez que o Haiti disputou uma Copa foi em 1974. O jogo decisivo é contra a Costa Rica. Ai, ai.

Via Fifa e Radio MétropoleHaiti.

Ike traz nova tragédia, ajuda humanitária é urgente

Na atual temporada de furacões, o Haiti foi atingido por tempestades que deixaram mortes, inundações e estragos pelo país. Fay, Gustav, Hanna e Ike são os nomes das tormentas. A última passou no final de semana e já deixou ao menos 50 novas vítimas fatais quando o país ainda contava as mais de 500 que morreram com o Hanna. Principalmente em Gonaives, cidade costeira ao norte da capital Porto Príncipe. Os ventos de 215 km/hora do furacão Ike – categoria 4 na escala Saffir-Simpson de 5 – perderam força após a passagem pelo Haiti. O número oficial de mortes ainda pode subir enquanto a defesa civil trabalha e ajuda humanitária chega. Até agora, o número de vítimas é quase comparável à queda de dois aviões.

Para quem lê estas linhas ainda com distanciamento dos problemas, volto a citar a cobertura do Miami Herald, com relatos sobre as tempestades. Desta vez, a história é de Frantz Samedi, moradora de Cabaret, que procurou desesperadamente sua filha de cinco anos, desaparecida na lama da tempestade Ike. Encontrou-a morta após duas horas de procura. “Frantz Samedi procurou por sua filha de 5 anos de idade, durante duas horas em meio à água suja e aos escombros da tempestade, chamando o seu nome: Tamasha, Tamasha! Quando finalmente a encontrou, ela parecia estar dormindo pacificamente, o seu corpo repousava sobre uma lamacenta laje de concreto ao lado de outras 11 crianças de idades entre um a 8 anos”.

“Um velho homem abriu caminho no meio da multidão de sobreviventes, transportando um pote de água. Ele ajoelha-se ao lado do corpo e lava cuidadosamente com uma esponja o corpo da menina. ‘Eu não posso deixá-la nesta situação’, diz Samedi soluçando. ‘Eu deveria ter morrido em seu lugar’. Tamasha e as outras crianças foram arrancadas de suas famílias quando Ike passou por esta pobre cidade costeira no domingo. A tragédia aqui é uma pequena amostra da devastação generalizada em todo o país”. Clique aqui para ver a fotos do relato. Abaixo, homem lamenta a morte de uma das crianças.

A recém empossada primeira-ministra, Michèle Pierre-Louis, fez um apelo internacional hoje para buscar mais ajuda para o país. “O governo está mobilizado, tendo sido constituído um comité nacional que inclui todos os ministérios para fazer face à situação extremamente grave, mas precisamos de ajuda dos países amigos do Haiti», afirmou. “Esperamos uma frota de helicópetros dos Estados Unidos, a Venezuela prometeu fornecer aparelhos de comunicação e a República Dominicana propôs-nos dar ajuda de emergência”. A Cruz Vermelha Internacional e a Crescente Vermelha lançaram um apelo por US$ 3,4 milhões para ajudar as vítimas haitianas. Até o papa Bento 16 rogou pelas vítimas.

Na sexta-feira, um navio do Comando Sul dos Estados Unidos, com 33 toneladas de suprimentos das Nações Unidas (ONU), chegou para ajudar cerca de 600 mil pessoas que enfrentam dificuldades com os estragos causados por Hanna. O governo brasileiro anunciou a doação de quantia equivalente a US$ 100 mil para ajudar. A Venezuela enviou 18 toneladas de alimentos, móveis e utensílios. Uma estimativa da Cruz Vermelha é que 50 mil pessoas necessitam de ajuda urgente. Alimentação, materiais de primeiros socorros, medicamentos, água limpa e abrigo são as necessidades preementes. Neste link, você acessa uma galeria de fotos da Minustah sobre o caos em Gonaives.

Reportagem no olho do furacão Hanna

Este post é uma troca de impressões entre um blogueiro e uma repórter que viu o estrago do furacão Hanna no Haiti. Sobretudo o impacto na cidade costeira de Gonaives. Troquei e-mails entre ontem e hoje com a correspondente do Miami Herald no Caribe, Jacqueline Charles, e publico aqui com exclusividade alguns relatos de como andam as coisas por lá depois da passagem do Hanna e na espera da tempestade Ike, prometida para as próximas horas. Charles publicou ontem em seu jornal um agoniante relato sobre a família de Fleurie Benita, 24 anos, mãe de quatro filhos, e que perdeu todas suas posses na inundação.

Segundo as primeiras informações oficiais de ontem, as autoridades locais já falam em 500 mortos por afogamento na cidade. Os corpos começam a aparecer na medida em que a água e a lama vão baixando. “Tenho ouvido esses relatos, mas estamos à espera da confirmação da defesa civil daqui. Mas é muito possível (que isso seja verdade) uma vez que agora a água está baixando e as pessoas estão encontrando mais mortos”, conta. A Agência Reuters publicou a informação que ela cita. “A água está calma agora e nós estamos descobrindo mais corpos. Nós encontramos 495 corpos até agora e há 13 pessoas desaparecidas”, disse o comissário de polícia Ernst Dorfeuille.

Acabei por perguntar a ela como foi o trabalho para chegar até Gonaives e cobrir o furacão logo quando ele estava passando, pois, em 2004, o Jeanne deixou um rastro de impacto mas a imprensa internacional somente chegou lá com a ONU. “O Jeanne foi muito bem como Hanna, uma tempestade imprevisível que pegou muitos de surpresa. O Miami Herald enviou um repórter que escreveu várias histórias sobre a devastação que existe na cidade. E da mesma forma que as pessoas em Gonaives aprenderam a correr para terrenos mais elevados – quer uma montanha ou telhados – os repórteres também têm de ser aprendido com o olhar. Eu comecei a descrever Gonaives debaixo d’água na terça-feira pela manhã”, diz.

Com as grandes proporções da tragédia, o trabalho de reportagem também fica difícil por conta de deslocamentos. “É muito difícil chegar ao redor da cidade uma vez que você está lá, por isso o melhor é que você pode fazer o levantamento cena e falar com as pessoas. As pessoas estão com muita raiva e eles continuam assustados agora que mais duas tempestades estão a caminho e podem afetar Haiti. Lembre que o furacão Hanna foi projetado para passar ao longo das Ilhas Turcas, não pelo Haiti, mas ainda assim causou um grande número de mortes”, afirma. No Miami Herald, há uma página para visualizar a rota de cada um dos furacões desta temporada.

A repórter também comentou comigo sobre a cobertura da imprensa internacional por lá. Ela já foi acusada pelo Haiti Information Projet (HIP) de ser uma voz anti-Aristide lá por ter omitido, segundo o HIP, as reais dimensões das manifestações favoráveis a ele. Indagada sobre a qualidade da cobertura da imprensa diante dos problemas do país, Charles responde: “Pessoalmente não tenho queixas sobre a cobertura do Miami Herald. Penso que cobre todos os aspectos do Haiti e da vida haitiana. No que diz respeito à maneira como os outros cobrem, eu realmente não presto atenção a menos que exista uma história que interesse a mim ou aos nossos leitores”.

Rastro de desespero do furacão em Gonaives

O Senado haitiano, no dia da aprovação do nome da nova primeira-ministra, declarou estado de emergência na cidade de Gonaives, que ficou completamente inundada pelo furacão Hanna. Mais de 150 mortos são confirmados até agora. A cidade é a mesma que foi devastada pela tempestade tropical Jeanne, em 2004. A região deixou está quase isolada do país, pois as estradas da capital até lá são péssimas e estão submersas. O Miami Herald fez a melhor descrição até agora da passagem do furacão por lá. Reproduzo um trecho traduzido livremente quando a repórter Jacqueline Charles conta a história desesperadora de uma família atingida pelo furacão.

Em seu terceiro dia sem alimentos ou água, Fleurie Benita anda com dificuldade pela alta camada de lama, equilibrando suas posses na cabeça, com a incerteza do que fazer e do que está por vir. A cada passo, a mãe de quatro filhos recorda as ofuscantes cortinas de chuva e o som da morte batendo à sua porta. E então sua desesperada decisão. ‘Peguei as crianças e corri. Nós corremos para a casa de um vizinho’, disse Benita, 24 anos, que como muitos outros conseguiram ter sucesso ao desafiar a devastadora chuvarada da tempestade tropical Hanna para salvar sua vida. ‘A água nem sequer deixou uma cama para eu dormir. Até as vasilhas e as panelas foram levados embora’.”

Um dos filhos de Benita se enchia de lama enquanto, sem qualquer roupa, tirava as coisas da casa. A fotógrafa do jornal norte-americano fez a seguinte foto.


Na página oficial da Minustah, sigla da missão da ONU no Haiti, há uma nota de que o acesso à cidade de Gonaives, capital do estado de Artibonite, ainda é impossível. “Muitos bairros ainda estão alagados. Muitas estradas do estado, tais como Gros-Morne Pilatos, Gros Morne-Bassin Bleu ou rodovia Marmelade estão interrompidas, resultando no isolamento de muitos municípios”. As agências da ONU estão mobilizadas para tentar atenuar o sofrimento nos locais mais atingidos.

A BBC traz o pronunciamento do coordenador de ajuda humanitária da ONU no país, Joel Boutroue, que contabiliza 600 mil pessoas que necessitam de ajuda. Em Gonaives, segundo ele, 70 mil estão amontoados em abrigos temporários. Como a cidade é costeira, a elevação de dois a três metros no nível das águas inundou boa parte das ruas e casas. O número exato de vítimas pode só ser conhecido depois que as águas baixarem. Com o Jeanne também foi assim. Corpos submersos foram aparecendo ao longo dos dias.

Gonaives é uma das principais cidades do interior do Haiti e tem um significado histórico por ser um dos focos do movimento dos ex-escravos que conquistou a independência do país. Depois de três dias de chuvas e alagamentos, o Haiti precisa de ajudar suas vítimas e já se preparar para a chegada do furacão Ike de categoria 4 numa escala de cinco. Para ver um pouco mais sobre a área de formação das tempestades, veja o infográfico do National Hurricane Center, sediado em Miami.

Temporada de furações no Haiti

O Haiti, no meio do Caribe, está próximo à área de formação de furacões do Atlântico. Eles geralmente se formam a partir de tempestades que se originam no oceano Atlântico, passam pelo Haiti, seguem por Cuba e só depois chegam ao sul dos Estados Unidos. E agora a temporada está aberta. Quem conhece o trabalho de prevenção de desastres naturais sabe que o estrago é sempre maior quando furacão passam por áreas pobres, desprovidas de habitação e infra-estrutura decente. Em 2004, semanas após o jogo entre Brasil e Haiti, o furacão Jeanne chegou a matar mais de 3 mil pessoas no Haiti. Depois dele, já vieram muitos, sempre com algum impacto nos locais mais pobres. Nesta imagem de hoje do site da Nasa, dá para ver o final do furacão Gustav.

O Gustav passou no final de agosto no Haiti. Morando em Petionvile, na capital Porto Príncipe, o embaixador brasileiro Igor Kipman enviou o seguinte relato. “O furacão Gustav, de magnitude 1 da escala Saffir-Simpson em sua passagem pelo Haiti, passou nos últimos dias 26 e 27 de agosto pelos departamentos [estados] do Sul, Nippes, Sudeste e Grand’Anse, causando morte e danos materiais nessas regiões. Oficialmente, 77 pessoas morreram e 8 estão desaparecidas devido às chuvas torrenciais e fortes ventos causados pelo Gusvtav. A cidade de Jérémie, no departamento de Grand’Anse foi uma das localidades mais atingidas pelo ciclone. Rios transbordaram e a cidade ficou parcialmente alagada dado o grande volume de precipitação verificado”, escreveu por e-mail com algumas fotos em anexo – uma delas reproduzo a seguir.

Pelo Global Voices, o Janine Mendes-Franco organizou alguns relatos de blogueiros por lá. Um bom foi o do Theo, do blog Pwoje Espwa. “Os rios estão transbordando, já que as montanhas desmatadas não conseguem absorver a chuva. Nós estamos ouvindo sobre muitas pessoas indo para os hospitais com bebês doentes, e que muitos perderam suas plantações, e que haverá menos crianças indo para a escola neste ano acadêmico. O Haiti não precisava disso neste momento. Os preços dos alimentos e dos combustíveis dispararam, dando motivo para manifestações políticas que podem tão facilmente se tornar violentas”, descreveu. “Muitas casas foram destruídas; toneladas e toneladas e produtos agrícolas foram inundados; mais de 60 Haitianos morreram nos últimos dias.”

Depois de Gustav, veio Hanna. No Washington Post, um vídeo da Associated Press com visões aéreas dos alagamentos. Eles fizeram também um infográfico para acompanhar a rota e a intensidade do furacão. No Haiti Innovation, também repercutia o assunto. A BBC reproduziu a fala do presidente René Préval ao comentar que seu país está vivendo uma “catástrofe”, ao ser atingido pela mais recente de três tempestades que mataram 170 pessoas e forçaram milhares a abandonar suas casas. “Nós estamos em uma situação realmente catastrófica”, afirmou o presidente, que pretende realizar conversações em caráter de emergência com representantes de países doadores para pedir ajuda humanitária. Segundo Préval, a mais recente tempestade a atingir o Haiti, Hanna, pode causar ainda mais danos do que o furacão Jeanne.

Dados sigilosos à venda em SP

Todo repórter investigativo sabe da necessidade de ter uma boa agenda. Mais do que isso, muitas vezes é necessário ter detalhes da vida das pessoas. Sei disso porque já cumpri uma verdadeira via crucis para achar pessoas acusadas na Justiça ou para pegar o “outro lado” de denúncias. Ali na Rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, “pirateiros” vendem senha de acesso a sistema que contém dados sigilosos dos brasileiros.

A reportagem do SBT comprou por R$ 2 mil a senha do sistema da Rede Infoseg, banco de dados de agentes de segurança pública e de fiscalização do país. O repórter mostrou que é possível buscar dados até do presidente Lula e do ministro da Justiça. Com número de CPF, endereço, cadastro de armas, processos na Justiça etc. O Ministério da Justiça prometeu uma reformulação urgente dos protocolos de segurança, incluindo certificação digital.

Comprar uma criança em 10 horas? ……………………………….. no Haiti

Em junho, Dan Harris pegou um avião em Nova Iorque, desceu em Porto Príncipe e foi negociar a comprar de uma criança-escrava. Após 10 horas de sua saída do seu escritório nos Estados Unidos, ele consegue uma oferta certa de uma criança haitiana, “provavelmente uma menina”, para ser comprada já com documentos falsificados para enganar as autoridades da fiscalização e conseguir deixar o país normalmente.

Harris é um repórter e fez essa negociação virar denúncia internacional numa edição especial do programa “ABCNightline”, da emissora ABC News. A idéia de Dan Harris foi baseada no livro “A Crime so mostrous”, de Benjamin Skinner. Na reportagem, o repórter grava as conversas com câmeras escondidas enquanto as negociações são feitas em hotéis de luxo em Porto Príncipe. O relato dele…

– Às 16h45, estou na piscina de um dos poucos hotéis luxuosos de Porto Príncipe. Eu estou usando câmeras escondidas. Os meus colegas estão com câmeras em quartos do hotel com vista para a piscina. Nossos guardas estão sentados discretamente nas proximidades. Então o homem com quem eu tenho uma reunião marcada aparece. Ele diz que ele é um ex-membro do parlamento e que tem contatos importantes. Em plenoa luz do dia, na presença dos garçons do hotel, ele sequer se mexe quando eu faço um pedido horrível.

“Eu gostaria de conseguir uma criança para viver comigo e cuidar de mim”, peço. “Poderia fazer isso?”
“Sim”, diz ele. “Eu posso.”

Ele fala em creoule, a língua mais comum entre os haitianos. O homem a fazer a tradução, que criou a reunião, trabalha para nós. O traficante me assegura que ele já fez este tipo de operação muitas vezes antes.

“Uma menina ou um menino?” , indaga.
“Uma menina provavelmente”, eu digo.
“Quantos anos?”
“Talvez 10 ou 11.”


A reportagem também cita formas de ajudar a combater o tráfico de crianças e adolescentes. Entre as entidades citadas está a Free the Slaves, que concedeu um prêmio à Repórter Brasil e à CPT recentemente no Brasil.

Criminoso haitiano condenado nos EUA

Há quem diga que a justiça tarda, mas não falha. Nesse caso, ela errou em um e acertou em outro. Terminou nesta semana, o julgamento do criminoso de guerra Emmanuel “Toto” Constant (foto abaixo). Ele foi condenado a 15 anos de prisão. Mas, como havia falado aqui, não pelas violações dos direitos humanos. E, sim, por uma fraude no sistema hipotecário nos Estados Unidos. Constant que foi líder do grupo paramilitar FRAPH (Frente para o Avanço e Progresso do Haiti) e perseguiu partidários do ex-presidente Jean Bertrand Aristide após o golpe contra ele em 1990. Organizações de direitos humanos comemoraram a condenação da hipoteca como justiça pels crimes passados. Via Herald Tribune.

Crime de guerra, sim, na Colômbia de Uribe

Os fins justificam os meios no país dos sonhos de Uribe. Para recuperar a ex-candidata Ingrid Betancourt das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e realizar um “resgate cinematográfico” (nas palavras do ministro da Defesa da Colômbia), os militares que atuaram na operação se fantasiaram de defensores do direito humanitário internacional – aquele que fala do direito e dos deveres dos combatentes e das vítimas de guerra, regulado pela Convenção de Genebra. Antes divulgado oficialmente como um “disfarce”, agora o crime foi reconhecido pelo próprio presidente Álvaro Uribe. O anúncio foi feito por ele, seguido por um pedido de “desculpas”.

Segundo reportagem da BBC, Uribe reconheceu que, por um “erro” e por “nervosismo”, um membro da equipe militar utilizou sobre sua roupa o símbolo do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) durante o resgate dos reféns que estavam em poder das Farc. Mas qual o problema disso?, pergunta alguém pelo mundo blogueiro-internético. Respondo. Em tempos de guerra, conflitos armados ou violência extrema, a Convenção de Genebra estabelece regras de respeito às vítimas (militares ou civis). Uma delas é o direito ao atendimento médico e socorro. Feito inclusive por entidades imparciais, que não tomam parte no conflito justamente para preservar esses direitos.

É crime de guerra usar os símbolos dessa ajuda humanitária (no caso as cores branca, vermelha e o símbolo do Comitê Internacional da Cruz Vermelha) para atacar o inimigo. O que diz a lei? “Cada Estado Parte às Convenções de Genebra tem a obrigação permanente de adotar medidas para coibir e reprimir qualquer abuso do emblema. Cada Estado deve, em particular, formular legislação destinada à proteção dos emblemas da cruz vermelha e do crescente vermelho. Qualquer uso que não seja expressamente autorizado pelas Convenções de Genebra e seu Protocolos Adicionais constitui um abuso do emblema”.

Ah… e mais: ” O uso do emblema da cruz vermelha e do crescente vermelho em tempos de guerra para proteger combatentes armados ou equipamento militar (e.g., ambulâncias ou helicópteros marcados com o emblema e usados para transportar combatentes armados; depósitos de munição disfarçados com bandeiras da cruz vermelha) é considerado um crime de guerra”. Eu já tinha escrito sobre o caso no blog (aqui e aqui), mas não havia a confirmação de crime. Uma jogada de cinema, realmente. Fingir ser ajuda humanitária enquanto executa uma missão militar. Usando o figuro do CICV, o mesmo que se propôs a fazer o transporte dos reféns à época da negociação com o presidente venezuelano Hugo Chávez.

O CICV repudiou o uso do emblema na operação, mas não fez nenhum pronunciamento público contra o presidente Uribe. Agora, com o reconhecimento público do governo colombiano está dada a condição para se iniciar até para um processo internacional. Como a Colômbia é signatária de convenção internacional, pode ser julgada, sim, pelo Tribunal Penal Internacional. Mesmo depois das desculpas e do anúncio do CICV de que não haverá iniciativa de processo contra Uribe.

Entrevista para a revista CartaCapital

Dei uma entrevista para a repórter Manuela Azenha, do site da revista Carta Capital. Ela abordou perguntas interessantes sobre a geopolítica e a soberania do Haiti. Coisa que muita gente se esquece de pensar. Copio aqui no blog a íntegra da entrevista e o link para uma galeria de fotos que eles fizeram a partir de imagens da Associated Press e da Agência Brasil. Segue:

“Haiti não é aqui”, por Manuela Azenha

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“Depois de quatro anos de ocupação estrangeira da ONU no Haiti, as tropas internacionais, sob o comando do exército brasileiro, continuam sendo renovadas. A missão de paz é uma intervenção militar, cujos objetivos no país se resumem a estabilidade política.

No entanto, o problema no Haiti, antes de ser militar, é econômico e social. A terra devastada é quase toda incultivável, a estrutura do Estado está desmoronada e quase 80% da população vive abaixo da linha de pobreza, com dois dólares por dia.

A missão de paz da ONU, chamada Minustah (sigla em francês de Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), chegou ao Haiti em 2004, depois de o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide ser deposto pela segunda vez.

Nesse momento, sob o pretexto de defender a democracia no Haiti, soldados americanos com o apoio da ONU e da França instauraram o governo transitório, que foi substituído por René Préval, eleito presidente em 2006 com 51.21% dos votos de seus compatriotas, segundo dados oficiais.

Aloísio Milani, jornalista brasileiro que esteve quatro vezes no Haiti para escrever sobre a ação dos países latino-americanos na Minustah e o papel do Brasil na condução da estabilização do país caribenho, falou com CartaCapital sobre o assunto. A entrevista está dividida em duas partes: nesta primeira, Milani fala sobre a liderança militar brasileira e da forte intervenção norte-americana no País. Na segunda, explica a atual estrutura política, as perspectivas da disputa eleitoral e o plano de retorno das tropas.

CartaCapital: Como e porque o Brasil virou liderança militar das tropas no Haiti?
Aloísio Milani:
A questão foi uma proposição política, porque o cargo ali não é especificamente militar. Por mais que o presidente da República e o ministro (das Relações Exteriores) Celso Amorim neguem, o Brasil estava em momento de campanha para pleitear a cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil precisava apontar que era capaz de fazer a liderança de uma missão de paz. A proposta surgiu no Conselho de Segurança, em acordo com o então presidente francês Jacques Chirac. O resultado foi o maior contingente militar brasileiro fora do país depois da Segunda Guerra.

CC: Qual é o grau de intervenção dos Estados Unidos no Haiti?
AM:
O Haiti era uma república negra, se tornaria o segundo país independente do continente e a primeira república negra do mundo, não tinha uma forte relação diplomática com os EUA. Isso piorou quando invadiram o Haiti em 1915. Depois, apoiaram Papa Doc no início de sua ditadura, mas não foi algo constante. Em 1980, surgiu no cenário político Jean-Bertrand Aristide, representante de um movimento popular, o Lavalas, oriundo da teologia da libertação e dos movimentos de esquerda e que acaba eleito em 1991, mas logo é deposto por uma junta militar.
Os EUA, então, intervêm novamente, sob a administração Clinton, para recolocar Aristide no poder em 94, com a promessa de realizar novas eleições e a adotar uma política neoliberal.

CC: Como foi esse processo?
AM:
A política de abertura econômica foi o que acabou com a agricultura campesina haitiana. O país deixou de ser exportador para ser importador de arroz. Deixou de produzir açúcar em grandes quantidades e passou a importar até mesmo gêneros básicos. A esta altura, em 2004, os EUA já estavam de olho nas manifestações que aconteciam contra Aristide por conta do descontentamento com sua política neoliberal.

CC: Quais eram essas manifestações?
AM:
Há denúncias dos movimentos sociais haitianos de que o grupo armado que marchou a partir de São Pedro, na República Dominicana até a capital haitiana, para questionar a presidência do Aristide foi financiado pela CIA. Hoje, a embaixada norte-americana no Haiti é muito forte, talvez a que mais injete dinheiro na economia haitiana. Toda a cúpula de missão de paz da ONU lá tem uma relação direta com as decisões que os Estados Unidos querem. Há áreas da missão de paz que os EUA continuam controlando. Uma delas é a área da inteligência.

CC: Então na verdade os EUA é que são a liderança das tropas?
AM:
A minha visão é de que a situação do Haiti é uma resultante de várias forças diplomáticas e vários interesses. E que eles nem sempre vão de encontro aos interesses do povo haitiano. Os EUA têm interesse no Haiti pela mão-de-obra barata e também por ser um país muito próximo de sua fronteira na costa, o que provoca o ingresso de imigrantes ilegais nos EUA.
O Brasil tem interesse no Conselho de Segurança da ONU e para mostrar para a ONU que consegue liderar uma missão de paz de grande porte. A França tem um histórico de política muito intervencionista com suas ex-colônias.

CC: Qual seria a explicação para governos ditos progressistas como da Bolívia e do Equador mandarem tropas para o Haiti?
AM:
Todos têm interesses diplomáticos. E precisamos lembrar que é uma força de paz composta por soldados. Nenhum país da América do Sul vai querer deixar de participar disso como forma de participar da discussão diplomática. Os dois únicos países da América Latina que se colocaram publicamente, frontalmente, contra isso foram o Hugo Chávez na Venezuela e o Fidel Castro em Cuba. Os cubanos mandaram médicos e os venezuelanos também deram apoio em atendimentos básicos, mas num outro modelo. Eu vejo essa questão da Bolívia e do Equador também no sentido de não perder o bonde da diplomacia na região. Também existe uma disputa hegemônica na América do Sul e o Haiti nesse ponto é o único ponto de convergência.

CC: Em abril, quando houve aquela repressão violenta para impedir a manifestação contra a alta dos preços dos alimentos, o primeiro-ministro Jacques-Édouard Alexis caiu. Como está a estrutura política do país agora?
AM:
No último dia 25, o presidente Réne Préval anunciou Michele Pierre-Louis como primeira-ministra. Ela era presidente de uma ONG que trabalha no Haiti há muito tempo. Desde a manifestação pelo preço dos alimentos, o que acontecia era que uma série de indicações de Préval eram negadas pelo Congresso, o que alongava ainda mais a crise política. Uma das indicações foi o Robert Manuel, que tinha sido ex-chefe da segurança de Préval em seu mandato anterior. Ele é acusado por muitos movimentos sociais de ter promovido um massacre no Citeé Soleil. Havia um movimento forte de oposição a ele. A sua indicação foi negada por irregularidade em seus documentos. Agora René Préval indicou essa nova primeira ministra que também vai ser submetida ao Congresso.

CC: Você acha que Préval ainda tem legitimidade política? Ainda é uma referência institucional?
AM:
Acho que sim. Porque os problemas no Haiti são de diversas ordens. Ele foi eleito pela maioria, ainda tem legitimidade. A questão é que nem o governo dele e nem a missão da ONU conseguiram dar respostas para questões básicas da população como emprego, a economia que está longe de ser saneada, e, sobretudo a questão da violência.

CC: Quais são as perspectivas para as próximas eleições?
AM:
Existe uma grande expectativa em relação ao retorno do Aristide. Essa história está ensaiada há algum tempo, desde as últimas eleições de 2006, existia uma possibilidade da sua volta ao poder. Queira ou não, o Aristide é alguém que ainda leva multidões de apoiadores às ruas, sobretudo em Porto Príncipe e em bairros mais pobres. Acho que a grande expectativa é saber se ele vai voltar, porque isso poderia mudar os rumos nas articulações políticas do Haiti. De qualquer forma, outros candidatos, burocratas do Banco Mundial e do FMI, devem voltar a se candidatar. Eles representam o contingente de emigrantes que vivem fora do Haiti, principalmente no Canadá e nos EUA. No momento, a vantagem estaria com os apoiadores do Lavalas, que ainda são um grupo partidário forte no Haiti.

CC: É provável que Baby Doc retorne?
AM:
Ele tem problemas gigantescos lá, acusações internacionais de violações dos direitos humanos, está com sua fortuna seqüestrada internacionalmente. Tem uma pequena parte da elite que apóia o Baby Doc, mas ele não encontra legitimidade para disputar com vigor as eleições.

CC: Existe alguma proposta de alteração estrutural do país? Alguma mobilização ou candidato que proponha isso?
AM:
Esse foi o grande desafio das últimas eleições. Os governos sul-americanos estão tentando articular alguma indicação por lá, mas isso não funciona porque elas não nascem de maneira natural. Não existe um movimento de oposição, ou um grupo de partidos que faça uma coalizão para um desenvolvimento alternativo no Haiti. É tudo muito fragmentado e fica polarizado entre quem é a favor do Lavalas e quem é contra. A política é feita das migalhas dessa disputa.

CC: As tropas têm planos de retorno? O objetivo foi cumprido?
AM:
Eu acho que as tropas ficam no país pelo menos um ano depois das eleições. Isso está presente nos discursos dos representantes dos países. Aqui no Brasil, já disseram que ficam até 2010, 2011. Então a tendência é ficar, não há planos de retirada ainda. O que existe é a expectativa de uma mudança de perfil das tropas, passar de uma missão de segurança, de combate a grupos armados para uma missão que realmente ajude a reestruturar serviços básicos. Enquanto continuar assim, a missão vai continuar enxugando gelo no Haiti. E se o Brasil sair agora, os problemas que poderiam ter sido atacados vão continuar, assim como a instabilidade política e os conflitos armados. Esta já é a quinta missão de paz. O Brasil está liderando a parte militar da quinta. As outras quatro foram totalmente fracassadas.

CC: Você acha que o envio das tropas foi um erro?
AM:
Não, eu acho que foi um erro lá atrás, na força interina os EUA, Canadá, Chile e França terem tirado o Aristide de lá como se fosse ele o único culpado de todos os protestos. Peter Hallward, um filósofo norte-americano muito citado pelo Noam Chomsky para falar do Haiti, diz que essa foi talvez a intervenção norte-americana mais bem sucedida porque depois que eles saíram de lá, ficou parecendo que estavam certos quando afastaram o Aristide. Aqui, como no Iraque também, a ONU está entrando como bucha do canhão. O erro não repousa sobre a presença militar, mas sobre as intervenções anteriores.

CC: A retirada imediata das tropas é inviável?
AM:
Imediato é readequar o perfil da missão no Haiti. A retirada das tropas tem que ser num plano de saída sustentável. Em um ou dois anos, mas com a polícia nacional reestruturada, com a presença de atores que entrem em defesa da democracia e não dos interesses de um ou de outro no Haiti.

CC: O que resolveria o problema do Haiti?
AM:
É preciso ajudar o processo de desarmamento, pois ainda existem estruturas de grupos armados, de diferentes motivações. Como gangues ligadas ao narcotráfico, os ex-militares, os chimères e partidários e opositores de Aristide. A segurança institucional é frágil com esse cenário. Também é preciso ajudar na estruturação do Estado haitiano, para que instituições e serviços públicos funcionem dignamente. Mas é preciso, sobretudo, ajudar a economia do Haiti, auditando e perdoando a maior parte da dívida externa do país, que amarra a capacidade de investimento haitiano. Sem isso, o tão falado desenvolvimento econômico será uma pequena esperança, uma longa caminhada para retirar a camisa de força que o Haiti tem.”

Arquivo do Biondi: caixas e cuias

O arquivo do Aloysio Biondi, cujo projeto de organização participo desde 2002, já está devidamente guardado em caixas para a futura doação a uma instituição pública de ensino superior. Tem uma nota no blog do projeto. Junto com o site de sua obra, que lançamos no ano passado, esse será um passo definitivo para garantir que o público tenha acesso ao pensamento de um dos principais jornalistas do país. Abaixo aí uma foto do trabalho final da organização. Sou eu lá no canto.

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A luta contra a escravidão no Brasil

Trabalhar na Repórter Brasil em meu retorno para São Paulo foi uma experiência importantíssima para tomar contato com o “Brasil profundo” – aquele de milhares e milhares trabalhadores rurais explorados e oprimidos. Comandada pelo cientista político e jornalista Leonardo Sakamoto, a Repórter Brasil tem um trabalho essencial atualmente na luta contra o trabalho escravo no país.

É na Repórter Brasil que se originou a atual fase de mobilização social que questiona o ganho econômico dos escravocratas. Explico. Em 2004, a organização não-governamental elaborou uma pesquisa em que mapeava a cadeia de comercialização de produtos originados em fazendas flagradas pelos grupos móveis de fiscalização do trabalho escravo.

Descobriu-se assim a lista de supermercados, redes de distribuição de combustíveis, frigoríficos, tradings e uma infinidade de empresas que usavam esses produtos. Surgiu então o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, com mais de uma centena de signatários e cujo monitoramento é feito pela Repórter Brasil ao lado do Instituto Ethos e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

 
 

 

 

 

 

 

Recentemente, entidades que lutam contra essa violação de direitos organizaram uma mobilização no Congresso Nacional. E lançaram um abaixo-assinado pedindo a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê a expropriação de terras flagradas com trabalho escravo. Essa lei seria uma grande arma para punir fazendeiros que insistem em explorar trabalhadores a todo custo. Deixo o link para quem se interessar em assinar a favor da PEC.

 

 

De volta para o futuro

Sei. Andei sumido. Mais do que Marty McFly em apuros com o DeLorean. Não tive problemas exatamente com um reator nuclear, terroristas líbios ou com o beijo entre meu pai e minha mãe. Mas mudanças de trabalho e a consolidação da vida em São Paulo me deixaram numa distância considerável deste blog nos últimos tempos. Agora, arrumado o passado, de volta ao futuro.

A ponto de só conseguir retornar agora com o dever de atualizar notícias sobre meus trabalhos e sobre o Haiti, onde muita coisa aconteceu recentemente (protestos contra a fome, denúncias de abuso sexual, cancelamento de conferência de doadores internacionais etc). Farei isso aos poucos e com o zelo devido.

Também continuarei a série “Haiti e Rio de Janeiro, campos militares”, pois ainda tenho coisas a explorar sobre a atuação das Forças Armadas nesses casos. O que vale é deixar algumas novidades. Acabei por deixar o trabalho sensacional da ONG Repórter Brasil, onde fui muito bem acolhido, para seguir para a TV Cultura de São Paulo.

Enfim, estamos de volta. Até com o blog de cara nova. Escolhi outro template para incentivar este retorno. E também aproveitei para mexer um pouco mais no WordPress. Acho que valeu. Não acham?

MP da TV pública, a caminho da votação

Ninguém arrisca bater o martelo na fácil solução (rejeição ou aprovação) da Medida Provisória 398, que uniu duas estruturas de comunicação (Radiobrás e Acerp) para gerar a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). O fim da CPMF está quentinho ainda do forno, mas o tema “comunicação pública” não tem mostrado lá tanto o interesse para os parlamentares. A votação deve ser na próxima semana e o relatório do texto foi apresentado com algumas mudanças sobre as emendas apresentadas.

Aqui, alguns textos sobre o tema:

TV Brasil terá cotas e receita de R$ 150 milhões via tributos
Uma Radiobrás sem ”eira”?
TV pública, os méritos de uma MP
Relator propõe contribuição para financiar TV pública
Sociedade civil pede a aprovação da MP que cria a TV Brasil

Bon Bagay Haiti no topo

Registro que depois de quatro meses da sua publicação na Agência Brasil, o documentário Bon Bagay Haiti ainda é a entrada mais comentadas/blogadas do site. Veja aqui a lista do acumulado do ano. Muita água rolou desde então: este blog cresce rápido, mudei-me para São Paulo e entrei na Repórter Brasil. Vou buscar inscrever o documentário em algumas exibições internacionais também para ampliar a discussão do Haiti.

Primeira ciranda de textos sobre jornalismo

O André Deak, antes de passar uma temporada em Cuba, coordenou o primeiro blog carnival de jornalismo online no Brasil. A idéia foi a seguinte: blogueiros publicaram textos sobre jornalismo na rede e os artigos foram organizados em um blog, como um guia de leitura.

“A idéia, jogada na lista de discussão do Jornalistas da Web, era repetir o modelo do blogs carnivals: vários blogueiros se juntam e publicam textos sobre um determinado tema no mesmo dia. Um deles publica uma coleção com os links de quem escreveu, e assim por diante, mudando apenas o blog que hospeda o guia de leitura”, explica Deak.

“Os destinos mais perigosos do mundo”

Muitas pessoas têm mania de listas. Minha amiga Carol Costa é uma delas. Mas a Forbes é viciada nisso: ordenação, ranking, listagens mil. De preferência com numerais cheios: 10, 50, 100! Eu, sinceramente, fico com um pé atrás quando as metodologias para chegar a estas listas não são detalhadamente explicadas nas reportagens.

Aqui um caso desses. O texto de Rebeca Ruiz para a Forbes se propõe a listar os destinos mais perigosos do mundo. Fiquei pensando que Colniza, no Mato Grosso, deve ser mais perigoso do que todos esses lugares. Mas continuei lendo. E o Haiti estava lá no meio. Segundo o texto, por causa da corrupção na polícia e do narcotráfico.

E junto dele estariam a Palestina, Iraque, Líbano, Congo e Sudão. Será o Haiti está ao lado desses? Pelo menos para o Departamento de Estado dos Estados Unidos, sim. Foi emitido por ele recentemente um alerta para viagens ao Haiti por conta da segurança, principalmente por perigo de seqüestros.

Imigração: de pobre para menos pobre

Desde quando assisti o trailer de “The Price of Sugar”, fiquei intrigado com a problema crescente da imigração haitiana para a República Dominicana. Uma troca de lugares, mas com pobrezas similares. Isso porque os haitianos geralmente migram sem documentos e dispostos a ganhar qualquer dinheiro ou comida no trabalho da agricultura.

Recebi agora via RSS uma reportagem do NYTimes que O Estado de S.Paulo traduziu sobre esse mesmo problema. Deixo abaixo um trecho, fotos e os links para o texto original, o traduzido para o português e o audio slide show. A apuração foi feita por Jason DeParle sob o título original de “A Global Trek to Poor Nations, From Poorer One”.

NYTimes

Os barracos de madeira numa encosta lamacenta são uma versão da terra prometida para o homem pobre. Têm o teto cheio de goteiras e chão de terra, não dispõem de luz elétrica nem água encanada, mas centenas de haitianos arriscam a vida para vir para cá e trabalhar nos campos próximos. Eles fazem parte de uma tendência global – habitantes de países paupérrimos que se mudam para países pobres.

Entre eles está Anes Moises, de 45 anos, um homem de pele escura com alguns cabelos brancos que trabalha em plantações de banana na República Dominicana há mais de uma década , sempre ilegalmente. Os fazendeiros pagam a ele US$ 5 por dia e lhe dizem que os haitianos não prestam. Os soldados o chamam de “diabo” e já o deportaram quatro vezes.

Mas com um rendimento médio na República Dominicana seis vezes maior que no Haiti, Moises respondeu a cada expulsão contratando um contrabandista para subornar os guardas da fronteira e levá-lo de volta. “Somos obrigados a voltar para cá. Não porque gostamos, mas porque somos pobres”, disse ele. “Quando cruzamos a fronteira, nossa vida melhora um pouco, pois conseguimos comprar sapatos e talvez um frango.”

O longo caminho de saída da missão de paz

O chefe da missão de paz da ONU no Haiti, o tunisiano Hédi Annabi, esteve no Brasil esta semana para discutir os desafios da ação internacional no país mais pobre das Américas. Com ele estão as chaves para descobrir quais podem ser as possíveis alterações na missão e seu planejamento de saída do país. Este último, sinceramente, nunca houve. Publicamente, sempre se adiou essa discussão, ano após ano. Mesmo após a vitória do presidente René Préval.

José Cruz/ABr

Pelas falas registradas pela imprensa durante uma conferência em Brasília, não houve novidades nesse planejamento (ou na sua ausência). Há a intenção se ampliar a participação de policiais civis, continuar o treinamento da Polícia Nacional do Haiti (ainda despreparada, violenta e corrupta), fiscalizar as fronterias e manter o efetivo militar por cerca de cinco anos mais. Novamente se registrou a urgência da reforma do judiciário, mas sem nenhum indicador claro.

Leia reportagens do NYTimes e da Agência Brasil.

Haiti, um grande entreposto comercial?

Sempre me pergunto qual será o futuro do Haiti – esse país miserável, com florestas e agricultura devastadas, sem petróleo ou minérios. Será que o modelo de desenvolvimento passa por maquiladoras, zonas francas de produção com exploração da mão-de-obra? Será um território cuja produção é controlada por multinacionais? Ou manterá um nível de corrupção e tirania por ciclos viciosos?

Hoje, li uma notícia do USA Today que me alertou para uma pista, que há tempos venho farejando. O Haiti pode ser, como a República Dominicana e a Jamaica são, um grande entreposto comercial. Uma região portuária internacional de baixos custos. Seu litoral possui águas profundas para a navegação de grandes embarcações, que passem ou não pelo Canal do Panamá. A “estabilidade” do Haiti interessaria a muitos países.

É com essa idéia na cabeça que li as declarações do presidente René Preval durante discurso anual no Congresso. “O Haiti deve reformar o seu sistema aduaneiro cheio de corrupção e incentivar os investimentos para retirar o conturbado país do Caribe da pobreza”. Segundo ele, os impostos sobre o transporte marítimo de containers de 40 pés chegam a US$ 900, ou seja, três vezes mais do que na vizinha República Dominicana.

O que Préval e a reportagem não explicam é: aumentar o fluxo garante riqueza para o país? Esse dinheiro vai ser dividido como? Sem respostas assim, a proposta pode servir como uma luva ao “fluxo de caixa” das grandes empresas e abrir mais um ralo de exploração dos haitianos.

O Haiti Innovation também puxou a matéria com um comentário que pede mais transparência no combate à corrupção e com apoio à proposta. Será que é o caminho? 

A caveira mostra a cara…

Há tempos tenho lido e ouvido argumentos que apontam um desejo velado de acionar as forças especiais das policiais militares e até Forças Armadas para combater o narcotráfico e a violência urbana. Quanto ao objetivo da garantia da ordem não faço objeções. Minha discussão é quanto aos métodos.

O Estado, por conceito, não pode agir com base no terrorismo, na chantagem, no autoritarismo e na violação das regras democráticas que o legitimam. Mas a ação e a reação à violência, na maioria das vezes, vem carregada desses ingredientes. Foi assim que Tropa de Elite fez sucesso. Mas há tempos eu não via uma declaração tão clara desse pensamento como a entrevista do coronel Emir Laranjeira no blog Santa Bárbara e Rebouças. Vejam o naipe:

o caminho é o enfrentamento sistemático e com o uso de força superior à dos bandidos até a erradicação dos narcoguerrilheiros favelados. É claro que isto não erradicará o tráfico, mas pelo menos o tornará passível de coerção policial. Hoje o aparato policial estadual apenas engarrafa fumaça ou enxuga gelo em relação ao tráfico…

De 2007……………para 2008

Os meus destaques pessoais de 2007. Ou “por onde passei”:

Bon Bagay Haiti, web-documentário da Agência Brasil;
– Site O Brasil de Aloysio Biondi;
– O processo da fusão Radiobrás-TVE, que nos distanciamos em outubro;
– Reportagens para a Rolling Stone – Bem Vindos?O Cheiro do Ralo;
– Alguns textos na Agência Brasil – 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8
– Este blog, uma soberba vitória para mim;
– Buscar o espaço para a nossa geração de jornalistas. Que tal algo assim?

Site do Laerte

Entre as apostas para 2008:

– Jornalismo na veia, direto de São Paulo;
– Livro-reportagem sobre o Haiti;
– Ir para um mestrado na comunicação;
– Coisas boas que ainda não sei.

Aloysio Biondi agora tem um blog…

Aloysio Biondi foi uma das maiores referências do jornalismo brasileiro. Quando eu o conheci, já era isso tudo. Quando ele morreu em 2000, a análise da economia nacional ficou mais pobre, mais medíocre, mais burra. À época, eu era aluno da Cásper Líbero e um dos editores do jornal laboratório Esquinas de S.Paulo, que Biondi comandou enquanto foi professor por lá.

E Biondi era um jornalista monstro… guardava milhões de dados de cabeça, relacionava fatos com impressionante facilidade, criticava com lucidez ácida. Sua morte deixou em vários de seus admiradores e seguidores (inclusive seus filhos) a vontade de organizar e divulgar a obra de Biondi como forma de ampliar a discussão de um modelo de jornalismo.

Assim fizemos.

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Após cerca de sete anos de trabalho (coletivo, voluntário e não-remunerado) colocamos no ar um site com informações sobre sua vida e sua obra. São cerca de mil textos iniciais disponíveis para a consulta, além de entrevistas, áudios, vídeos e fotos (inclusive essa acima do Cássio Loredano).

O trabalho liderado por um grupo pequeno e compartilhado por outras 180 pessoas. Meu destaque inicial para o site é a entrevista que Antonio Biondi, Rodrigo Savazoni e eu fizemos com o jornalista Washington Novaes, amigo e colega de profissão de Aloysio.

I – Primeiros Anos
II – A Ditadura
III – A Democracia
IV – Últimos Anos

Esse é nossa homenagem para Aloysio Biondi. Em tempos de cultura digital, penso que, se estivesse vivo, poderia fazer um belo site de economia. Sem limite de tamanho, horário ou assunto. Fizemos isso por ele. Biondi agora tem até um blog. Deak e Savazoni também escreveram sobre…

Depende de nós, seus seguidores, continuarmos a discussão de um novo país.

“Heróis do HIV” no Caribe

Está no boletim do blog Narua, do Paulo Fehlauer, o link para um especial jornalístico sobre o combate ao HIV no Caribe, publicado pelo PalmBeachPost (que, sinceramente, eu desconhecia). Inclui a situação do Haiti, onde, como já citei aqui, o vírus da Aids atinge 2,2% de mulheres e 2% entre os homens, o maior índice das Américas. O título do especial é “Heroes of HIV”. Meu destaque é a seqüência de imagens sobre a doença dentro dos presídios.

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Norman Mailer, morto

NYTimes

O escritor Norman Mailer morreu. Aos 84 anos. Li seu obtuário hoje no The New York Times. Muitos escolhem filmes que marcaram suas primeiras impressões sobre a guerra. Há quem escolha Apocalipse Now, Band of Brothers e outros. Minha mais forte impressão de uma situação de guerra é justamente um livro de Mailer, a novela Os nus e os mortos, aqui no Brasil lançada em dois volumes. Li duas vezes. Página por página, em cada descrição detalhada da rotina de um pelotão na Segunda Guerra Mundial, você se sente num campo de batalha. Com seu pragmatismo desumano.

 

Bon Bagay em inglês e Global Voices

Escrevo para registrar que publicamos na semana passada a versão em inglês do web-documentário Bon Bagay Haiti. Na apresentação do especial há um link acima do título para acessar o conteúdo com legendas em inglês. Fizemos isso para tentar ampliar a “audiência” do vídeo fora do Brasil. A tradução foi feita pela repórter Paula Labossière, com revisão minha e do Deak. Depois de ter sido exibido na TV Nacional, o material deve passar na TV Brasil – Canal Integración, em espanhol. Aguardem…

Também vale destacar alguns blogs e sites que linkaram o especial em suas páginas. Destaque para o post do José Murilo no Global Voices, cujo título faz uma citação da música de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Ele elenca inúmeras citações de blogs e sites que falam sobre o Haiti. Alguns mais recentes, como é o caso do Consciência.net e outros antigos, como o texto de Eduardo Galeano de 1996. “A história da prepotência contra o Haiti, que nos dias de hoje assume dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental”, disse o escritor uruguaio.

O “Bon Bagay” também voou pela rede. Está no Na Rua, no Webjornalismo, no Blog do Sakamoto, no Sobre Jornalismo, no Videoidéias, no Blog do Gjol, no Fractura.net, na Anacarmen.com, no Corpo 12, no Bem Paraná, no Haitiwebs.com, no Tock’s do Ock-Tock, no NovasM, NMídias, no Blog do Octavio Islas, no Blog do Lenoir, no JBOnline, no Nominuto.com, no Jornal da Mídia, no A Gazeta Online, no Paraíba Online, no TPA Internet, no Primeira Edição, no Portal JFMG, na Revista Fórum, Jornalistas & Cia, no Afromix.org, no Universo Tropical, LabWeb, Agência Subverta, entre outros. Além dos cerca de 500 views no You Tube até a noite de hoje. Avoa, passarim!

O fim e o recomeço

Assim como Rodrigo Savazoni, Spensy Pimentel, André Deak, deixei o comando da Agência Brasil na última semana. Saio com o coração na mão diante do tamanho do trabalho que fizemos e com a cabeça cheia de idéias para o jornalismo. Agradeço os e-mails de despedida da equipe. Até qualquer pauta logo ali! Recomeço agora a trabalhar por novos desafios no jornalismo, ainda meio sem saber para onde. Abaixo minha carta de despedida e uma foto nossa na redação, gravando um depoimento na despedida do ex-presidente da Radiobrás Eugênio Bucci.

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Car@s,

Em minha conta nos computadores da Radiobrás, guardei até esse último dia, pelo menos 9 mil e-mails próprios sobre o trabalho na Agência Brasil. Somados aos documentos, foi quase 1 GB em arquivos. Trabalhos como repórter, como sub-editor, como pauteiro, como editor, como editor-executivo. Esta é a minha última mensagem eletrônica como integrante desta equipe, que, nos últimos quatro anos, conseguiu reposicionar editorialmente a Agência Brasil. Construímos juntos aqui um veículo de comunicação pública com foco no cidadão, objetivo, apartidário, de alta credibilidade e inovador em relação à convergência digital. Aprendemos, inclusive com os erros, a nos posicionar de maneira serena e democrática diante das mais diversas situações políticas. Dos debates inflamados das CPIs até os protestos de rua.

Aqui, neste espaço do primeiro andar travaram-se grandes brigas do jornalismo da Radiobrás. Durante as crises políticas, pautamos, coordenamos e publicamos o maior número de matérias sobre o assunto, o que nos levava ao teste diário e extremo da objetividade. Nossos conceitos se afirmam assim: a pluralidade, o on the record, o outro lado, a rejeição ao sensacionalismo e ao comentarismo desenfreado dos fatos. A Radiobrás nos mostrou uma experiência híbrida, que, por conta da legislação, lhe dava a atribuição da divulgação dos atos do governo e a permissão de estruturar rádios, televisões e veículos públicos. Trabalhamos de maneira gradativa e cumulativa pela separação de serviços estatais e de nosso notíciário com foco no cidadão. No caso da Agência Brasil, a separação completa. A nova empresa leva esse legado. A possibilidade real de seu conteúdo jornalístico ficar mais longe de qualquer governo.

Pessoalmente, esses últimos anos foram os mais intensos da minha vida e, provavelmente, os que gastarei mais tempo para descrever sua intensidade a amigos e filhos. Quero agradecer cada uma das pessoas que compartilharam esse projeto. A todos, desejo as melhores energias para que a busca de um jornalismo público brasileiro se consolide na Agência Brasil. A alguns, quero desejar mais do que isso. Quero desejar que recebam, em progressão geométrica, as milhares demonstrações de apoio profissional que tive ao longo desse período. Quando conclui o web-documentário Bon Bagay Haiti também pensava em vocês. Na necessidade de deixar a cobertura das autoridades e buscar a voz de quem nunca falou em um veículo de comunicação. E precisa ser ouvido.

Minha saída se explica pela necessidade de buscar novos desafios na comunicação e no jornalismo. Fechamos um ciclo de trabalho na Agência Brasil, com uma transição planejada e executada até este início da nova empresa de comunicação. Gosto de lembrar um trecho de Guimarães Rosa para falar sobre o futuro, que diz mais ou menos assim: “do que o da gente, vale a semente”. Que fique o bom trabalho. Tem lá no Grande Sertão Veredas, uma outra assim: “vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”. E aqui me despeço. Para mim, esse período trouxe mais do que nove quilos, uma testa larga e extensa. Trouxe a confiança nessa equipe e a conquista das condições para executar com liberdade um jornalismo autônomo, livre, centrado nos debates da cidadania.

O passado também é urgente.

Abraço forte a tod@s,
Aloisio Milani

Paulo Autran morreu antes… no Estadão

Bom, no meio de um plantão na redação, vi que o ator Paulo Autran morreu. Eram 4 horas e 10 minutos da tarde… mas o site do Estadão o matou antes. Às 11h04, uma notícia de duas linhas informava a morte “confirmada” pela assessoria de imprensa do Hospital Sírio Libanês. Essa mesma notícia foi para a manchete principal do portal. E depois sumiu. Claro, que o estado dele era gravíssimo e alguém passou o carro na frente dos bois.

Até guardei a tela, veja a seguir.

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A matéria foi deletada da lista de notícias. Sem correção ou justificativa alguma. Depois o site registrou sua internação em estado grave. Só às 16h33 outra matéria trouxe, agora oficialmente, a morte confirmada. Autran morreu primeiro numa apuração do Estadão.

Para não dizerem que não falei de flores, deixo a minha homenagem ao ator com um trecho de um perfil que guardo a sete chaves na minha coleção da Revista Realidade:

(…) quando Autran fazia o Otelo de Shakespeare, o crítico Décio de Almeida Prado escrevia sobre ele: ‘Paulo Autran é certamente o ator mais seguro de nosso teatro, bom na comédia e no drama, na peça antiga e na moderna, tem força e delicaleza, sensibilidade e inteligência’. Forte e delicado, sensível e inteligente, Paulo Autran tem a alma dos velhos gregos num corpo de romano antigo. É um homem maduro, de cabelos grisalhos, de entradas cada vez mais pronunciadas, de olheiras profundas contornando os olhos de combinação estranha – o esquerdo é verde, o direito castanho – o nariz e o queixo angulosos e agressivos, a testa alta, os lábios finos mordendo sempre um sorriso irônico. E as mãos bem tratadas ajudando as frases com gestos naturais (…)

MP da TV pública

Hoje está sacramentado o início de um novo capítulo da comunicação pública no Brasil. Foi publicada no Diário Oficial da União a medida provisória que cria uma nova empresa de comunicação, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criada a partir da união do patrimônio da Radiobrás com a Acerp.

Esse processo é mais uma etapa da longa discussão sobre a maturidade dos veículos públicos e estatais de comunicação no Brasil. E que vai influenciar quem vê televisão, ouve rádio ou acessa a internet. A seguir a íntegra da MP 398, dividida em três arquivos PDF, como foram oficializados. Um decreto presidencial complementará a postura do governo no tema.

| Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 |

Sugiro também acompanhar o tema pela cobertura do Observatório da Comunicação, pelo Observatório da Imprensa e pela revista Tela Viva. É ver no que vai dar… principalmente na área de jornalismo.

Liberdade não está condicionada à perfeição

Para quem já não leu, vale a referência. Aqui está um link para o segundo texto da série de quatro artigos que Eugênio Bucci escreve para o Observatório da Imprensa. No abre de seu texto, ele argumenta o que, na minha visão, é o ovo da serpente daqueles que defendem um “jornalismo” que seja o contraponto da “visão” da grande mídia comercial. Sobretudo, os governantes que cogitam, mesmo que em seu íntimo, construir uma mídia que sirva de porta-voz para suas versões épicas de política. Além de apontarem, incansavelmente, os erros como forma de desligitimação da imprensa. E disso se convencem se tratar de democracia para a mídia.

Não há razoabilidade, como já ficou demonstrado [ver “A missão de servir ao cidadão e vigiar o poder“] em supor que a liberdade de imprensa deva se condicionar à inexistência de erros. Ela não é uma recompensa que se outorgue aos veículos que acertam ou um privilégio que se interdite aos que erram; é, sim, premissa inegociável para a prática do jornalismo, seja ele bom ou ruim. A ninguém no governo pode caber a tarefa (ou a veleidade) de melhorar (ou de pretender melhorar) o nível do jornalismo. Isso não faz sentido.

Imprensa, liberdade e independência

Aproveito para registrar a última entrevista concedida pelo Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás, para o site Observatório da Imprensa. O acúmulo teórico e prático dele o faz hoje o principal pensador da comunicação pública no país, com uma maturidade sobre os conceitos de liberdade de imprensa, ética jornalística e independência difícil de encontrar no Brasil. Entre os destaques dessa entrevista está o conceito de que o jornalismo deve se manter livre dos governos.

(…) o primeiro dever do jornalismo é ser livre. Ser explicitamente livre. Para começar, ele precisa ser livre do governo, qualquer governo. Nessa matéria, chamo atenção para um ponto sobre o qual temos falado pouco: o grande volume de verbas públicas que vão parar nos veículos comerciais como anúncios publicitários é um fator preocupante. Nos órgãos de imprensa mais vulneráveis, esse dinheiro – ou a sua ausência – pode ser uma pressão sobre a linha editorial. Esses recursos tendem a congregar um conjunto de veículos que se afinam em demasia com as causas dos governos – federal, estaduais ou municipais –, o que é algo tradicional no Brasil e não é nada saudável.

De minha parte, eu me sinto mais tranqüilo com uma imprensa que às vezes pode até cometer excessos, mas os comete com franca independência em relação aos governos, do que me sentiria com uma imprensa toda ajuizada que sempre apoiasse os governantes. Claro que a imprensa deve ser elegante, equilibrada, justa, objetiva etc., ao menos do meu ponto de vista, mas seu primeiro dever é ser independente. Financeira e editorialmente. Se alguns veículos querem bancar partidos políticos, desde que não o façam com dinheiro público, e desde que não sejam objeto de concessão pública, como é o caso das emissoras de rádio e TV, estão no seu direito. Se carregarem nas tintas, se distorcerem, cedo ou tarde perderão credibilidade e pagarão por isso.

Esse critério rebate no centro da discussão da liberdade de imprensa. Quase um ano atrás, quando ainda era presidente da Radiobrás e o debate sobre imprensa voltou à baila após o segundo turno das eleições, Bucci também deu uma entrevista semelhante ao Observatório. Ressaltou que a imprensa é o lado fraco diante da potência do Estado. “O Estado não é vítima”.

Eu acho fundamental que os veículos de imprensa, o jornalismo seja debatido. Acho mesmo, que é dever de vários representantes de organizações sociais, de partidos, de instituições criticarem e discutirem os meios de comunicação. Discutirem o que acontece no jornal, na revista, na TV. Quanto mais a sociedade questiona a informação que recebe, melhor tende a ser os serviços informativos, melhor tende a ser o jornalismo nessa sociedade. Nós precisamos olhar com mais atenção e tomar cuidado para não ter a instituição do Estado ou do governo tomando partido exageradamente nesse debate. O Estado é o lado forte. O Estado não é vítima. A vítima, em geral, na história das democracias, é a imprensa. Quem precisa ser protegida é a imprensa.”

A questão decorrente daí é como grandes conglomerados privados de comunicação, capazes de influenciar o opinião de seu público, devem responder por possíveis desvios de conduta. Mas isso não deve ficar submetido aos gostos e às predileções políticas do governatante de plantão. Essa discussão deve ser amadurecida pela sociedade, pela imprensa (pública, estatal e privada) e pelos representantes do Estado. Sem melindres.

Em seus blogs, André Deak e Rodrigo Savazoni também destacaram trechos da entrevista. Vale conferir!

No começo de um blog, um poema

No primeiro post desse blog, começo com a citação de um poema de José Paulo Paes. Não por acaso. Para mim não são quaisquer versos, que chegaram até meus olhos pelo presente de um grande amigo, Ricardo Pizzo Lonardi, hoje professor e historiador. Esses versos representam uma desmitificação de como as relações são mediadas para a obtenção do conhecimento na sociedade.

E a maioria dessas relações, inclusive o jornalismo, passa pela subjetividade, seleção e edição de outras pessoas. Destaca-se, portanto, a necessidade de tais “mediações” se basearem em princípios éticos, na transparência e na dialogicidade. Alguns te preferem, jornalismo, um suicida. Eu não. Aqui inauguro um blog sobre um outro tipo de jornalismo, o atrelado à vida.

Aos óculos
(José Paulo Paes)
Só fingem que põem
o mundo ao alcance
dos meus olhos míopes.

Na verdade me exilam
dele com filtrar-lhe
a menor imagem.

Já não vejo as coisas
como são: vejo-as como eles querem
que as veja.

Logo, são eles que vêem,
não eu que, cônscio
do logro, lhes sou grato

por anteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.

TV Brasil encerra transmissão experimental com mais de 90 horas de programação

Aloisio Milani
Enviado especial da Agência Brasil

Porto Alegre – As transmissões experimentais da TV Brasil – Canal Público Internacional, terminam às 21h30 desta segunda-feira, após a veiculação da última edição do piloto do telejornal Brasil Notícias. Durante os seis dias do 5º Fórum Social Mundial (RS), foram ao ar mais de 90 horas de programação, composta pela transmissão ao vivo das principais atividades do evento, 26 entrevistas exclusivas, 15 debates e um telejornal diário de 30 minutos. A TV Brasil trouxe para o seu estúdio montado na capital gaúcha a diversidade dos intelectuais e participantes do FSM 2005.

Importantes pensadores como o prêmio Nobel da Paz, o argentino Adolfo Perez Esquivel, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, e o espanhol Manuel Castells concederam entrevistas exclusivas para a equipe da TV Brasil. Políticos, representantes das organizações não-governamentais, artistas e lideranças de movimentos sociais também puderam expor suas idéias.

Temas como a integração da América do Sul, as ditaduras na América Latina, a erradicação da fome e da pobreza foram abordados de forma mais aprofundada nos debates. Entre os destaques das conferências transmitidas ao vivo estão a do escritor português José Saramago, a do uruguaio Eduardo Galeano, e as dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Venezuela, Hugo Chávez. O público também pôde acompanhar em tempo real pelo sítio da Agência Brasil na internet.

Diariamente, a equipe da TV Brasil, composta por 40 profissionais, trabalhou para oferecer um panorama diverso do evento que reuniu mais de 155 mil pessoas de 122 diferentes nações do mundo. As principais notícias do dia foram apresentadas no Brasil Notícia, o telejornal de 30 minutos veiculado na TV Brasil às 21h30 e retransmitido pela NBr, TV Senado e TV Justiça.

A experiência de Porto Alegre e os contatos proporcionados por essa primeira iniciativa vão contribuir para o estabelecimento do projeto das transmissões da TV Brasil em caráter definitivo. A previsão é que o canal internacional brasileiro inicie suas transmissões ainda no primeiro semestre deste ano.

“A avaliação dessa fase experimental vai servir para o Comitê Gestor da TV Brasil como uma experiência concreta para definir qual a programação que queremos colocar no ar. Como deve ser formada a equipe e, principalmente, qual foi a receptividade dessa programação, da qualidade do sinal de satélite e do nosso trabalho”, diz José Roberto Garcez, diretor de jornalismo da Radiobrás e membro do Comitê Gestor da TV Brasil.

A experiência foi o piloto do projeto da nova emissora do Estado brasileiro dirigida especialmente aos países da América do Sul, com o objetivo de promover a integração entre os povos do continente. Trata-se de uma iniciativa inédita que reúne as áreas de comunicação dos três poderes da República: TV Justiça, TV Câmara, TV Senado e Radiobrás.

Fonte: Agência Brasil (2005)
https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2005-01-31/tv-brasil-encerra-transmissao-experimental-com-mais-de-90-horas-de-programacao

Em 64, diplomacia brasileira também foi interrompida

Aloisio Milani
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Além do projeto de nação desenvolvido pelo governo João Goulart, o golpe militar de 1964 também rompeu com o amadurecimento das relações exteriores do Brasil, desenvolvido na época no interior do Itamaraty. O Ministério das Relações Exteriores havia consolidado na época uma postura que livrava o país de seguir automaticamente qualquer um dos lados que dividiam a hegemonia mundial, Estados Unidos e União Soviética. O que não significava ausência de relações com nenhum deles. Essas orientações, iniciadas no governo Jânio Quadros, formaram a “política externa independente”, posteriormente interrompida e redirecionada pela ditadura.

Historiadores enxergam a política externa de 1961 a 1964 como mais um ingrediente que levou ao golpe. Em muito, causado pelo temor de que o Brasil seguisse os passos da revolução dos “barbudos” de Fidel Castro, em Cuba. Segundo o cientista político René Armand Dreifuss, em seu livro “A Internacional capitalista: estratégias e táticas do empresariado transnacional”, as “elites orgânicas articularam-se internacionalmente para desestabilizar o governo Goulart, cuja política exterior provocava aversão”.

Como a política internacional reflete na essência a própria política interna, os militares golpistas optaram, em primeiro lugar, por um desenvolvimento contrário ao que Jango propunha. “Mais do que um simples golpe, os militares optam por um modelo conservador de desenvolvimento em clara contraposição ao projeto reformista da esquerda”, diz o historiador Antonio José Barbosa, autor da tese “O Parlamento e a Política Externa Brasileira (1961-1967)”.

Os princípios da política externa independente (PEI) foram sistematizados essencialmente por três intelectuais que comandaram a chancelaria desde Jânio Quadros até a vitória do golpe. San Tiago Dantas, Araújo Castro e Afonso Arinos de Melo Franco. O primeiro deles publicou um livro pela editora Civilização Brasileira sobre as idéias da PEI no auge dos acontecimentos, em 1962.

As bases da PEI estabeleciam a recuperação dos princípios de “não-intervenção e autodeterminação”, a ampliação dos mercados para o país e o “apoio à descolonização e a auto-formulação de planos de desenvolvimento” de acordo com as regras democráticas internas. “A posição internacional de nosso país tem evoluído de forma consistente para uma atitude de independência em relação aos blocos político-militares existentes, que não deve ser confundida com outras atitudes comumente designadas de neutralismo ou terceira posição”, escreveu San Tiago em seu livro.

“Nessa época, houve um início de contato com algumas das mais importantes lideranças do mundo para se criar um pólo alternativo. Em 1961, como resultado da Conferência de Bandung, surgiu o movimento dos países não-alinhados com Josip Broz Tito (Iugoslávia), Gamal Abdel Nasser (Egito) e Jawaharlal Nehru (Índia). No Brasil, o governo Jânio Quadros se aproxima desses ideais”, explica Barbosa. A cidade de Bandung, na Indonésia, ficou conhecida em 1955 por receber representantes de 29 países da África e Ásia, unidos por um mesmo questionamento: qual seria o lugar do terceiro mundo diante da polarização entre norte-americanos e soviéticos?

O Itamaraty criou a divisão para assuntos da África, até então inexistente, aumentou suas representações diplomáticas e restabeleceu as relações com a União Soviética. No mesmo ano do encontro em Bandung, o ministro Arinos foi o primeiro a chamar a atenção na Organização das Nações Unidas (ONU) para outra “divisão do mundo” que não só norte-americanos versus soviéticos – a entre “ricos e pobres”.

O Brasil apoiou o processo independência da Argélia e de Angola, contrariou os Estados Unidos sobre o bloqueio e a possível intervenção em Cuba. Na Conferência de Punta Del Este, no início de 1962, o governo brasileiro deu sua cartada aos países da América. O ministro San Tiago Dantas declarou que o Brasil assumia uma postura não-alinhada aos norte-americanos. A derradeira para o desagrado das elites conservadoras.

No Congresso, parlamentares atacavam os ministros. Nas audiências de esclarecimento da política, os diplomatas eram questionados sobre a incompatibilidade de ser “subdesenvolvido” e “independente”, acusando-os de aproximação com a “ameaça vermelha”. O deputado Arruda Câmara, por exemplo, em sessão de agosto de 1962, acusou o governo brasileiro, na figura de San Tiago Dantas, de estar “distanciando dos sentimentos da maioria do povo brasileiro, que não aceita de bons olhos essa política de mão estendida” ao comunismo.

Dantas, em contrapartida, atacou: “Quanto a saber se o Ministro das Relações Exteriores pratica a política que quer o povo, peço licença para dizer que não considero que nenhum governo, que nenhum partido, que nenhum deputado isoladamente, possa irrogar-se o privilégio de representar os sentimentos do povo brasileiro”. Somente quem o pode fazer, para o ministro, é o Congresso Nacional.

Os discursos dos ministros se transformavam em manifestos em defesa de uma nova posição nos diversos assuntos do contexto mundial. Leia abaixo trechos dos pronunciamentos dos ministros Afonso Arinos (janeiro a setembro de 1961 e julho a setembro de 1962) e San Tiago Dantas (setembro de 1961 a julho de 1962) em sessões na Câmara dos Deputados. Os depoimentos foram reproduzidos das edições do Diário do Congresso Nacional:

Independência X subdesenvolvimento

“Acho que podemos ter uma atitude independente embora sejamos um país subdesenvolvido. É preciso firmarmos a nossa independência no campo internacional para possibilitar o nosso desenvolvimento. Essa deverá ser a nossa atitude. Entre as razões pelas quais procuramos fazer política independente está a necessidade de sairmos dessa etapa miseranda de subdesenvolvimento. Se formos esperar ser um país desenvolvimento para nos tornarmos independentes chegaremos à conclusão de que não alcançaremos nunca esse estágio. Nunca podermos usar nossa soberania em benefício do nosso desenvolvimento, partindo do princípio de que um país estrangeiro jamais tem atitude de caridade no sentido de desenvolver a economia de outro país (…)”
(Ministro Afonso Arinos, 1961)

Auto-formulação do desenvolvimento

“O que penso é que o Brasil vem mantendo o princípio de que não deseja dividir com nenhum país responsabilidades na orientação dos seus problemas de governo e na adoção de suas soluções, mas tem procurado ajustar condições de cooperação internacional bastante eficazes e em escala correspondente às nossas necessidades.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Política externa não se separa da interna

“Considero que a política externa não é separável do conjunto da política realizada num país. Por conseguinte, é indispensável que, ao mesmo tempo que afirmamos nossa independência na nossa vida econômica, [tenhamos] uma política que seja realmente de fomento da emancipação nacional. Acredito, entretanto, que a política externa nos dias de hoje tem em grande parte esse papel pioneiro, talvez porque a definição da posição dos povos vem em grande parte da sua posição no exterior.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Conferência de Punta Del Este

“É verdade que se discutiu muito, aqui em nosso país, se a política brasileira, sobretudo depois de Punta Del Este, era ou não era do agrado do Departamento de Estado (dos Estados Unidos). Confesso que não julguei jamais do que meu dever apurar o ponto, pois realmente só desejo saber se a política exterior do Brasil era do agrado da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Se ela é do agrado dessas entidades, ela aduz a opinião do povo brasileiro e será, pelo menos, cumprida a honra de dirigir o Itamaraty.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Auto-determinação

“O que é necessário é que não tomemos a posição indiferente e passiva de nos limitarmos a dar o nosso apoio às posições polêmicas em que uma das grandes potências nucleares se venha a colocar, e, sim, que ponhamos a nossa fé, o nosso espírito pacifista e a nossa capacidade de compreensão a serviço da única causa que verdadeiramente remunera: a causa da paz, aquela que nos conduz a encontrarmos, pouco a pouco, o caminho da segurança onde possa de fato florescer o mundo que desejamos viver.”
(Ministro San Tiago Dantas, 1962)

Fonte: Agência Brasil (2004)
https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2004-04-05/em-64-diplomacia-brasileira-tambem-foi-interrompida

“Biondi não brigava com a realidade”

Flamarion Maués comenta sobre o projeto do livro-homenagem à vida de Aloysio Biondi

Aloisio Milani
Para site da Faculdade Cásper Líbero

Em entrevista dada no lançamento de O Brasil Privatizado – edição especial, o coordenador editorial Flamarion Maués, da Fundação Perseu Abramo, registra como era o trabalho jornalístico de Biondi – ele não lutava contra os dados, deixava-os surpreender por si mesmos, sem posições e opiniões anteriores. Aloysio Biondi não brigava? Era a própria trincheira. Em sua descomunal carreira como jornalista ele lutou no front das redações ou isolado contra todo o exército. Por essa posição tem tantos admiradores. Coordenador dos três livros, Flamarion observa: “É só olhar a avalanche de focas que está aqui hoje”, ao ver a garotada lotar a Livraria da Vila, em São Paulo. Homenagem que a Editora Perseu Abramo também agradece. O primeiro “livrinho” de Biondi vendeu 130 mil exemplares. O Brasil Privatizado II somou mais 14 mil. Ou seja, o mesmo que os dois segundos livros mais vendidos da Editora (Brasil: mito fundador e sociedade autoritária, de Marilena Chaui; e Brasil Desempregado, de Jorge Mattoso).

Qual o significado de O Brasil Privatizado para a carreira de Biondi?
Quando você tem um trabalho no jornal isso vai se perdendo com o tempo, é uma coisa fragmentada. Agora, quando você publica um livro, e consolida essas informações, dá uma lógica para elas, isso evidencia a dimensão da questão e traz um aspecto duradouro. Será encontrado nas bibliotecas, livrarias e escolas. Foi o que o Aloysio fez nesse livro. Ele não tem necessariamente informações novas, é uma organização da investigação que o Aloysio fazia. Acredito que o momento do primeiro lançamento foi apropriado. A abordagem que ele fez do assunto também era apropriada. Precisava existir um livro para mostrar a vergonha as privatizações.

O segundo volume acabou sendo uma coletânea de textos, mas como era o projeto original para essa continuação?
Ele achava que o livro tinha ficado muito genérico. Devido a toda a agenda que Biondi assumiu, a continuação foi adiada. Ao mesmo tempo que o Aloysio dava aulas na Cásper Líbero, fazia palestras em sindicatos e escrevia diversas colunas toda semana. Mas, uns vinte dias antes dele falecer, nós tivemos uma reunião, em que ele sugeriu um segundo livro sobre o tema petróleo e energia. Disse que precisava aproveitar todo o material que tinha sobre Petrobrás e energia elétrica. Eu sabia que teria que ficar no pé dele, porque senão ele não entregava. A produção do primeiro já tinha sido assim. Ele fazia tanta coisa que não dava tempo. Quando eu apertava o cerco, ele enviava quase um capítulo por dia, tudo datilografado e por fax – nessa época ele não tinha computador. Só que quando ele faleceu não sobrou alternativa. Ainda não tínhamos nada da continuação, então, nós fizemos uma seleção de artigos.

E a edição especial veio para ser uma homenagem mesmo?
Depois de sua morte, o primeiro passo foi organizar O Brasil Privatizado II. Já a edição especial surgiu de conversas entre o Antônio Biondi, o Hélio de Almeida, o Geraldo Leite e eu. O Hélio, principalmente, insistiu muito para que houvesse essa edição. Para ele, os dois livros tinham uma cara mais de revista do que livro. Faltava um projeto gráfico, um trato melhor. Foi quando surgiu a idéia de reunir charges e homenagens junto aos textos.

Vocês ainda pensam em organizar o acervo e fazer uma biografia sobre ele?
A Fundação Perseu Abramo junto com a família do Aloysio já começou a catalogar o acervo dele. Ele deixou quase dois quartos cheios até o teto com jornais. O Antônio, filho dele, é quem está fazendo esse trabalho com o apoio da Fundação. Queremos fazer um convênio com instituições, provavelmente a própria Cásper Líbero para que esse acervo fique disponível para a pesquisa pública, principalmente dos estudantes de jornalismo. Quanto a biografia, acredito que esse é o projeto mais demorado. Temos apenas um esboço do projeto, que precisará de um financiamento para pesquisa, viagens e a contratação de um jornalista para reunir e escrever tudo isso. Pelo tamanho do serviço, é uma coisa que eu imagino só daqui a dois anos.

Qual seria o legado de Biondi para a nova geração de jornalistas?
Assim como Jânio de Freitas e Cláudio Abramo, acho que ele é um daqueles modelos que o estudante de jornalismo tem para motivá-los a seguir um rumo na vida. O Aloysio era um exercício da inteligência no jornalismo, ao contrário de muitos veículos que não estimulam o jornalismo inteligente. Em segundo lugar, era um exercício de independência. Isso os artigos do livro mostram bem. E por último, um ingrediente, que o Jânio de Freitas fala bem, é a investigação, a colheita, a busca da fonte, da informação, do detalhe, do fato primário, da fundamentação. Ele trabalhava com os dados que ele encontrava. A partir daí ele ia tirando conclusões. Ele se recusava a partir de idéias pré-concebidas. Nem sempre era o que ele esperava, mas ele não brigava com a realidade. Isso é o que eu acho importante.

Ourives parnasiano

Aloisio Milani
Site Faculdade Cásper Líbero

O lançamento de O Brasil Privatizado – edição especial vale novamente para relembrar o legado de Biondi

Muitos jornalistas têm horror a jornal velho. Não pelo cheiro ou pelos espirros, mas por fobia ao passado em tempos de tantas e efêmeras notícias. Mas é bom rever. Quem garimpar o caderno Mais! de 24 de novembro de 1996 encontrará uns trechos assim: “Não há dúvida, no Brasil remanesce uma enorme demanda pela catástrofe. É enjoada a monotonia da estabilidade. Não há profetas sem cataclismas, epidemias, desgraças; Para essa gente não há um pingo de dúvida: o fim do mundo é uma religião; Vale, para essa turma, a observação de Olavo Bilac, a propósito de jovens poetas que “falam apenas sobre mundos degradados, (…) uma orgia de pessimismos, moafa de satanismos, um destempero de blasfêmias.”

São frases de Gustavo Franco. O texto chama-se Parnasianos alternativos e refere-se aos ‘radicais da esquerda’ que usam uma terminologia ‘verdadeiramente parnasiana’. Como exemplo do mesmo ódio, o doutor em Harvard cita o jornalista Aloysio Biondi. Sim, o mesmo professor da Cásper Líbero, o mesmo autor de O Brasil Privatizado.

Não é nenhum ‘furo’ dizer que Biondi colecionou inimigos como o ex-ministro Delfim Neto. Luís Nassif escreveu na extinta revista Jornal dos Jornais: “Biondi percebeu tarde demais a armadilha em que se meteu, ao aceitar e se tornar prisioneiro dessa “celebração do insucesso” que caracteriza a fracassomania nacional.” (11/2000).

Estranho a atitude de desqualificá-lo assim. Principalmente vinda de quem esteve ao lado das correntes governistas ou só chutou cachorro morto. Talvez seja para esquecer a independência com que Biondi trabalhava. A contestação com fatos, com números, objetiva, sem rodeios. Um parnasiano, mas na ourevisaria da simplicidade. No livro lançado agora pela Editora Perseu Abramo (O Brasil Privatizado – edição especial) está uma prova do sucesso de sua carreira. Textos elogiosos de Aziz Ab’Sáber, Ziraldo, Janio de Freitas, Emir Sader, Washington Novaes, Luis Fernando Veríssimo, etc.

Na edição estão os dois volumes já lançados mais charges e artigos sobre Biondi. Mas citar somente não basta. É também necessário relembrar o conhecimento que ele passava. 1) Saber ler as entrelinhas de uma reportagem, não somente o ‘lead’, porque é nele que te enganam. 2) Procurar o detalhe que contraria as versões oficiais. 3) Toda pauta já tem uma contextualização obrigatória. Para falar em telefonia precisa lembrar da privatização, para falar de agricultura é preciso lembrar de crédito agrícola, etc.

Biondi, como bem definiu Renato Rovai era um guardador de jornais. Era sua matéria-prima. Um passado que armava os argumentos da crítica presente. A visão sobre a miopia em que transformou-se a maioria do jornalismo factual. E ele mostrava mesmo. Na matéria da pág. 133 do atual livro, Biondi aponta a compra de gás com prejuízo para a Petrobrás. O objetivo era atender as termoelétricas. Seria alguma prioridade de investimento que daria crise energética anos depois? O texto foi de 1999. No reverso do que diz Gustavo Franco, não resta dúvida que no Brasil sobram otimistas lunáticos.

Luís Nassif não conhece, nem nunca conheceu a família de Biondi para falar que eles passaram dificuldades por causa do orgulho de Aloysio para não aceitar ‘propostas’ de emprego. Quem sabe nem tenha lido direito o texto de Marco Antonio Araujo, que usou como gancho (mal feito) para sua argumentação.

Longe das brigas, os artigos sobre Biondi no livro ajudam a formar um pedaço de sua personalidade humilde e radicalmente amigável, como jornalista e como professor. Sempre com tempo para papear, seja sobre as músicas de Chico Buarque, Os sertões, de Euclides da Cunha, ou de seus filhos, pelos quais era apaixonado.