De volta para o futuro

Sei. Andei sumido. Mais do que Marty McFly em apuros com o DeLorean. Não tive problemas exatamente com um reator nuclear, terroristas líbios ou com o beijo entre meu pai e minha mãe. Mas mudanças de trabalho e a consolidação da vida em São Paulo me deixaram numa distância considerável deste blog nos últimos tempos. Agora, arrumado o passado, de volta ao futuro.

A ponto de só conseguir retornar agora com o dever de atualizar notícias sobre meus trabalhos e sobre o Haiti, onde muita coisa aconteceu recentemente (protestos contra a fome, denúncias de abuso sexual, cancelamento de conferência de doadores internacionais etc). Farei isso aos poucos e com o zelo devido.

Também continuarei a série “Haiti e Rio de Janeiro, campos militares”, pois ainda tenho coisas a explorar sobre a atuação das Forças Armadas nesses casos. O que vale é deixar algumas novidades. Acabei por deixar o trabalho sensacional da ONG Repórter Brasil, onde fui muito bem acolhido, para seguir para a TV Cultura de São Paulo.

Enfim, estamos de volta. Até com o blog de cara nova. Escolhi outro template para incentivar este retorno. E também aproveitei para mexer um pouco mais no WordPress. Acho que valeu. Não acham?

Capacetes-azuis treinaram na favela do Bope

Diante dos olhos e narizes dos cariocas, há uma constatação. A única favela do Rio de Janeiro que está sob o comando pleno e duradouro da polícia chama-se Tavares Bastos, no bairro de Laranjeiras. Ali não estão as facções criminosas dos narcotraficantes, nem as milícias com sua segurança paraestatal. No alto do morro rochoso, onde se vê o céu azul, o vôo planador dos urubus e a orla carioca, está aquartelada a tropa de elite da polícia militar do estado – o Batalhão de Operações Especiais (Bope) – que cedeu espaço para o treinamento dos militares que seguem para o Haiti.

Em 29 de outubro de 2007, aconteceu ali mais uma das dezenas de treinamentos realizados pelos soldados do Exército que formariam o novo contingente da força de paz das Nações Unidas no Haiti (Minustah). A “favela do Bope”, junto com a área militar de Paracambi, no interior do Rio, foram as regiões mais usadas para a preparação final dos capacetes-azuis que seguiriam para Porto Príncipe. Eram as etapas por onde passaram a maior mobilização de tropas urbanas desde a Segunda Guerra Mundial.

Desde a entrada do quartel-general do Bope, uma subida acentuada com calçamento de blocos de cimento, caminhões e viaturas militares se enfileiravam no treinamento. No último andar do quartel, um grupo simulava o comando brasileiro em Porto Príncipe. A todo momento eram executados exercícios de progressão no terreno e busca e apreensão. Um mapa indicava o líder da guangue procurada. Seu nome é “Amaral”. A preparação final precisa ser intensificada semanas antes do embarque do contigente para os ensinamentos ficarem frescos na memória dos soldados.

“É claro que todo soldado já tem uma bagagem de preparação. O que fazemos aqui é moldá-lo para uma força de paz. Repassar conceitos de uma missão de paz, exercitar situações específicas para que ele não tenha dúvidas na hora de agir. Treinamos reforço técnico de rito, armamentos, operação e manutenção de equipamentos blindados, e emprego das frações militares, mobilização importante de operações militares em terreno urbano. Além disso, trabalhamos valores. Ser forte, destemido, mas demonstrar que não tem arrogância. O mote é a proteção da vida”, relatou à época o coronel Paul Cruz, que se preparava para assumir o atual oitavo contingente no Haiti.

Na favela Tavares Bastos, os soldados usavam coletes e capacetes com 12 sensores infra-vermelhos cada um para avaliar o número de mortos e feridos na simulação. O equipamento é conhecido como Dispositivos de Simulação de Engajamento Tático (DSET) . Eles buscam elevar o grau de precisão do treinamento com a simulação dos efeitos reais das armas e equipamento. Os líderes das guangues eram soldados disfarçados. A Cruz Vermelha era composta por estudantes de relações internacionais. Todos falando um inglês ou um francês arrastado. O português era proibido na simulação entre os personagens.

Em sua primeira visita ao Haiti, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, destacou que a presença do Brasil na força de paz da ONU precisa ser avaliada também em relação aos interesses do Brasil. “Primeiro que o Brasil não pode ficar alheio às questões que envolvem a América Latina. A condição do Brasil é de liderança e protagonismo regional, portanto é preciso estar presente. Por esse lado, a questão das relações exteriores. O segundo ponto é exatamente a possibilidade de formar doutrinas que dizem respeito a universos urbanos com ações práticas. A possibilidade de você ter formulação de quadro, de oficiais principalmente para cuidar de guerras assimétricas”, explica.

O Haiti é uma atuação real para os brasileiros, mas junto a isso um laboratório de estratégia militar.

As fotos deste post foram tiradas por mim no final do ano passado durante o treinamento da ONU em Tavares Bastos em 2007.

A fina navalha da força militar

Já o professor associado do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e professor visitante da Brown University, nos Estados Unidos, Paulo Sérgio Pinheiro, discorda de que as Forças Armadas estejam preparadas para esse tipo de intervenção no Rio de Janeiro. Ainda mais seguindo um exemplo do que aconteceu no Haiti. “A meu ver não há nada que mudar. O máximo que pode ser feito é troca de informações e cooperação nas fronteiras com a Polícia Federal e, eventualmente, com os destacamentos militares na fronteira. Agora em meio urbano, a grande colaboração que as Forcas Armadas podem dar é ficarem longe do policiamento urbano. Propor o contrário seria um rotundo equívoco”. Numa entrevista dada por e-mail a este blogueiro, Pinheiro lembra que o histórico de intervenções das Forças Armadas nas favelas do Rio tem sido um “desastre”. “Mais improvisação para a galera ou para a mídia eletrônica sem nenhum benefício efetivo, principalmente para dar segurança à população local.”

Ele lembra que há diferenças grandes entre uma força de paz da ONU e a ação das Forças Armadas dentro do Brasil. “Em termos jurídicos ou humanitários a diferença é total: as missões militares são regidas pelo direito internacional, seus termos são estabelecidos por organizações interestatais como a ONU ou a OEA. Pode haver alguma semelhança no conteúdo das ações, por exemplo, se as forças de intervenção desempenham papel de força policial. Mas o fato de o papel do Brasil na Minustah ter tido algum êxito (assim como em Angola) não significa que essa experiência possa ser transferida para o Brasil. A situação dos grupos não-estatais ligados ao narcotráfico no Rio e São Paulo se situam num contexto extremamente mais complexo do que a situação das gangues em Cité Soleil. As organizações criminosas no Brasil estão inseridas numa estrutura nacional, continental e global que não pode ser reduzida a ações armadas de exércitos.”

Outra ponderação do professor de Relações Internacionais é que se já existe um grave problema de vítimas do conflito armado, uma ação do Exército pode piorar esse quadro. “Perdas civis por balas perdidas já são uma calamidade com as polícias, imagine com recrutas mal treinados?”, indaga. Na mesma linha argumenta o coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos Ariel de Castro Alves também considera “inviável” a proposta. “O que precisamos são polícias bem treinadas e equipadas, atuação comunitária e ações sociais. Para isso, não precisamos utilizar o Exército”, disse numa conversa pelo telefone. “Já existe uma criminalização da pobreza no Brasil, mas, na prática, a ação das Forças Armadas nestes moldes seria uma autorização irrestrita para atuar militarmente nas favelas”.

No Haiti, há inúmeras acusações de organização não-governamentais de violações de direitos humanos nas missões de paz. Até agora foram sistematicamente negadas pelas Nações Unidas. O maior desafio para ações militares é, com certeza, o acompanhamento de sua rotina para checagem de parâmetros transparentes do uso da força. Como atirar? Em quem atirar? Quando não atirar? Estas perguntas precisam ser respondidas previamente para originarem posteriores justificativas. Caso contrário, a máxima implícita nas operações se torna: “os fins justificam os meios”. Qualquer grupo armado ilegal (traficantes, gangues, milícias) não tem regras nem compromisso com a sociedade. Mas o braço armado de um Estado democrático tem a obrigação de refletir e atuar com clareza. Sua legitimidade depende disto. Esta é a fina navalha do uso da força militar. Da mesma maneira como discutimos a ação da “tropa de elite” do Rio de Janeiro (aqui e aqui).

As fotos publicadas fazem parte de uma seleção dos principais trabalhos de fotógrafos que cobriram o Haiti recentemente. As fotos acima são do Haiti Information Project, entidade que vem fazendo seguidas denúncias de violações no Haiti – foram listadas pelo Project Censored como parte de um ranking das principais notícias ignoradas pela mídia em 2006.

Próximo post: Capacete-azuis treinaram em favela do Bope

The fine line of the use of military force.

The associate professor of the Violence Study Nucleus of the University of São Paulo (USP) and visiting professor of Brown University, in the United States, Paulo Sérgio Pinheiro disagrees that the Armed Forces are ready for this kind of intervention in Rio de Janeiro. Moreover following the example of what happened in Haiti. “As I see it there is nothing to change. The most that can be done is the exchange of information and cooperation at the border with the Federal Police, and, possibly, with the military troops at the border. Now, in urban areas, the greatest collaboration from the Armed Forces is to stay away from police action. To propose the contrary would be a huge mistake.” In an e-mail interview for this writer, Pinheiro reminds us that the history of Armed Forces interventions in Rio’s slums has been a “disaster”. “More for show or for the electronic press, without any effective benefit, specially to ensure the safety of the local population.”

He points out that there are big differences between a UN peace force and the action of the Armed Forces inside Brazil. “In legislative or humanitarian terms they are completely different: the military missions are bound by international law and their terms are established by interstate organizations such as the UN or the OAS. There can be some similarities in the contents of the action, for instance, if the intervention forces perform police force duties. But the fact that Brazil had some success playing its part on the Minustah (as it did in Angola) does not mean the experience can be transferred to Brazilian territory. The situation of non-state groups linked to the narcotraffic in Rio and São Paulo is far more complex than that of the gangs in Cité Soleil. The organized crime in Brazil is ingrained in a national, continental and global structures that cannot be reduced to Army campaigns.”

The International Relations professor also ponders that there is already a serious issue of casualties from armed conflicts, and Army activities could worsen the situation. “Civilian casualties to rogue bullets are already a calamity with the police. Imagine if you add poorly trained soldiers?” He asks. Following the same line of thinking, the coordinator of the Human Rights National Movement, Ariel de Castro Alves, also finds the proposition “unviable.” “What we need is a well trained and well equipped police force, community engagement and social development. We don’t need the Army for this”, he told me over the phone. “There is already a criminalization of poverty in Brazil, but in practice, any action of the Armed Forces in this fashion would be an unrestricted authorization to military activity in the slums.”

In Haiti, there are numerous accusations by non-government organizations of human rights violations in the peace missions. So far the accusations have been systematically denied by the United Nations. The biggest challenge to the military action is, surely, the follow up of the routine checks for the transparency in the parameters guiding the use of force. How to shoot? Who to shoot? When not too shoot? These questions have to be answered ahead of time so justifications can be provided afterwards. Otherwise, the implicit maxim of the operation becomes: “the ends justify the means.” Any illegally armed group (drug traffickers, gangs, militia) has no rules and no commitment to society. But the armed hand of a democratic State is obligated to reflect and to act with clarity. Its legitimacy depends on it. This is the fine line of the use of military force. The same way as we discussed the actions of Rio de Janeiro’s “Elite Squad” (here and here).

Haiti, laboratório para a estratégia militar

O diretor-executivo da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes, que também coordena projetos sociais em Porto Príncipe, considera um “legado” fundamental os conceitos utilizados pela força de paz liderada pelo Brasil. “Onde o Haiti se apresenta como um laboratório para nós é na criação de conceitos-chave. A dificuldade é colocar em prática. Por exemplo, a estratégia progressiva de ocupação e desenvolvimento. Como foi no bairro de Bel Air, depois em Cité Militare e, por último, em Cité Soleil. Cada passo foi uma progressiva ocupação”, relata em entrevista pelo telefone a este blogueiro. Aos poucos, os bairros considerados perigosos foram ocupados pela ONU. Junto deles, alguma presença de estruturas de apoio, como a polícia haitiana e agências internacionais de desenvolvimento. Embora sempre muito aquém do necessário para as regiões.

“As operações nas favelas haitianas começam com um planejamento. Todas eram cercadas com barricadas de lixo, então o primeiro desafio era entrar, depois tomar pontos fortes, como se chamam as áreas estratégicas de uma operação militar. Havia a idéia de ocupação progressiva. E paralelamente, o Exército brasileiro, mesmo que com limitações, fazia ações cívico sociais (Acisos) junto à população para ganhar sua confiança. Distribuir água tratada, levar doações a orfanatos, mutirões de limpeza etc. Isso foi feito imediatamente após a ocupação”, descreve. “Também vale lembrar um ponto que é toda a estratégia e formação das tropas voltadas para reduzir o número de vítimas”. Segundo ele, seria um indicador de que a ação do Exército poderia, inclusive, ajudar a reduzir a violência policial na capital carioca.

Fernandes acredita que o debate sobre o uso do Exército na segurança urbana brasileira só faz sentido para o Rio de Janeiro e deve ser acompanhado de uma estrutura de apoio humanitário. “Só entrar o Exército não vai resolver, mas isso poderia alimentar um sentimento de mudança, porque, hoje, ninguém acredita que algo vai mudar”. Em fevereiro, o diretor-executivo publicou no site da Viva Rio um artigo entitulado “Bel Air pode ser como a Lapa“. Nele, conta sua experiência de trabalho no bairro haitiano. “De fato, minha primeira impressão foi a de que já havia passado por lá. Mais enfronhado agora, dedicando ao Haiti um terço do meu tempo, misturo proximidade e estranhamento em doses crescentes a cada viagem mensal que faço”, disse. “Gangue é expressão dos bairros pobres dos Estados Unidos, que tem a ver, mas não se aplica. “Facção” é o nome que damos no Rio, mas em Porto Príncipe eles chamam de “bases”. São menos organizados em cima, menos conectados em rede, mais locais, como o nome sugere.”

Fernandes faz uma comparação entre a atuação das “bases” com a forma de organização das comunidades eclesiais de base, forma de trabalho que tinha o ex-líder padre adepto da teologia da libertação Jean Bertrand Aristide, que, depois de lutar contra a ditadura Duvallier, se elegeu presidente em 1990. O bairro também era reduto de grupos de apoiadores a Aristide durante a chegada da força de paz, em 2004. “Parece que foi inspirado, quem diria, nas Comunidades Eclesiais de Base, marca da teologia da libertação nos anos 80. Ao contrário da Igreja, contudo, que prima pela unidade, as bases no caso cultivam a rivalidade entre vizinhos e iguais, ao ponto da violência mais cruel. São grupos informais de microdomínio territorial, que, embora clandestinos, exercem considerável poder local”. O combate a esses grupos também foi aplicado em Cité Soleil. Veja as explicações do force commander, general Carlos Alberto dos Santos Cruz ao Defesanet.

Por várias vezes, essas ações foram criticadas como perseguição a grupos (armados ou não) de partidários do ex-presidente Jean Bertrand Aristide. Também falou-se muito que ações de combate deveriam ser conduzidas pela Polícia Nacional do Haiti, braço armado nacional legalmente constituído. Contudo, a resposta oficial da Minustah era de que a ONU executava as operações no estilo militar porque a polícia não tinha ainda capacidade e qualificação para realizá-las. Nesse ponto, a força militar da ONU agia na desmobilização dos grupos armados. E que na maioria das vezes resultava em conflitos e tiroteios. As acusações de entidades não-governamentais e a resposta da Minustah precisam, sem sombra de dúvida, serem mais aprofundadas para não darem lugar a críticas e rótulos sem embasamento. Vários comandantes militares defendem o exemplo haitiano para ser usado no Brasil desde que seja amplamente discutido e auditado.

Seguimos agora com outras vozes da sociedade…


As fotos publicadas fazem parte de uma seleção dos principais trabalhos de fotógrafos que cobriram o Haiti recentemente. A terceira foto é de Ariana Cubillos
, da Associated Press.Próximo post: A fina navalha da força militar

Haiti, a military strategy laboratory.

The executive director of the NGO Viva Rio, Rubem César Fernandes, who also coordinates social projects in Porto Príncipe, considers a fundamental “legacy” the concepts utilized by the peace force led by Brazil. “It is in the creation of key concepts that Haiti presents itself to us as a lab. The difficulty is to put it in practice. The strategy of progressive occupation and development, for example, as it was done in the regions of Bel Air, then in Cité Militare, and lastly in Cité Soleil. Every step was done in progressive occupation,” he tells on a phone interview to this blogger. Little by little the UN occupied the areas considered dangerous. Alongside the UN, there was the presence of some support structure, such as the Haitian police and international development agencies, even if underwhelming to the regions’ real needs.

“The operations in the Haitian slums start with planning. Barricades made of garbage surrounded them all, so the first challenge was to get in, and then it was to take the strongholds, the strategic areas on a military operation. There was the idea of progressive occupation, and in parallel, the Brazilian Army, even if in limited fashion, performed civil and social activities (Acisos — in Portuguese) for the population to gain its trust. The distribution of treated water, donations to orphanages, collective effort clean ups, and etc. were all done immediately after occupation” he describes. “It is also worth to mention that all the strategy and preparation of the troops are geared towards reducing the number of casualties.” According to him, this would be an indicator that the Army could also help reduce police violence in the capital of Rio.

Fernandes believes that the debate over the use of the Army in Brazilian urban security only makes sense for Rio de Janeiro and should be accompanied by a humanitarian support structure. “Deployment of the Army alone would solve nothing, but it could spark a sense of change, because, nowadays, nobody believes any changes would ever occur”. In February, the executive director published on the Viva Rio website an article with the title “Bel Air can be like Lapa”. On the article, he recounts his experience working in the Haitian region. “In fact, my first impression was that I had already been there. More intertwined now, dedicating to Haiti a third of my time, I feel a mix of proximity and strangeness in increasing dosage on every monthly trip I take”, he said. “Gangs” is the term used in poor ghettos of the US, which has something to do with it, but doesn’t really apply. “Faction” is what we call it in Rio, but in Porto Príncipe they call it “bases”. They are less organized at the top, less networked, but are local, as the name suggests.”

Fernandes does a comparison between the way the “bases” work with the way the base ecclesiastic communities were organized, type of work of the ex-leader priest adept of the theology of liberation Jean Bertrand Aristide, who, after fighting against the Duvallier dictatorship, was elected president in 1990. The area was also the outpost of supporters of Aristide during the arrival of the peace force in 2004. “It seems to have been inspired, who would think, in the Base Ecclesiastic Communities, mark of the theology of liberation in the 80s. As opposed to the Church, however, that primes by unity, the “bases” instead cultivate rivalry between neighbors and equals, to the point of the cruelest violence. They are informal groups of territorial micro dominance, that, even though underground, exert considerable local power.” The combat to those groups was also deployed in Cité Soleil. See the explanation of the force commander, General Carlos Alberto dos Santos Cruz to Defesanet.

Several times, these actions were criticized as persecution to groups (armed or not) of partisans of the ex-president Jean Bertrand Aristide. There was also talk that the Haitian National Police, legally constituted national armed arm, should conduct the combat actions. However, the official response of the Minustah was that the UN executed the operations in military style because the police was not capable and qualified to do so. At this point the military force of the UN acted to demobilize the armed groups which, in the majority of the times, resulted in conflicts and shooting. The accusations of non-governmental entities and the response of the Minustah need, without a shadow of a doubt, to be deepened so as to not leave room to criticism and labels without base. Several military commanders defend the Haitian example to be used in Brazil as long as it is amply discussed and audited.

We follow now with other voices of society…

Exército pronto para atuar. O que diz a lei?

“Você me pergunta: O Exército está pronto para atuar [em casos urbanos como o Rio]? Está. Mas falta uma mudança na legislação para atuar com clareza. Nossa preocupação é definir isso”, disse o coronel Cunha Mattos, que trabalhou durante seis meses no Haiti e atualmente integra o setor de comunicação do Exército (CCOMSEx). Em uma entrevista que fizemos pelo telefone justamente sobre a possibilidade de atuação no Rio de Janeiro, Cunha Mattos explicou que o Exército possui permanente treinamento de emprego em área urbana, seja ele para operações de combate (a missão da guerra) ou para operações de garantia de lei e da ordem, o que poderia até ser chamada de “não-guerra”. Mas o que isso significa?

As regras de hoje sobre o emprego das Forças Armadas são: o artigo 142º da Constituição Federal, de 1988; e as Leis Complementares 97, de 1999, e 117, de 2004. Esta última, editada poucos meses depois do ingresso do Brasil na força de paz no Haiti. A legislação diz que os militares podem atuar “na garantia da lei e da ordem” desde que haja o reconhecimento formal de que os recursos atuais são insuficientes. “Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no artigo 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes (…)“. A “garantia da lei e da ordem” tem um histórico grande em nossas constituições, como mostra Charles Pacheco Piñon, ao relatar as cartas magnas de 1981, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988.

Ou seja, hoje pela regra do jogo, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, teria que tomar a decisão política de dizer que as polícias do estado fracassaram no combate ao crime organizado para autorizar a ação do Exército. “Mas ainda existe uma lacuna sobre os limites de atuação da tropa, porque não há um estado de defesa constituído, um estado de sítio para intervenção federal. Então, há necessidade de aperfeiçoamento da lei e dos limites desta ação”, explica o coronel do Exército. O conceito de garantia da lei e da ordem é diferente de guerra. Ele está muito mais próximo do conceito da segurança pública, “da garantia da ordem pública, incolumidade das pessoas e do patrimônio”, como prevê também a Constituição Federal no seu artigo 144º.

O panorama do Rio de Janeiro, onde várias operações militares já existem pelo Bope, Core, Força Nacional, a atuação do Exército poderia ser utilizada, como já citaram governantes e o próprio ministro da Defesa, a partir do histórico feito nas favelas do Haiti. A experiência da força de paz das Nações Unidas entraria nesta etapa de legislação, preparação e estratégia militar. E é sobre ela que os militares pedem a solução de lacunas jurídicas. Qual seria a estrutura de comando? As polícias serão forças auxiliares do Exército? O Exército terá força de polícia no local da operação? Há autorização, como no Haiti, para vasculhar casas suspeitas, mesmo que seja necessário arrombá-las? Quais as regras de engajamento para armamento e tipos de disparos? “Isso tudo é necessário para ter segurança na ação e as leis complementares não prevêem”, diz Cunha Matos.

Na capital Porto Príncipe, principal foco da violência no Haiti, o trabalho das tropas da ONU gerou um acúmulo em sua estratégia em quase quatro anos de mandato. Os 1.200 soldados brasileiros, dos diferentes contingentes trocados a cada seis meses, vivenciaram a adequação ao capítulo 7 das regras de engajamento de missões de paz das Nações Unidas – adaptação essa que foi motivo de acalouradas discussões entre os membros da missão. Isso porque ele prevê uma espécie de mandato de busca permanente para impor a paz, diferentemente de outros que não permitem uso da força. “No Haiti, a tropa tem autorização para atirar em uma pessoa que esteja portando uma arma, mesmo que ela não esteja disparando na tropa, mas não pode atirar caso a pessoa esteja de costas ou em fuga”, exemplifica o coronel.

Segundo ele, isso não significa atirar em qualquer um, mas o militar “pode usar a força quando necessário” ou “houver ameaça sobre ele”. E, embora o conceito de “ameaça” possa ser muito subjetivo, o coronel explica que havia um controle rígido da atuação no Haiti. Câmeras de vídeo e visores infravermelhos para uso noturno foram acessórios usados pelos militares com o objetivo de diminuir o número de vítimas. Mas o que acham pesquisadores e entidades não-governamentais da atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem no Brasil? Esse será o tema dos próximos posts.

As fotos publicadas fazem parte de uma seleção dos principais trabalhos de fotógrafos que cobriram o Haiti recentemente. Esta segunda é de Ruth Fremson, do The New York Times, e que já fez vários trabalhos lá, inclusive um bom slide show, que já mostrei em outro post.

Próximo post: Haiti, laboratório para estratégia militar

Army ready to act. What does the law say?

“You ask me: Is the Army ready to act [in urban cases like in Rio]? It is. But it is missing a change in the legislation for it to act with clarity. Our concern is to define this”, stated Cel. Cunha Mattos, who worked for 6 months in Haiti and currently integrates the Army Communication Sector (CCOMSEx in Portuguese). In a telephone interview we did exactly about the possibility of action in Rio de Janeiro Cunha Mattos explained that the Army constantly performs training geared towards urban areas. Be it for combat operations (war missions) or for operations to uphold the law and order, which could even be called de “non-war mission”. But what does this mean?

Today’s rules about the employment of the Armed Forces are: article 142 of the Federal Constitution, from 1988; and the complementary laws 97, from 1999, and 117, from 2004. The latter edited a few months after the ingress of Brazil in the Peace Force in Haiti. The legislation states that the military can act to “ensure the upholding of law and order” as long as there is formal recognition that the current available resources are inefficient. “The instruments related on article 144 of the Federal Constitution are considered extinguished when, on a certain moment, they are formally recognized by the Chief of Federal Executive Power or by the Chief of the State Executive Power as unavailable, inexistent or insufficient (…)”. The “assurance of upholding the law and order” has a long history in our constitutions, as Charles Pacheco Piñon shows reporting the Magna Cartas of 1981, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 and 1988.

So, today, by the rules of the game, Rio de Janeiro’s governor, Sérgio Cabral, would have to take the political decision to declare that the state polices failed in the combat with organized crime to authorize the Army to act. “But there is still a line to ‘fill in the blank’ as to the limits of action by the troops because there is no constituted state of defense, no state of siege for Federal intervention. Therefore, it is necessary to fine tune the law and the limits of this action”, explains the Army Colonel. The concept of assurance of law and order is different from war. It is much closer to the concept of public safety, “to the assurance of public order, safety of the citizens and property”, as also foreseen in article 144 of the Federal Constitution.

Rio de Janeiro’s panorama, where several military operations by BOPE, CORE, Força Nacional already exist, military action could be utilized, as previously cited by government officials and the secretary of Defense himself, based on the history on the Haiti slums. The expertise of the United Nations Peace Force would be used at this stage of legislation, preparation and military strategizing. And it is at this level that the military ask for the solution for the judicial “fill in the blanks.” What would be the chain of command? Would the police forces be auxiliaries to the Army? Would the Army have the strength of the local police in the areas of operation? Is there authorization, like in Haiti, to search suspect houses, even if it is necessary breaking into them? What are the rules of engagement for weaponry and types of shots? “All of this is necessary for the safety of the action and the complementary laws do not foresee”, says Cunha Mattos.

In the capital Porto Príncipe, main pocket of violence in Haiti, the work of the UN troops generated an accumulation of strategic experience in its almost four-year term. The 1200 Brazilian soldiers, from different contingents, changed every six months, lived the adaptation to chapter 7 of the rules of engagement of United Nations’ Peace Missions – adaptation that was the culprit of heated discussion among the mission’s members. That is because it allows for a type of permanent search warrant to impose peace, differently that others that do not permit the use of force. “In Haiti, the troops have authorization to shoot a person that is carrying a weapon, even if the person is not firing towards the troops, but they cannot shoot the person on their back or when they are fleeing”, the Colonel says as an example.

According to him that does not mean shooting at everyone, but the military “can use force whenever necessary” or “when under threat”. And, even though the concept of “threat” can be quite subjective, the Colonel explains that there was a very strict control of the action in Haiti. Video camera and infrared visors for nocturnal usage were accessories used by the military with the objective of decreasing the number of victims. But what is the opinion of researchers and non-governmental entities about the action of the Armed Forces in the assurance of law and order in Brazil? This will be the subject of the next posts.

Haiti e Rio de Janeiro, campos militares brasileiros

A maior favela do Caribe, o conglomerado de barracos de zinco e toscos tijolos de cimento de Cité Soleil, onde moram cerca de 300 mil haitianos, foi palco do principal marco da estratégia militar das tropas das Nações Unidas no Haiti. Soldados brasileiros que integram a força de paz ocuparam gradativamente a região e desmobilizaram grupos armados que influenciavam e até controlavam a vida dos moradores.

A postura das Forças Armadas se tornou exemplo de ação para dirigentes da ONU, políticos haitianos e militares de outros países. Algumas entidades não-governamentais criticaram o processo e denunciaram violações, que, por outro lado, foram sistematicamente negadas pela ONU. O fato é que a favela de Cité Soleil, berço político do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, apesar de continuar paupérrima, deixou de ser a pedra no sapato da força de paz.

O caso ganhou repercussão internacional para ascender um debate recorrente no Brasil sobre a possível atuação das Forças Armadas em situações de violência. Por que não repetir a doutrina de ação no Rio de Janeiro, onde traficantes estruturaram por anos um esquema de venda de drogas – baseado no controle territorial, na cobrança de serviços e na convivência corrupta com o poder público? Existiriam vantagens em empregar soldados do Exército, Marinha e Aeronáutica para combater o crime organizado na capital carioca?

A proposta é citada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e por comandantes militares como viáveis desde que haja mudanças na legislação. O assunto está em estudo por um grupo do governo e das Forças Armadas. Será discutido no contexto da Estratégia Nacional de Defesa, que deve ser concluída até 7 de setembro, para prever as tarefas militares do país. Enquanto isso, os comandos militares das Forças Armadas e das polícias do Rio de Janeiro já trocam informações e conhecimento sobre o assunto.

A partir desta semana, este blog publica uma série jornalística com referências on-line para discutir a possibilidade e a viabilidade da atuação dos capacetes-azuis se tornar uma doutrina de intervenção das Forças Armadas na segurança pública de cidades violentas brasileiras, onde o crime organizado está na rotina da população. Foram ouvidas fontes do Exército, do Ministério da Defesa, organizações não-governamentais, movimentos de direitos humanos e especialistas em segurança pública.

Parte 1O Exército pronto para atuar. O que diz a lei?
Parte 2 Haiti, laboratório para estratégia militar
Parte 3A fina navalha da força militar
Parte 4Capacetes-azuis treinaram em favela do Bope
Parte 5Morro da Providência e a ética do capitão Nascimento

As fotos publicadas fazem parte de uma seleção dos principais trabalhos de fotógrafos que cobriram o Haiti recentemente. Esta da abertura é de Ana Nascimento, profissional da Agência Brasil que viajou comigo ao Haiti em 2004.

Haiti and Rio de Janeiro, Brazilian military camps

Caribbean’s largest favela, the conglomerate of shacks built out of poor cement bricks and zinc roofing on Cité Soleil, where almost 300 thousand Haitians live, was the center stage for the main military strategy of United Nations troops in Haiti. Brazilian peacekeepers gradually occupied the area and disbanded the armed groups that influenced and even controlled the lives of local residents.

The posture of the Brazilian Armed Forces became an example for UN leaders, Haitian Politicians and other countries’ military. Some non-governmental organizations criticized the process and denounced violations, which, in turn, were systematically denied by the UN. The fact of the matter is that Cité Soleil, political cradle of former President Jean Bertrand Aristide, although remaining in extreme poverty, is no longer a pebble in MINUSTAH shoes.

The case gained international repercussion and inflamed a recurring Brazilian debate over the possibility of Armed Forces intervention on violent situations. Why not repeat the doctrine of action in Rio de Janeiro, where drug dealers built a massive structure of drug trading – based on territorial control, charges for various ambiguous services and corrupt coexistence with the public power? Are there advantages in employing Army, Navy, and Air Force soldiers to fight organized crime in Rio?

The proposal is pointed by the Secretary of Defense, Nelson Jobim, and by military commanders as viable if legislation changes were to occur. The subject is under study by some Armed Forces and governmental groups. The discussion will take place in the context of the National Defense Strategy, which is scheduled to be completed by or around September 7th, and will forecast Brazil’s military tasks. Meanwhile, major military commands and the police forces in Rio de Janeiro are exchanging intel on the matter.

From this week forward, this blog will be publishing a journalistic series filled with on-line references to discuss the possibilities and the viability of using the Brazilian blue-helmets methods to become an Armed Forces intervention doctrine for public safety in violent Brazilian cities, where the organized crime is intertwined in the routine of its population. Consulted sources were the Army, the Brazilian Department of Defense, non-governmental organizations, human rights movements and public safety specialists. 

Aristide e seu calcanhar de Aquiles

Revendo aqui meus arquivos encontrei um texto ainda de 2004 do Le Monde Diplomatique sobre a situação de Jean Bertrand Aristide. Publico seu link para dar voz também a uma série de opiniões que encontrei sobre os opositores a Aristide. Não acho, nem de longe, que isso seja justificativa para sua retirada forçada, como alegam muitos. Mas justifica uma realidade contraditória sobre a paixão de seus partidários e o ódio de seus opositores. Aristide teria adotado uma política conservadora na economia depois de seu retorno em 1994. Isso desagravada a muitos.

“Líder popular, Aristide é seduzido pelo estabilishment norte-americano com quem colabora por ocasião da privatização das estatais. Inebriado pelo poder e pelo dinheiro, é destituído por um bando de mercenários. França e EUA dão o golpe de misericórdia ao impor um primeiro-ministro e manter o país ocupado por tropas estrangeiras, retomando à violência dos tempos duvalieristas. (…)

“No princípio era “Titid”, o padre das favelas, a voz dos sem-voz. Já nessa época, lá da Igreja Don Bosco, em Porto Príncipe, aquele que se tornaria o presidente Jean-Bertrand Aristide, representava a esperança de um povo crucificado, de 1957 a 1986, pela ditadura dos Duvalier. Não foi nenhuma surpresa quando, no primeiro escrutínio livre do país, em 1990, o povo e seu movimento Lavalas (A avalanche) elege o cura dos pobres. (…)

“Nesta história degradante, não há dúvida que os três anos de exílio do ex-presidente, seu desespero sem dúvida e sua frustração tem um peso enorme. “Ele partiu como Aristide e voltou como ’Harry Stide’”, resume abruptamente Anna Jean Charles, militante do sindicato Batay Ouvriyé. De fato, em Washington, onde ele cria fortes laços com o Partido Democrata (e particularmente ao Congresionnal Black Caucus), o pitit soyèt (filho do povo) descobre os grandes deal do establishment norte-americano. Sempre considerado como o presidente em exercício, gerindo os fundos congelados de seu governo, torna-se um “grande comedor”, como se diz em seu país – ao qual impõe um embargo devastador para os mais desvalidos. Seus novos amigos democratas yankees, o apóiam na retomada do poder, e na contrapartida irão se beneficiar amplamente das privatizações, especialmente no setor das telecomunicações. (…)”

“Até o último momento ela [a oposição] escolheu a política do pior. No dia 21 de fevereiro de 2004, Aristide havia aceitado um plano internacional prevendo a manutenção de seu mandato até 2006, a nomeação de um primeiro ministro “neutro e independente”, assim como um novo governo, fazendo concessão à oposição. A plataforma democrática rejeitou o plano. Ele não mencionava a demissão do presidente. Neste ponto – a partida de Aristide -, ela obteve ganho de causa. Mas o dia seguinte, de festa, a encontra mais frustrada que aliviada. Em um cenário de fim de crise que ele não havia imaginado, privando-a de sua vitória, Washington, além de uma ocupação por tropas estrangeiras, lhe impôs um “primeiro ministro importado”, Gérard Latortue. No dia 20 de março, Latortue não hesitou em qualificar os autoproclamados “rebeldes”, membros do antigo exército de torturadores, de “combatentes da liberdade”.

Haiti entra em grupo paralelo à OEA

Naquela mesma reunião em Santo Domingo, na República Dominicana, em que Uribe, Corrêa e Chávez bateram boca sobre a invasão do território equatoriano para caçar as Farc, uma notícia passou desapercebida. O Haiti, que viveu nas últimas décadas sangrentas ditaduras e uma instabilidade política constante, ingressou formalmente para o Grupo do Rio, entidade paralela à Organização dos Estados Americanos (OEA). Reproduzo trecho da matéria da Reuters.

O Haiti foi largamente excluído dos grupos regionais em meio às décadas de caos político, ditaduras e governos militares. O país foi aceito em 2002 na comunidade caribenha Caricom, grupo econômico que reúne principalmente nações e territórios de língua inglesa.A eleição do presidente Rene Preval em 2006 contribuiu para estabilizar o Haiti, dois anos depois de o líder populista Jean-Bertrand Aristide ter sido deposto por uma rebelião de grupos armados e ex-membros do Exército.

O Grupo do Río foi formado em 1986 no Rio de Janeiro para representar os interesses latino-americanos, como uma alternativa à Organização de Estados Americanos (OEA), dominada pelos Estados Unidos.O grupo inclui Argentina, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Na Wikipedia, tem mais algumas informações.

O Grupo do Rio não possui secretariado permanente e funciona com base em reuniões de cúpula anuais. As suas decisões são adotadas por consenso. Foi originalmente criado para substituir o Grupo de Contadora (México, Colombia, Venezuela e Panamá) e o Grupo de Apoio a Contadora (Argentina, Brasil, Peru e Uruguai), com o nome de “Grupo dos Oito”; em 1990, adotou o nome Grupo do Rio.

Em Bel Air, 13 mil crianças e jovens “refugiados”

Bel Air é uma favela situada próxima ao Palácio do Governo na capital Porto Príncipe. Também fica na parte baixa da cidade e sofreu intensamente o conflito armado que levou à queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, em 2004. A área tinha muitos partidários do Lavalas, partido de Aristide, e foi uma das primeiras a sofrer intervenção das tropas militares das Nações Unidas. Com atuação principal dos soldados brasileiros.

A organização não-governamental Viva Rio trabalha no Haiti e divulgou uma pesquisa sobre o bairro, onde atua com prioridade na questão do abastecimento de água. Segundo o censo demográfico feito em Bel Air, 13,6 mil crianças e adolescentes foram enviados para casas de familiares situadas fora da região durante fase mais crítica de violência, instabilidade política e ocupação das tropas da ONU, entre 2004 e 2005.

As informações do censo estão na página do Comunidade Segura. “Durante o período de levantamento, mais de 40 recenseadores pesquisaram cerca de 32 mil pessoas em aproximadamente 10 mil domicílios”, registra o texto. As questões que foram investigadas a partir de consultas à Universidade de Kiskeya, UFRJ, Universidade de Boston, Centro de Instrução de Operações de Paz (CiopPaz), Organização Mundial de Saúde (OMS), Iser e o Viva Rio.

Haiti é machista na vida política

No país caribenho, um dado sobre a vida política mostra a desigualdade de gênero. O Haiti tem apenas 4,1% de seu Parlamento constituído por mulheres. São 4 legisladoras ao lado de 94 homens. Essa proporção coloca o Haiti na 125º posição de uma lista de 192 países pesquisados pela União Interparlamentar, entidade com sede em Genebra.

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Uma reportagem da BBC sobre o estudo relata que apenas 20 países em todo o mundo têm mais de 30% de mulheres entre seus deputados. Na América Latina, destaque para a participação das mulheres na vida política da Argentina (40%), Costa Rica (37%) e Cuba (36%).

Este post sai um pouco atrasado em relação ao Dia Internacional da Mulher, mas vale o registro. Deixo o link de uma galeria de fotos do site oficial da força de paz da ONU no Haiti (Minustah) em comemoração ao dia internacional. Detalhe: não existe uma foto sobre a vida política das mulheres haitianas.

Obs.: O dado sobre o Haiti na reportagem da BBC está errado pois conferi no estudo original. Eles citam que o Haiti tem 11,1% de participação de mulheres, quando o dado correto é 4,1%. Se fosse como eles dizem, a situação haitiana estaria melhor que o próprio Brasil, hoje com 9% de mulheres no Parlamento.

Comida apodrece no Haiti da fome

“Enquanto milhões de haitianos passam fome, conteiners cheios de comida ficam empilhados nos portos do país, porque a burocracia do governo – deixando toneladas de feijão, arroz e outros grãos na podridão sob um sol escandante ou para serem devoradas por vermes”.

Assim começa a reportagem do Washington Post, que conta o desperdício de comida no país mais pobre das Américas, onde milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. Na foto baixo, homem limpa restos de grãos podres no porto de Cap-Haitien, o segundo maior do país.

AP Photo

Mais de um ano depois, “projetos” em Cité Soleil

Mais de um ano depois da ocupação militar por soldados das Nações Unidas em Cité Soleil começa a ser anunciado os investimentos em saneamento, pavimentação e melhoria dos espaços públicos. Era o que relatamos no vídeo Bon Bagay Haiti, publicado na Agência Brasil.

Agora é esperar para ver o tamanho desses “projetos”, que, segundo a ONU, custarão US$ 500 mil e beneficiarão 7 mil pessoas. Sinceramente, é muito pouco para tamanha necessidade. Não há informação se o governo haitiano também investirá recursos lá.

Celestin, restavek e o tráfico de haitianos

Essa é a história visível de Simone Celesti, um jovem haitiana que cogitou se suicidar para escapar de anos de abuso de uma família na Flórida. Segundo o depoimento publicado pelo USA Today, ela teria sido retirada de sua família perto de Ranquitt, no Haiti, e levada para os Estados Unidos irregularmente. Assim como muitas foi explorada para o trabalho doméstico. Há casos relatados de abuso sexual com outras “adotadas”.

Essa foi uma das minhas primeiras impressões do Haiti em 2004. Em Porto Príncipe, bem no centro da cidade, próximo ao prédio de uma universidade, vi um muro pixado com a palavra “restavek”. Perguntei a um guia e ele me contou que em vários locais da cidade havia protestos contra esse modelo de “adoção internacional” que acaba por explorar mais as crianças já pobres e sofridas. Essa foi a imagem da fotógrafa Ana Nascimento em nossa viagem pela Agência Brasil.

Ana Nascimento/ABr

“O que é melhor? Ser pobre perto da família ou ser violentada longe dela?”. Foi a frase que não esqueço de uma mãe que conversei perto de um orfanato em Delmas, bairro de Porto Príncipe. Neste ano, pouco antes da realização do Fórum Global contra o Tráfico de Pessoas, em Viena, a Organização Internacional para a Migração lançou um vídeo contra o problema no Haiti. A estimativa (não sei como chegaram ao número) chega a mais de 150 mil crianças nesta situação no país.

“A falta de estatísticas e de qualquer outro tipo de informação nos limita a olhar as pegadas de uma criatura, cuja forma e tamanho ainda não se conhecem”, reconheceu o diretor-executivo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC, em inglês) no evento de Viena.

Estima-se que aproximadamente 2,5 milhões de pessoas são vítimas do tráfico de seres humanos e de suas várias formas de exploração, trabalho forçado ou prostituição, a cada ano. Os especialistas calculam que os lucros gerados pelas redes clandestinas ultrapassam US$ 31 bilhões por ano, sendo US$ 1,3 bilhão na América Latina.

Também deixo uma boa indicação de texto na internet que classifica a situação como a moderna escravidão haitiana. Também segue o link do blog da Daniela Alves que acompanha o tema internacionalmente.

Obs.: No meu PC, o vídeo tinha um “audível” descompasso entre a imagem e o som. Espero que dê certo para quem veja.

Préval pede fim das deportações a Bush

O presidente René Préval solicitou formalmente ao governo Bush que pare as deportações de imigrantes ilegais haitianos e, ao invés disso, lhes dê a permanência temporária – um documento chamado Statute of Temporary Protection (TPS). As informações foram publicadas no Miami Herald e clipadas pelo HaitiAnalysis. O governo está analisando a situação. Em 2004, um pedido semelhante do então primeiro-ministro Gerard Latorture, do governo de transição, foi negado.

”Levará alguns anos para nossos cidadãos se recuperararem das consequências das recentes tempestades e de outras catástrofes naturais que a precederam”, justificou Préval. “A prorrogação do TPS para haitianos iria proteger as crianças nascidas em solo norte-americano, bem como seus pais, e permitiria que o meu governo se concentrasse os seus recursos limitados à reconstrução econômica e política em vez de ter de prestar serviços sociais aos [deportados].”

Assim como Cuba, o Haiti está a poucos quilômetros de Miami, o que facilita tentativas de imigração em botes improvisados. Principalmente após tragédias naturais e ciclos de pobreza. Como aconteceu com o furacão Jeanne, em 2004.

Morre haitiano “goleador” da Copa do Mundo

O Haiti só marcou dois gols na única vez em que participou da Copa do Mundo de futebol. Foi em 1974 contra a Itália e a Argentina. O autor foi Emmanuel Sanon, que morreu aos 56 anos de idade, vítima de câncer no pâncreas. O atacante estava morando em Orlando, nos EUA, e morreu em sua casa. Clique no site da federação haitiana para ler a biografia do jogador.

Sanon abriu o placar para o Haiti contra a Itália, que, depois, virou o jogo. O atacante voltou a marcar contra a Argentina. O placar final foi 4 a 1. Na última partida, a Polônia goleou o time haitiano por 7 a 0. Em 1999, foi escolhido como o “atleta haitiano do século”. A participação do Haiti em Copas é minúscula, mas o gol abaixo fez de “Manno”, seu apelido, uma estrela.

O time atual de futebol continua sua preparação para as eliminatórias. Aguarda o vencedor de Nicarágua e Antilhas Holandesas.

Onde Timor Leste se cruza com o Haiti

O post do Leonardo Sakamoto comenta a situação atual do Timor Leste. Aproveito o gancho para indicar onde acho que a realidade timorense se assemelha com a do Haiti. Numa análise mais abrangente, é mais fácil encontrar diferenças, mas ambos países viveram recentes missões de paz da ONU. Os dois passam por situações de construção de estruturas mínimas de funcionamento da democracia. E Haiti e Timor também são países extremamente pobres com recorrentes problemas de violência e instabilidade política.

A pergunta é: por que será que o atual modelo de missão da ONU não dá conta de resolver de maneira mais permanente os problemas de países subdesenvolvidos? A diplomacia está longe de conseguir articular países em torno de interesses comuns, como a paz e o desenvolvimento sustetável. As relações internacionais estão à mercê dos interesses econômicos e políticos. A ONU reflete isso. O Haiti e o Timor Leste também. No modelo atual, podem melhorar somente em rompantes de solidariedade.

Desmatamento do Haiti e a matriz energética

Já pararam para pensar qual seria o desmatamento de florestas necessário para que cerca de 7 milhões de pessoas pudessem cozinhar, aquecer-se ou construir suas casas? Pois este é o Haiti que verão nesta reportagem do Washington Post.

É a história de pessoas que sobrevivem da derrubada de árvores, que, segundo a ONU, cobrem apenas cerca de 4% do território hatiano. Isso porque sua área foi desvatada desde expansão da cana-de-açúcar na colonização francesa até os tempos atuais.

Ariana Cubillos/AP

O Haiti Innovation publicou um post com alternativas para a matriz energética haitiana.

Número de brasileiros no Haiti subirá para 1.300

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, reafirmou ontem que o presidente Lula encaminhará “em breve” ao Congresso Nacional uma mensagem solicitando o aumento de 100 soldados para a força de paz no Haiti. Isso aumentaria o efetivo da companhia de engenharia, que atualmente faz afastamentos, cava poços e trata água em Porto Príncipe. As declarações do ministro foram dadas durante a apresentação dos oficiais do próximo contingente (o nono) a seguir para o Haiti. Eles também participaram de um curso sobre logística, inteligência e direito humanitário.

A decisão de aumentar o efetivo foi um tema herdado da gestão do ex-ministro Waldir Pires. Na primeira oportunidade do ministro de lidar com a situação do Haiti, depois do afogamento da crise aérea, Nelso Jobim conversou com os comandantes das Forças Armadas. A dúvida era: devemos aumentar o efetivo simplesmente para comportar mais engenheiros ou reduzir o número de soldados e trocá-los por engenheiros? Venceu o primeiro argumento por convencimento dos militares sob a alegação de que a segurança “ainda é frágil” no Haiti. E o contigente seria necessário para manter a ocupação de áreas problemáticas como Cité Soleil.

José Cruz/ABr

O que Camile Chalmers disse…

O economista e educador haitiano Camile Chalmers é o intelectual que mais compareceu às diversas edições do Fórum Social Mundial para discutir o futuro do país mais pobre das Américas. Chalmers é secretário-executivo da organização Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo (Papda), entidade não-governamental que deu o apoio conceitual e logístico para a realização da Missão de Solidariedade ao Haiti, chefiada pelo prêmio nobel argentino Adolfo Pérez Esquivel. Abaixo algumas frases dele:

Podemos dividir o período de Aristide em três. A primeira fase, em 1991, quando ele era a grande liderança e sofre o golpe. O segundo, em 1994, quando reassume o poder e já volta muito influenciado pelas idéias de Washington. E o terceiro momento quando se elege em 2001 e fica até 2004, quando há novo golpe. Nesse momento, sua administração é contestada pelos EUA, que financia os opositores ao governo, o que acaba gerando a intervenção que vivemos hoje. Em 2004, havia um descontentamento popular com o governo, mas Aristide foi derrubado pela CIA, que financiou ex-militares para lutarem contra o governo. Só que antes do golpe se concretizar, Aristide distribuiu armas a grupos populares de Porto Príncipe que estavam a seu favor, para defender o governo. E por isso hoje grupos populares têm armas pesadas em seu controle.

A presença de MINUSTAH, que se inseriu em um contexto mundial e regional particular, nos parece como um ensaio, um laboratório do imperialismo para poder responder a novos cenários de crise na América Latina, justificando a presença militar de soldados estrangeiros pelo discurso da solidariedade sul-sul; de apoio fraterno, quando sabemos que a presença de MINUSTAH se insere em uma estratégia mais ampla de militarização do Caribe, que é uma zona estratégica para o imperialismo e também coincide com a época onde as tropas estadunidenses estão mobilizadas no Iraque e necessitam colaboração das tropas de outras nações.

Não há uma cifra geral (sobre o número de mortos durante a missão de paz); porém, no operativo militar do dia 22 de dezembro de 2006, morreram entre 27 e 35 civis, e isso somente em um dia. Houve vários outros operativos, organizados depois. Há um informe sendo elaborado que trata de estabelecer o resumo da situação. O certo é que estão sendo produzidas baixas de gente totalmente inocente, cujo único crime que cometeram foi viver em um bairro de pobres. É muito chocante que uma força militar desse tipo tenha cometido esse tipo de violação dos direitos humanos e que em nenhum momento a diligência dessa força tenha reconhecido essas baixas e não tenha dito que vão começar uma investigação para estabelecer as responsabilidades. Atuam de uma maneira muito descarada, com uma impunidade total e uma situação de não respeitar a vida humana e os direitos do povo do Haiti.

A estratégia às avessas

Em dezembro, a missão da ONU no Haiti fez uma campanha para alertar as crianças haitianas do perigo das armas (inclusive com as de brinquedo). Parece uma iniciativa para uma ação preventiva. Agora, sinceramente, acho que não adianta encarar as coisas assim. Segundo estimativas da Oxfam, o país caribenho tem pelo menos 300 mil armas leves, a maioria ilegais, a solta pelas ruas. Sem uma estratégia de desarmamento, iniciativas assim servem apenas para boas fotos de propaganda. Como esta aqui da ONU.

Bon Bagay Haiti no topo

Registro que depois de quatro meses da sua publicação na Agência Brasil, o documentário Bon Bagay Haiti ainda é a entrada mais comentadas/blogadas do site. Veja aqui a lista do acumulado do ano. Muita água rolou desde então: este blog cresce rápido, mudei-me para São Paulo e entrei na Repórter Brasil. Vou buscar inscrever o documentário em algumas exibições internacionais também para ampliar a discussão do Haiti.

Deu empate na revanche

Continua aqui a maior e única cobertura em português dos amistosos entre as seleções de futebol da Venezuela e do Haiti. O segundo jogo da série foi um empate em 1 a 1. Desta vez no estádio olímpico de Puerto La Cruz. Quem marcou primeiro foi o Haiti, com Brunel Fucien, que deu um chute rasteiro que surpreendeu o goleiro venezuelano Leonardo Morales. A Venezuela só empatou aos 31 minutos do primeiro tempo. Rondín aproveitou o descuido da zaga haitiana e cabeceiou para o fundo da rede.

Haiti 0 x 1 Venezuela

Como prometi, aqui estão as informações do amistoso entre as seleções de futebol do Haiti e Venezuela. A única cobertura brasileira com mais de três parágrafos (!). Em meio ao carnaval e as discussões sobre a política entre Venezuela e Colômbia, o amistoso aconteceu no Estádio Monumental, em Maturín, aquele mesmo que viu três gols de Robinho em julho do ano passado.

O resultado final foi 1 a 0 para a Venezuela com gol de Zurdo Rojas ainda no primeiro tempo. Pelo que pude ouvir em transmissão de rádio via internet, o jogo não foi lá essas coisas. Aliás, nem esperava isso. O público foi de 32 mil pessoas, segundo apuração da Agência Bolivariana de Notícias. O Haiti ainda tentava contra-ataques rápidos mas não conseguiu marcar.

ABN

O elenco da “Vinotinto”, como é chamada a seleção na Venezuela, foi inovador na primeira partida do novo técnico César Farias: Leonardo Morales, Dickson Díaz, Grenddy Perozo, Gabriel Cichero, José Granados, Evelio Hernández, Franklin Lucena, Tomás Rincón, Jorge “Zurdo” Rojas, Emilio Rentería e Armando Maita.

O time haitiano que entrou em campo – Fenelon Gabart, Frantz Gilles, Bruny Pierre Richard, Windsor Noncent, Romaní Genevois, Frantz Bertin, Alain Vubert, Meter Germain, Charles Davidson, Alcénat Jean Sony y Abel Thermeus. Dois dos titulares jogaram contra o Brasil, em 2004.

As duas equipes estão disputando as eliminatórias regionais da Copa do Mundo. A Venezuela na disputa da América do Sul está em quinto lugar, com quatro jogos, duas vitórias e duas derrotas. Com técnico novo, a seleção tenta se aprimorar para a próxima fase da competição que dá acesso à Copa de 2010 na África do Sul.

O Haiti entra somente na segunda fase das eliminatórias da América Central, do Norte e Caribe. Jogará seu primeiro jogo com o vencedor de Nicarágua e Antilhas Holandesas. Veja aqui minha análise sobre as chances do time se classificar para a Copa. O último campeonato do Haiti foi a Copa Ouro, da qual foi eliminado por 2×0 pelo Canadá.

Veja o histórico e os próximos jogos dos dois times. Dia 6 tem o segundo jogo.

Além de biscoitos, a geografia da fome

Como país mais pobre das Américas, o cotidiano do Haiti para grande parte das famílias é uma eterna busca por comida. Escrevi antes aqui sobre a reportagem “hit” sobre os biscoitos de terra, outros, como o Haiti Inovation, também repercutiram. Mas essa é uma pequena amostra do panorama de insegurança alimentar. O Haiti possui dificuldades para a garantia da alimentação das pessoas. Seja na capital Porto Príncipe ou no interior do país com o campesinato.

O interior do país foi um bom produtor agrícola, principalmente arroz. Sua produção foi esmagada com as suscessivas pressões dos norte-americanos. De exportador de arroz virou importador. A produção agrícola familiar foi acabando gradativamente desde o final da década de 80. Atualmente, a maioria dos produtos básicos são importados: carne bovina, arroz, feijão e trigo.

Hoje, li no site do Haitianalysis.com uma feroz crítica ao “rótulo” que pegou na imprensa mundial sobre a melhoria da situação dos haitianos pobres após a missão de paz. O editorial, redigido por Wadner Pierre, cita essa busca por comida como o mais brutal efeito da desigualdade social. Isso porque o custo de vida tem aumentado e os programas sociais continuam inexistindo.

Dizem-nos mais e mais que as coisas estão melhorando, que as Nações Unidas estão aqui, mas isto é hipocrisia. A situação está pior é claro para aqueles que moram nas favelas. (…) Vá até os bairros pobres ver onde a pobreza é grande e dizer ao mundo o que está acontecendo. É nosso dever. É uma necessidade da verdade. Temos de dizer às pessoas a verdade.

Já pensou em falar creoule? Eu sim…

No blog do Deak, li um comentário da Paula Skromov, integrante do Comitê Pró-Haiti Brasil, sobre uma instituição em São Paulo que dá aulas de creoule haitiano. Isso é que é intercâmbio cultural. A Sala Sequoia ensina também guarani, aymara, quechua, yorubá. A seguir um resumo da aula de creoule.

As aulas são ministradas pelo prolífico professor Firto Regis. Ele é natural de Cap Haitien, ao norte do Haiti. Nas aulas, ele comenta as pequenas diferenças existentes entre o kreyòl do norte e do sul do país, e também as diferenças entre a elite rica e a maioria da população.

Agora, que moro e trabalho em São Paulo, vou checar os horários para ver se entro na turma. Até porque só ensaio algumas palavras do creoule. 🙂

Biscotos de terra… o eterno retorno

Não sei direito quem recomeçou, mas acho que foi o The New York Times. Alguém deve ter feito isso antes também. Não sei, não procurei. Mas depois do jornalão norte-americano, dezenas de jornalistas fizeram esta reportagem – mostrar uma “comida” haitiana chamada “té”, um biscoito feito com terra colhida na região de Hinche, manteiga, água e sal. Isso mesmo, uma espécie de cookie de lama. O assunto virou coqueluche da imprensa que foi até o Haiti nos últimos quatro anos.

Na última semana, recebi em meu leitor de RSS uma centena de entradas em blogs e sites reproduzindo uma notícia da Associated Press. Virou hit pelos blogs. Veja o resultado da busca do Technorati. Em 2006, quando eu estava na Agência Brasil, fizemos uma pequena descrição da iguaria um dia depois de uma equipe do SBT. As fotos abaixo são do fotógrafo Marcello Casal Jr.

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Os biscoitos são uma forma de complemento precário da alimentação para muita gente pobre, mas também é moda para mulheres grávidas, carentes ou não, com o argumento de aumentar o ferro no sangue. O risco maior é a cólera, porque a água da massa não é tratada. Eu preferi não experimentar.

Mais da revolução de São Domingos

Estão na lista dos mais lidos do blog Left ~ Write, de Aniket Alam, três posts (1, 2, 3) sobre a Revolução de São Domingos, o fato histórico que culminou com a independência do Haiti. Escrevi também sobre isso para a História Viva, baseado na análise de C.L.R. James, em “Os Jacobinos Negros” (The Black Jacobins), publicado no Brasil pela editora Boitempo.

Vale a pena ver como o assunto anda viajando pela net. No primeiro post, o autor usa como epígrafes os versos de “Redemption Song”, do Bob Marley, a descrição do tráfico negreiro. No século 16, o comércio de escravos tinha no Haiti o seu principal alvo lucrativo para a burguesia francesa. A independência começou justamente pela revolta dos negros.

O que Peter Hallward disse…

Dando continuidade à série de intelectuais que refletem sobre a situação atual do Haiti, publico algumas idéias de Peter Hallward, professor de filosofia da Universidade de Middlesex. Foi um dos primeiros a de debruçar sobre a recente crise haitiana ao escrever o artigo “Option Zero” para a revista New Left Review.

Escreveu no ano passado o livro “Damming the Flood: Haiti, Aristide and the Politics of Containment”. É o escritor que faz parte das fontes de informação de Noam Chomsky. A seguir, alguns trechos de um artigo que ele publicou no Znet Haiti Watch, em dezembro.

No curto prazo, é difícil negar que a remoção forçada do governo de Aristide, em fevereiro de 2004, foi provavelmente o sucesso mais espetacular de uma administração dos Estados Unidos. O longo esforço de contenção, descrédito e, em seguida, derrubada do Lavalas nos primeiros anos do século 21, constitui o maior êxito do exercício neo-imperial de sabotagem desde a derrubada da Nicarágua Sandinista em 1990.

Em muitos aspectos, foi muito mais bem sucedida, pelo menos no curto prazo, do que triunfos imperialis anteriores no Iraque (2003), Panamá (1989), Granada (1983), Chile (1973), o Congo (1960), Guatemala (1954) ou o Irã (1953)… Não só o golpe de 2004 derrubou um dos mais populares governos na América Latina, mas ele conseguiu derrubá-lo de uma forma que não foi amplamente criticada ou mesmo reconhecida como um golpe para todos.

No longo prazo, porém, a situação é menos clara. Quando o venezuelano Hugo Chávez visitou Porto Príncipe em março de 2007, foi cumprimentado por milhares de pessoas. Naquele dia, o slogan nas ruas foi “Viva Chávez, Viva Aristide, aba Bush!” Se Aristide for autorizado a regressar ao Haiti, admite um ministro do governo atual, é mais do que provável que milhares de pessoas irão dar-lhe as boas-vindas. (…)

Aristide irá certamente continuar a ser o mais popular e mais influente homem no país, e ele retornará com o seu compromisso de transformação política não-violenta. Quando ele retornar, por outro lado, ele não será mais preso pelas limitações da diplomacia e dependência econômica que foram moldadas poderosamente nos seus últimos anos no poder. Talvez não seja por acaso que os defensores do status quo do Haiti ainda estão aterrorizados pela perspectiva deste retorno, e continuam determinados a impedi-lo a todo o custo.

Fotos do carnaval no Haiti

Essa época é muito boa para conhecer a cultura do Haiti. É época de carnaval e, assim como no Brasil, há vários blocos na rua, com desfiles e bandas com marchinhas. Em 2004, numa de minhas viagens para lá, conheci a casa de um fabricante de bonecos em Delmas. Lembrou-me Olinda.

Deixo algumas fotos recentes que encontrei pela net. Achei uma boa galeria no Flickr sobre 2007 do fotógrafo Darre-Ell, que esteve por lá.

Reuters

Quantos semáforos há em Roma?

O trânsito de Porto Príncipe, no Haiti, é realmente caótico. Já demorei mais de 2 horas para fazer um trecho de três quilômetros. Mas o engraçado é como isso, para alguns, serve de indicador de pobreza. É verdade… falo sério!

Li hoje um texto do site Zenit que falava sobre o balanço da organização internacional Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). Para citar um exemplo de pobreza e necessidade, Xavier Legorreta elencou que em toda sua viagem viu apenas quatro semáforos funcionando no Haiti.

Voltei ao topo da página e li um slogan do site Zenit: “O mundo visto de Roma”, certamente em alusão à sede do Vaticano. Aí me perguntei: Quantos semáforos há em Roma?

Talvez eles possam doar faróis para o Haiti, mas podem ter certeza que não vão ajudar um milímetro na situação do povo pobre caribenho. Talvez da elite haitiana, que deve enxergar a coisa por este mesmo ângulo.

Aqui embaixo deixo a foto do colega Spensy Pimentel com uma rua de Cité Soleil.

Spensy Pimentel/ABr

A escravidão dos negros nos EUA e o Haiti

Em janeiro, publico na Revista História Viva uma reportagem sobre a independência do Haiti. Li dois livros inteiros e duas dezenas de capítulos isolados sobre a escravidão na América Latina para fazer o texto. Jacobinos Negros, de C. L. R. James, a história socialista da Revolução Francesa, de Jean Jaurès, até o cubano Fernando Ortiz. Não usei todos. Parte vai mesmo para o livro-reportagem. No início de 2008, coloco o link do texto no blog.

Mas me lembrei dessa reportagem por conta de um texto que li no New York Times. Eric Foner, professor da Universidade de Columbia, escreveu um artigo sobre os 200 anos da proibição da importação de negros para a escravatura nos Estados Unidos, que será lembrado agora em 1º de janeiro de 2008. A revolução de São Domingos, como é conhecido o nascedouro da república haitiana, influenciou e trouxe temor para os escravocratas norte-americanos.

O historiador John Hope Franklin escreveu, em “Da escravidão à liberdade”, que os norte-americanos ficaram horrorizados diante das notícias do que acontecia no Haiti. A partir de 1791, “muitos preocuparam-se mais com os acontecimentos no Haiti do que com a luta de vida ou morte que se desenvolvia entre França e Inglaterra”. Na época, França e Inglaterra estavam na rota de conflito por conta da disputa comercial da burguesia.

Em “Forgotten Step Toward Freedom”, Foner faz um comentário sobre essa época. Tempo em que os escravos da ilha de São Domingos iniciaram uma revolta tão violenta quanto suas próprias chagas, mas em busca da liberdade.

Realismo fantástico e a independência do Haiti

A independência do Haiti é um capítulo sensacional da história latino-americana. Primeiro porque foi comandada a partir de uma rebelião de escravos africanos em um continente de países escravocratas. Segundo porque gerou a primeira república negra das Américas. Terceiro, o mais forte e sentimental deles, é que esse fato advém de um sofrimento brutal dos africanos trazidos à força nos porões dos navios negreiros.

Quarto é que existe uma certa mística em torno desse fato e sua evolução, o que venho descobrindo nas pesquisas que tenho feito ultimamente para uma reportagem. Deixo mais detalhes para a própria matéria, mas adianto uma história haitiana que ajudou a inaugura a narrativa latino-americana do realismo fantástico, na qual a realidade se misturava com o absurdo para captar uma nova essência.

É o caso de uma revolta liderada por um quilombola, Mackandal, que fugiu para as montanhas haitianas e organizou uma resistência contra os brancos escravocratas produtores de cana-de-açúcar. Isso antes do grande movimento independentista influenciado pela Revolução Francesa e liderado por Toussaint L’Overture em fins do século 18.

Mackandal era visionário, grande orador e se dizia imortal. Tinha seguidores aos montes. Planejou envenenar a água das casas dos brancos para libertar os escravos. Essa história foi mote para o livro do escritor cubano Alejo Carpentier, “O reino deste mundo”, um dos percussores do gênero fantástico.

Noutro livro, “Os jacobinos negros”, de C.L.R. James, encontrei uma boa referência sobre o fato. Está na página 34:

Mackandal concebeu o audacioso plano de unir os negros e expulsar os brancos da colônia. Era um negro vindo da Guiné, que tinha sido escravo no distrito de Limbé, o qual mais tarde se tornaria um dos grandes centros da revolução. Mackandal era um orador, na opinião de um branco contemporâneo, e com a mesma eloqüência dos oradores europeus daqueles dias, diferente apenas na força e no vigor, em que lhes era superior. Destemido, embora maneta devido a um acidente, tinha uma fortaleza de espríto que sabia preservar mesmo em meio à mais cruel das torturas. Ele dizia poder prever o futuro; como Maomé, teve revelações; convenceu seus seguidores de que era imortal e exercia sobre eles um tal domínio que consideravam uma honra servi-lo de joelhos. (…)

Durante seis anos, construiu sua organização, e ele e seus seguidores envenenavam não apenas brancos mas membros desobedientes do próprio bando. Então, planejou que em determinado dia a água de todas as casas na capital da província seria envenenada, e os brancos seriam atacados durante as suas convulsões e angústias de morte. (…) A sua temeridade foi a causa de sua queda. Um dia, ele foi até uma fazenda, embebedou-se e foi traído. Capturado, foi queimado vivo. A revolta de Mackandal não se realizou e foi o único indício de uma tentativa de revolta organizada durante os cem anos que precederam a Revolução Francesa.

Unicef repudia onda de ataques a crianças

O Unicef repudia a onda de ataques às crianças no Haiti. Em nota em seu site, o órgão das Nações Unidas disse que está preocupado com o crescente número de casos em outubro e novembro deste ano. As fontes oficiais dizem que foram cerca de 20 casos de seqüestro na capital Porto Príncipe e outras localidades nesse período. O caso mais chocante foi a menina de sete anos de idade encontrada mutilada após ter sido seqüestrada duas semanas antes. O Unicef pede providências das autoridades haitianas e da missão de paz.

“Heróis do HIV” no Caribe

Está no boletim do blog Narua, do Paulo Fehlauer, o link para um especial jornalístico sobre o combate ao HIV no Caribe, publicado pelo PalmBeachPost (que, sinceramente, eu desconhecia). Inclui a situação do Haiti, onde, como já citei aqui, o vírus da Aids atinge 2,2% de mulheres e 2% entre os homens, o maior índice das Américas. O título do especial é “Heroes of HIV”. Meu destaque é a seqüência de imagens sobre a doença dentro dos presídios.

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O que Noam Chomsky falou…

Um dos meus desafios de reportagem sobre o Haiti é discutir o passado e o futuro do país (sem desgrudar os olhos do presente) a partir de uma lista de sociológos, cientistas políticos, economistas, historiadores, diplomatas, sobretudo latino-americanos e de colorações ideológicas distintas…

Buscarei isso, embora as entrevistas insistam em mostrar um certo deja vu no trinômio “subdesenvolvimento”, “violência” e “dependência”. Quero, claro, fugir da redundância analítica. Para começar essa série, deixo aqui um comentário do professor norte-americano Noam Chomsky. Encontrei esses trechos no site pessoal dele.

Aqueles que têm alguma preocupação pelo Haiti irão naturalmente querem compreender como evoluiu a sua mais recente tragédia. E para aqueles que tiveram o privilégio de qualquer contato com o povo desta torturada terra, isso não é apenas natural, mas impossível de se fugir. No entanto, nós cometemos um grave erro se nos concentrarmos demasiadamente sobre os acontecimentos do passado recente, ou mesmo sobre o Haiti por si só. A questão crucial para nós é o que deve ser feito sobre o que está ocorrendo. (…) O curso dessa terrível história era previsível há anos – e nós falhamos em evitá-lo. As lições são claras, e tão importantes que elas seriam o tema-do-dia das primeiras páginas de uma imprensa livre. (…)


(…) Em detalhes, o que tem acontecido é bem similar à derrubada do primeiro governo democrático em 1991. O governo Aristide, mais uma vez, foi prejudicado pelos comandantes dos Estados Unidos, que compreenderam, sob Clinton, que a ameaça da democracia pode ser superada se a soberania econômica é eliminada. E conseqüentemente também compreenderam que o desenvolvimento econômico será uma tênue esperança em tais condições, uma das melhores lições confirmadas pela história econômica. Os comandantes de Bush II são ainda mais dedicados a minar a democracia e a independência.

(US-Haiti, March 9, 2004)

O país negro conseguirá ir à Copa da África?

Não, não é do Brasil que estou falando. É outro país negro: o Haiti. Eles só foram a uma Copa, a de 1974, na Alemanha. Na primeira fase tiveram três derrotas seguidas – Itália (3 a 1, de virada), Polônia (7 a 0, sem comentários), e Argentina (4 a 1, a pá de cal). Mas foi o maior feito da história de sua equipe, que voltou para casa ovacionada. Ainda era época da longa ditadura de “Papa Doc” e “Baby Doc”. Nunca mais conseguiram chegar à disputa mundial. Nas últimas eliminatórias, por exemplo, os haitianos foram desclassificados pelo time da Jamaica.

O time haitiano que foi à Copa de 1974

Imaginem o que seria para o Haiti ir para uma Copa na África do Sul? Como o país ama futebol, seria quase uma diáspora às avessas. No país caribenho, há vários times pequenos. Muitos jogadores atuam nos Estados Unidos. Seus campeonatos sofrem com a instabilidade política. Em 2004, por exemplo, quando houve a queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide e a missão de paz da ONU começou, o campeonato nacional foi cancelado por falta de segurança. A infra-estrutura é precária. Antes do jogo com a seleção brasileira, o estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe, estava em frangalhos.

Vou fazer minha análise futebolística (!). São três vagas certas e uma repescagem. E 35 países em disputa. Historicamente, as eliminatórias da América do Norte, Central e Caribe são dominadas por México e Estados Unidos. Haveria uma brecha para tentar disputar outras duas vagas, incluindo uma possível repescagem com times sul-americanos. Costa Rica e Jamaica têm evoluído um pouquinho (?), então Haiti teria que comer pelas beiradas. O problema é que os haitianos quase não treinam juntos. E a disputa começa por mata-mata. Se forçar, dá.

Em uma de minhas idas a Porto Príncipe, naquele jogo com a seleção brasileira em agosto de 2004, comprei minha camisa para torcer. É azul forte com um símbolo da confedereção entre dois coqueiros caribenhos. Os fanáticos como eu que passarem por este blog podem acompanhar os resultados pelo site da Concacaf. O primeiro jogo é Haiti contra o vencedor de Nicarágua e Antilhas Holandesas. Vai ferver, não?

Vodu haitiano em imagens

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No blog do MediaStorm, há um link para o trabalho do The Digital Journalist sobre a religião vodu no Haiti. A apresentação da galeria do fotógrafo Les Stone diz: “A violência é apenas um dos aspectos [no Haiti]; a cultura e a forte dignidade dos haitianos é outra”. Como o candomblé no Brasil, a prática é uma das mais surpreendentes no contato com o cotidiano do país caribenho. Visitei um “terreiro” de vodu em minha primeira viagem ao Haiti, em agosto de 2004. Era o fundo de um terreno bem no alto de Porto Príncipe. Sobre fogueiras, grandes tachos de arroz com lentilhas e carne de porco – as oferendas. O clima era forte. O batuque me lembrava os sons do candomblé maranhense.

 

Resgate em Cité Soleil após furacão Noel

Tá publicado no You Tube um vídeo sobre a atuação do batalhão brasileiro no resgate de pessoas afetadas pelo furacão Noel, no bairro de Cité Soleil. O material está bem editado com os depoimentos dos militares. A edição é do pessoal do Viva Rio, organização não-governamental brasileira que também atua no Haiti e mantém um blog sobre o assunto.

O novo chefe da missão no Haiti

Esse é o rosto branquinho do novo chefe da missão de paz da ONU no Haiti. A partir de agora, o tunisiano Hedi Annabi passa a ser o responsável por todas as decisões no país caribenho. Investimentos, operações militares, atuação da polícia civil, ações humanitárias, relação com o governo etc.

Primeiro foi o chileno Juan Gabriel Valdez, que foi substituído pelo guatemalteco Edmond Mulet, e agora por Annabi. Uma de suas primeiras entrevistas à imprensa foi essa aqui à AP, reproduziada pelo jornal Miami Herald. Segundo ele, as tropas ainda vão ficar no Haiti “muitos anos”, porque o país ainda não consegue tomar conta de sua própria segurança.

“A situação de segurança é extremamente frágil. E se tivéssemos de reduzir drasticamente [a atuação das tropas], não haveria um vazio que seria imediatamente substituído pelas mesmas pessoas que estavam lá quando nós começamos”, afirmou Annabi enquanto falava sentado em seu escritório nas colinas da parte alta de Porto Príncipe.

Quando lhe perguntaram quanto tempo a criação da polícia própria haitiana pode demorar, Annabi disse: “Você não cria uma força de segurança, uma força policial, em dois ou três anos… leva 10, 15, 20 anos”. Ou seja, a perspectiva política da ONU no Haiti é longa.

É bom lembrar que, nos últimos 15 anos, já foram cinco missões de paz. Essa se alongará, pelo menos, até as próximas eleições lá. Até 2011. Não tenho dúvida.

Soldados da ONU e o abuso sexual

A história desse post começa em agosto de 2004, às vésperas do jogo entre a seleção brasileira e o time haitiano no que ficou conhecido como “jogo da paz”. Era minha primeira viagem ao Haiti. Entre minhas pautas estava a checagem da missão diante de seus objetivos (desarmamento, manutenção da segurança, organizar novas eleições etc). E também checar uma denúncia de tropas da ONU teriam abusado sexualmente de uma adolescente no Haiti.

Era uma notícia vaga, que envolveria soldados sul-americanos. Não havia fonte identificada, nem acusado formal da denúncia. Dificilmente conseguiria achar, em sete dias de trabalho, o rastro dessa história. Mas tentei. Fui checar se havia alguma investigação formal na ONU. Disseram que não. Fui checar numa delegacia de polícia. Nem sinal. Tentei contatar uma ONG de direitos da mulher. Disseram que ouviram falar, não tinham informações detalhadas. Não tinha notícia.

Nas posteriores visitas, confirmei que os soldados brasileiros saíam do Haiti e passeavam pela República Dominicana, onde, quem quisesse, podia “aliviar” a distância de casa e das mulheres brasileiras com a prostituição caribena. Soube também que havia uma adolescente de 16 anos, cuja denúncia de abuso sexual foi investigada três vezes pela ONU. Foi arquivada por “falta de provas”. A BBC noticiou o fato. Mas nenhuma notícia foi tão clara, arrebatadora e desmoralizante quando a deste mês de novembro.

Cento e oito capacetes-azuis do Sri Lanka foram repatriados após terem sido investigados por terem “pagado” por sexo no Haiti. O comunicado da ONU sobre o assunto é de uma burocracia diletante. O jornal The New York Times publicou as falas da porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas. Mas ninguém avançou em saber quais são as punições pela ONU e pela legislação do Sri Lanka. Procurar as haitianas envolvidas então, nem pensar.

Ninguém citou, por exemplo, que as leis do Sri Lanka podem condenar os soldados a trabalho forçado como pena máxima. No Brasil, só o jornal Folha de S.Paulo registrou o caso com uma matéria produzida a partir de agências internacionais. O silêncio da imprensa brasileira e sul-americana sobre esse caso é sinal de que ainda pouca gente acompanha a situação do Haiti, a não ser pelo olhar das tropas militares. Reproduzimos assim uma visão elitista no jeito de fazer jornalismo.

Haitianas, uma série que se inicia aqui

Neste blog também vou postar coisas de minhas apurações sobre a situação do Haiti, país mais pobre das Américas onde uma missão da ONU atua desde de junho de 2004. Já escrevi sobre o tema para a Agência Brasil, pela qual viajei quatro vezes desde o famoso jogo da seleção brasileira com o time haitiano; para a revista Democracia Viva, do Ibase; para a revista Rolling Stone, edição brasileira; entre outros veículos.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O argumento primeiro da defesa da missão da ONU, após a crise de fevereiro de 2004, era o de que a situação ficaria pior se não houvesse o envio de tropas. Isso desconsidera o movimento armado anterior, e suas suspeitas de ilegalidades, que provocou a queda de Jean Bertrand Aristide. Embora não haja provas, deixo registrado que existem denúncias de que o grupo armado que marchou da República Dominicana contra Aristide foi financiado pelos Estados Unidos.

O segundo argumento, e repetido subliminarmente, era o de que, caso os “bons” sul-americanos não estivessem no Haiti, os “imperialistas” norte-americanos estariam. Um auto-elogio ideológico, mas que não se sustentava sem um planejamento alternativo para pacificar e criar condições soberanas para um país explorado e ocupado. O Conselho de Segurança da ONU, como todo espaço diplomático, é resultado direto das propostas e dos interesses de seus membros.

Isso significa que interesses maiores – de paz, soberania e igualdade – podem ou não ser preservados em cada decisão. Depende da atuação de seus membros. Então, estaria o Brasil interessado em garantir uma cadeira permanente no conselho e, por isso, teria aceitado a participação no Haiti? Ou seja, em nome de ter direito a veto e voto nas decisões sobre os conflitos armados teríamos ido com tropas para o Caribe, sem um planejamento de médio prazo?

Vou escrevendo…